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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Etarismo na universidade: 150 jovens deram as costas para mim e achei ótimo

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

17/03/2023 04h00

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Há alguns anos, fui participar de um bate-papo sobre sexualidade junto com uma colega em um colégio no sul do país. O evento fazia parte de uma ação promocional de uma rádio em que nós apresentávamos um programa semanal. A turma era composta por cerca de 150 alunos do ensino médio.

Quando chegamos à escola, todos os alunos estavam de costas e diziam que não participariam de uma conversa sobre sexo com participantes de um show de rádio que consideravam misógino, homofóbico, gordofóbico e etarista, e que ainda era veiculado pela grande mídia. Apesar de o programa não ser nada disso (explico abaixo), achei a postura dos alunos corajosa e significativa de como eles estavam engajados em combater preconceitos e discriminação.

Etarismo na universidade

Lembrei dessa situação quando li, na última semana, sobre os comentários absurdos que algumas alunas de biomedicina de uma universidade particular de Bauru (SP) fizeram sobre uma colega de turma de 44 anos. Nessa semana, as três garotas envolvidas nos vídeos desistiram do curso.

Fiquei pensando: o que aconteceu com essas alunas, que na tentativa de ganhar alguns "likes" e serem engraçadinhas, foram preconceituosas, excludentes e perderam uma grande chance de crescer e evoluir, já que estão no ensino superior, com oportunidade para furar as bolhas sociais em que foram criadas, e caminhando na construção do seu futuro.

Voltando à minha experiência, é bom esclarecer que o tal programa era composto por mim (o especialista), por um locutor que encarnava em nosso núcleo de humor o "papel" de um homem machista, e por uma locutora jovem, descolada, livre de estereótipos e preconceitos, que não levava desaforo para casa (era ela que estava comigo no dia do evento).

No programa, as nossas respostas eram construídas com base nessa tensão criada entre os pontos de vistas antagônicos dos dois locutores e por minhas "costuras" técnicas sobre emoções, saúde mental, sexualidade e comportamento.

Resistência positiva

Naquela altura do campeonato, eu já havia participado de quase uma centena de bate-papos em colégios e essa era a primeira vez que enfrentava uma resistência dessa escala vinda dos alunos. Vez ou outra, alguns pais reclamavam que nossos papos eram muito abertos e tocavam em temas sensíveis, mas essa sempre foi, para mim, uma condição central para poder falar livremente de sexualidade. Dos alunos, nunca tinha recebido um "não" tão forte.

A alternativa foi partir para o diálogo e tentar desconstruir essa imagem que eles tinham do programa. Claro que não dava para negar que a rádio fazia parte de um grande grupo de comunicação, mas a ideia central do nosso show ia justamente na contramão de tudo o que os jovens enxergavam nele.

A proposta era justamente informar e discutir sobre sexualidade, combatendo estereótipos, preconceitos, machismo, racismo, violência contra as mulheres, homofobia, transfobia, etarismo e qualquer outra forma de discriminação. A sexualidade é muito mais rica e saudável na diversidade, no respeito e na convivência entre todos, cada um com a sua!

Articulação e protesto

Aos poucos, eles foram expondo seus pontos de vista, entendendo os nossos e, com o diálogo, conseguimos um novo entendimento sobre a ação naquele dia.

Para mim, foi importante perceber que talvez estivéssemos transmitindo (com o "papel" assumido pelo nosso locutor) uma mensagem equivocada sobre nossos objetivos. E foi ótimo ver os jovens se articulando e protestando para expor seus pontos de vista. Eram pessoas que logo estariam na universidade, construindo uma sociedade melhor, com sua postura ativa de combate a preconceitos e respeito às diferenças.

Ironia do destino (ou não), eu mesmo, alguns anos depois, com 44 anos, voltei a prestar um vestibular e cursar biologia na universidade federal daquela mesma cidade, e garanto que fui muito bem acolhido pelos meus colegas de 20 e poucos anos.

No começo, alguns deles eles estranharam o fato de eu estar ali. Será que eu havia sido "plantado" pelo reitor para vigiar o comportamento deles? Logo essa paranoia foi desfeita e substituída por parceria, trocas produtivas e amizades que tenho até hoje.

Nesse sentido me causou tristeza e estranheza o comportamento das garotas de Bauru. Espero que esse seja um fenômeno isolado, que não reflita a volta de uma onda conservadora de preconceitos e discriminações que já deveriam ter sido superados na universidade há décadas.

E tomara que as três construam novos caminhos em suas vidas, retornando ou não ao curso de biomedicina, e que possam transformar essa situação em aprendizados e mudanças.

Para mim, a cara dessa nossa juventude de hoje tem muito mais a ver com os alunos de ensino médio que protestam e se articulam contra as mudanças em seu currículo e que se viram de costas para discursos que interpretam como preconceituosos do que com comentários discriminatórios de quem deveria estar se preocupando com um futuro melhor para todos. O que acha?