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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sêmen no dinheiro engravida? Já são 30 anos e as dúvidas seguem parecidas

FG Trade/iStock
Imagem: FG Trade/iStock

Colunista de VivaBem

27/03/2023 04h00

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"Doutor, Jairo. Transei com minha namorada, dei uma limpadinha básica, vesti um short e fui na padaria. Na hora que ia pagar a conta, achei que o dinheiro estava meio molhado e encanei que podia ser esperma. Tem como a moça da caixa engravidar de mim ao manipular as notas? Tô ficando paranoico!"

Vocês ficaram impressionados com a pergunta? Pois é, há exatos 30 anos, em 1993, fui convidado pela Folha de S.Paulo para responder a dúvidas de jovens sobre saúde e sexualidade em um caderno do jornal dirigido ao público adolescente, o "Folhateen", e muitas das perguntas eram como essa aí acima. Mas ela, em particular, chegou na semana passada mesmo!

Se eu disser para vocês que as perguntas mudaram muito ao longo dessas três décadas, estaria mentindo. Claro, há novidades em termos de doenças, nomenclaturas, classificações e novas tecnologias, mas as dúvidas são todas muito parecidas. Por quê? Será que estamos falhando em nossa "missão" de educar melhor os jovens quanto ao tema sexualidade?

Veja outras dúvidas que recebi recentemente:

  • Sexo anal precisa de pílula do dia seguinte?
  • Sexo oral trocado engravida?
  • Tomo pílula, uso camisinha e faço coito interrompido, corro risco de engravidar?
  • Meu pai e meu irmão usam o mesmo banheiro que eu. Posso engravidar se eles ejacularem no vaso sanitário? E no sabonete?

Dia após dia continuo recebendo enxurradas de perguntas e arrisco dizer que, como a dúvida lá do rapaz que foi na padaria, a questão da gestação indesejada é um dos três temas que mais preocupam os jovens, junto com questões relacionados ao tamanho e formato do pênis e, também, o medo de "falhar" de alguma forma na relação sexual, seja com ejaculação precoce, seja dificuldade de ereção, seja falta de orgasmo.

Prazer e culpa

Acredito que existem pelo menos duas camadas possíveis de explicação para essa repetição quase incessante das mesmas dúvidas, que atravessaram a troca de milênio.

A primeira é um aspecto quase intangível, que possivelmente vai perdurar infinitamente pelas gerações: quando os jovens começam a vivenciar a questão das mudanças do corpo e da descoberta dos desejos e das paixões, uma espécie de interdição surge no horizonte.

A busca do prazer cobra seu preço na forma de angústias, incertezas, medos e culpas, que dão poucos ouvidos à lógica, à razão e ao conhecimento, e se materializam na forma de dúvidas e perguntas que não se esgotam nunca. Não adianta ver o vídeo, ler o texto. O adolescente pensa que sua situação é única, é impar! Ser jovem é questionar, nem que a resposta já esteja desenhada na sua frente.

Falha nossa

A segunda camada de explicação diz respeito à nossa falha, como sociedade, no processo de acompanhar transformações e trabalhar educação no campo da sexualidade.

Se a gente for pensar em termos de políticas públicas, são raríssimas as redes de educação e as as escolas que conseguiram manter e atualizar um programa competente de educação em sexualidade nas últimas décadas. Sobretudo nos últimos anos, vivemos uma guinada conservadora que sufocou ainda mais as raríssimas iniciativas existentes.

Para muitos é melhor não falar nada do que incentivar a sexualidade dos jovens, como se trabalhar esses temas antecipasse qualquer comportamento sexual deles. Não antecipa! E, por conta disso, seguimos com números e índices preocupantes de gestação na adolescência, violência sexual contra crianças e jovens, ISTs (infecções sexualmente transmissíveis), homofobia, transfobia, misoginia, entre outras situações complexas.

Da mesma forma que a educação falhou, as famílias também perderam e continuam a perder um espaço importante de diálogo e construção de conhecimento com seus filhos dentro de casa

Fugir da discussão não é a melhor resposta

Pais que foram muito mais "arejados" pelas informações em sexualidade, há 20 ou 30 anos, que participaram de discussões importantes sobre emoções e comportamentos, não conseguiram incorporar essas questões na educação dos seus filhos.

Muitos continuam a se esquivar do assunto, a se omitir ou a negar o básico: todo o jovem vai viver transformações emocionais importantes, e ajudá-los a passar por tudo isso é melhor do que proibir ou negar acesso a informação.

Essa semana, uma garota que transou com o namorado pela primeira vez e estava com sinais de infecção vaginal, com corrimento amarelado e desconforto intenso, mandou uma mensagem contando que não podia ir ao ginecologista porque a mãe achava que era muito cedo para ela pensar "nesses assuntos".

Outra disse que tinha que se esconder com o namorado pelos quatro cantos da casa, à procura de um pouco de privacidade, porque a mãe estava sempre à espreita, já que considerava que era muito cedo para ela namorar. Dessa forma, toda vez que eles tentavam, ansioso e com medo de serem pegos, a experiência era frustrante.

Notícia aos pais desavisados: se seus filhos quiserem fazer sexo, eles farão de qualquer jeito. Portanto, melhor do que a transa acontecer "escondida" e com riscos desnecessários, é a relação ser feita com informação, por jovens que em casa contem com espaço para conversas sobre prevenção, dúvidas e questionamentos.

Educação digital e sexualidade

Com a capilaridade das tecnologias de conexão e a pulverização da informação pelas redes sociais, com informações que podem acertar muito ou errar demais, o desafio da educação em sexualidade se somou à necessidade imperativa da educação digital. O que aproveitar? Em quem confiar? Como checar a informação? Como fugir dos perigos? Como empregar essas tecnologias em favor dos jovens?

Como se pode ver, não dá para gente fugir dessas discussões, de fazer nosso dever de casa, incentivando diálogo e escuta em nossas famílias, e de ocupar com educação sexual novamente esses espaços de troca intensa dos jovens, dentro e fora das salas de aula, para prepará-los melhor para o futuro.

Quem sabe, assim, em uma ou duas décadas, eles vão entender melhor o que se passa com suas emoções e suas dúvidas? O que você acha?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL