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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Casamento de menores: por que isso ainda é tão comum no Brasil?

Aos 65 anos, o prefeito de Araucária (PR), Hissam Hussein Dehaini, 65, casou-se com uma garota que havia recém-completado 16 anos - Reprodução
Aos 65 anos, o prefeito de Araucária (PR), Hissam Hussein Dehaini, 65, casou-se com uma garota que havia recém-completado 16 anos Imagem: Reprodução

Colunista de VivaBem

29/04/2023 04h00

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O casamento entre o prefeito de Araucária (PR), Hissam Hussein Dehaini, 65, e uma garota que havia recém-completado 16 anos chamou a atenção para um fenômeno que muitas vezes passa batido no Brasil afora: o matrimônio de menores de idade.

Foram mais de 7 mil casamentos de menores de idade no Brasil nos últimos dois anos, segundo dados da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais). Esse número pode ser ainda maior, já que boa parte dos registros não inclui idade ou gênero dos noivos.

Ainda de acordo com a ONG Girls not Brides (Garotas, não Noivas), há 2,2 milhões de menores casadas ou em união estável no país.

Em média, são 8 casamentos de menores por dia registrados em cartórios, de acordo com o Colégio Notarial do Brasil. Os números incluem também os casamentos entre dois adolescentes.

Casamento proibido até os 16 anos

De acordo com a legislação brasileira, ter relações sexuais com menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável. A partir de 15 anos, caso haja consentimento, não há configuração de crime. Já os casamentos entre adultos e menores são proibidos até os 16 anos (Essa lei passou a vigorar apenas há 4 anos, desde 2019). Mas jovens de 16 e 17 anos, desde que haja autorização dos pais, podem se casar.

Mais um recorde triste para nós: Segundo a Unicef, o Brasil é o quarto país no mundo e o primeiro na América Latina em números absolutos de casamentos de menores. Índia, Bangladesh e Nigéria estão nas primeiras posições.

O caso do prefeito chamou atenção não apenas pela diferença gritante da idade entre os dois (quase 50 anos), pelo fato da garota ter feito aniversário de 16 anos quase na véspera do casamento e pela posição política e social de Dehaini, mas também pelo fato de ele ter nomeado a sogra (a mãe da garota) como secretária de Cultura e Turismo e a tia da primeira-dama como secretária de Planejamento. As duas foram exoneradas após o caso vir à tona.

Desigualdade de gênero

Os casamentos de menores de idade com pessoas adultas são um fenômeno complexo que acabam alimentando um ciclo de pobreza e desigualdade. Esse tipo de vínculo reforça questões como violência de gênero, abandono escolar e gravidez na adolescência, que colocam em risco o futuro e a vida das garotas. Há um impacto importante na autonomia e no processo de empoderamento dessas mulheres.

Em sua coluna na Folha de S.Paulo, Mariliz Pereira Jorge pontua uma série de questões problemáticas nesse tipo de relação, inclusive a facilitação e conivência dos pais, que aceitam a união, muitas vezes, em troca de benefícios pessoais. Dinheiro, dote, bens materiais, segurança social e cargos, entre outros, fazem parte do rol de bônus que esses pais podem receber por "casar" suas filhas com um homem mais velho.

Na cabeça de uma garota, principalmente das mais vulneráveis do ponto de vista emocional, econômico e social, a união com um adulto mais experiente pode acenar como a promessa de um porto seguro. Mas, via de regra, esses casamentos acabam limitando as experiências, os aprendizados e o futuro dela.

Experiência e amadurecimento

Mesmo garotas mais protegidas socialmente podem enxergar nesse tipo de união um reforço para sua autoestima e segurança ("eu consigo encantar e me relacionar com um homem mais velho, mais experiente, em melhor situação social).

Em geral, falta para essas adolescentes a experiência e o amadurecimento emocional e psíquico para avaliar as consequências dessa relação para sua vida afetiva e emocional

Por isso, para além das leis, é muito importante que se discuta esse tipo de casamento. O que poderia ser feito, do ponto de vista de políticas públicas, para garantir que as garotas mais vulneráveis possam seguir na escola e completar seu ciclo de aprendizado e de amadurecimento emocional para que, aí sim, elas possam decidir melhor, com mais visão e alcance, sobre seu futuro?

Os pais também são parte importante desse processo de decisão. É fundamental que se trabalhe com eles a questão de como é essencial proteger os filhos nessa caminhada. O que parece inicialmente uma promessa sedutora e segura pode acabar aprisionando as garotas em relações profundamente desiguais e infelizes. E você? O que você pensa a respeito?