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George Santos pode ser um mentiroso patológico?
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O deputado George Santos, 34, filho de brasileiros e primeiro republicano abertamente gay eleito para o Congresso americano, tem sido acusado de mentir o tempo todo sobre sua vida pessoal, familiar, acadêmica e profissional. As inverdades seriam tantas que ex-amigos e jornalistas criaram o grupo de WhatsApp "Mentira tem pernas curtas", para expor relatos e situações que teriam sido inventadas por ele. Será que ele poderia se encaixar em um diagnóstico de mentira patológica?
Só para se ter ideia de algumas das mentiras de Santos:
- Disse ter se formado no Baruch College em 2010, mas não concluiu ensino superior.
- Afirmou ter trabalhado no Citigroup e no Goldman Sachs, o que não fez.
- Contou que o ataque às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, teria custado a vida da mãe. Mas ela nem sequer estava nos EUA quando o atentado aconteceu, tendo ficado fora dos EUA de 1999 a 2003.
- Seus avós maternos teriam sido judeus que fugiram do regime nazista e sobreviveram ao holocausto, mas não há evidências que essa informação seja real.
No Brasil, ele enfrenta um processo por estelionato (teria usado talão de cheque roubado em 2008 para fazer compras em uma loja). Já nos EUA há uma acusação por assédio sexual feita por um ex-colaborador, além de ele estar sendo investigado pelas contas da campanha e sofrer uma pressão crescente para renunciar ao cargo para o qual foi eleito.
O que é mentira patológica?
Os relatos dos ex-amigos sugerem que Santos é uma pessoa alegre e envolvente, que gosta de ostentar, e que tem sempre argumentos bastante convincentes, com alto poder de persuadir os outros a acreditarem em suas versões dos fatos. Em comum, quem conheceu o deputado diz que ele pode ter mudado muito nos últimos anos, mas "ser mentiroso" parece uma característica que se perpetuou. Muitos afirmam terem sofrido consequências emocionais e financeiras das interações com ele.
Embora a mentira patológica (ou mitomania) não seja uma categoria diagnóstica distinta nos principais manuais que classificam os transtornos mentais, como o DSM-5 e o CID 11, ela é apresentada, muitas vezes, como um quadro que pode estar associado a outros transtornos psiquiátricos, como no caso dos transtornos de personalidade antissocial, borderline e narcisista.
O CID 11 aponta que um funcionamento moral consistente e integrado é uma das características de um funcionamento normal da personalidade, enquanto distorções como mentir, roubar ou ter outras atitudes antissociais poderiam estar associadas a um prejuízo na organização da personalidade. Ou seja, mentir patologicamente poderia, entre outros sinais e sintomas, falar a favor de um transtorno de personalidade.
Padrão persistente e compulsivo de mentir
Um estudo de 2020, publicado no periódico Psychiatric Research and Clinical Practice, investigou cerca de 800 pessoas que se consideravam mentirosas e chegou à conclusão que de 8% a 13% delas alcançariam critérios para mentira patológica: um padrão persistente (mais de 6 meses), pervasivo e frequentemente compulsivo de mentir, que pode levar a prejuízos importante do funcionamento social, ocupacional ou de outras áreas da vida, causando aumento de angústia e maiores riscos para si próprio ou para outros.
Segundo os pesquisadores, que sugerem que existe base para se criar uma entidade diagnóstica de mentira patológica, separada de outros transtornos, pode haver ou não razão para mentir, e a frequência das mentiras não deve ser o único critério utilizado, mas sim o impacto na vida da pessoa e a maior exposição a riscos.
Veja os principais achados desse trabalho sobre a mentira patológica:
- Mais da metade mentia frequentemente por mais de cinco anos;
- Amigos e familiares são as principais vítimas das mentiras, que podem começar ainda na adolescência;
- Os principais impactos acontecem nas relações sociais;
- Há um nível importante de angústia provocada pelas mentiras;
- Há um padrão compulsivo de mentir;
- Existe maiores risco para a pessoa e para os outros com quem ela se relaciona;
- Com frequência, não havia razão ou motivo para as mentiras.
Como suspeitar desse diagnóstico?
E como fazer para suspeitar que alguém possa ser um mentiroso patológico? Veja algumas das características deles que podem ajudar a identificar o quadro:
- Criar mentiras cheias de detalhes, com histórias dramáticas e improváveis;
- Ficar na defensiva quando confrontados, e mudar a história ou dar respostas vagas quando questionados;
- Não parecer preocupado em "ser pego", e sentir um certo "barato" quando a mentira dá certo;
- Contar histórias de outras pessoas como se fossem suas.
Cuidado
Para quem convive com um mentiroso patológico, as principais recomendações são não esperar que eles admitam as mentiras (mesmo quando é óbvio que estão mentindo), não levar a "conta" das mentiras para o lado pessoal (não é culpa sua!) e não se descontrolar e perder a paciência (o que aumenta o risco de ele mentir ainda mais).
É importante ficar mais atento ao que pode ser mentira e tentar estabelecer limites claros de interação para que você não sofra e não corra riscos. Se for alguém da sua família ou um amigo próximo, recomendar a busca por um profissional de saúde mental é essencial.
Bom lembrar que não existe um remédio específico para fazer as pessoas pararem de mentir, embora antidepressivos e ansiolíticos, em teoria, poderiam ajudar no manejo e tratamento de algumas condições que podem estar associadas ao quadro.
O tratamento passa pela pessoa perceber o que está fazendo, ter um desejo autêntico de mudar e seguir um processo de terapia com seriedade. Nem sempre dá resultado, já que é difícil para muitos indivíduos aceitarem o que estão fazendo e desejarem adotar um novo jeito de se relacionar e se comportar, principalmente para quem funciona desse "jeito" há décadas.
Para Santos, você aposta em mudanças? O caso do deputado americano serve como um alerta de como é importante pensar em formas de lidar com políticos e personalidades públicas que ocupam posições que podem influenciar e determinar a vida de milhões de pessoas. Ele não é o primeiro e não será o último!
No Brasil recente, há uma série de exemplos similares. Qual o impacto das seguidas mentiras (patológicas ou não) e de um eventual transtorno de personalidade na condução de uma instituição ou mesmo de um país? Como limitar os danos para a população? O que fazer a esse respeito? Tem sugestões?
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