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Lucas Veiga

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que meu terapeuta não me diz o que fazer?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

05/07/2023 04h00

Quem chega para dar início a um processo terapêutico o faz porque está lidando com alguma questão difícil que tem lhe causado inquietação, preocupação, angústia ou até mesmo enfrentando algum quadro clínico mais delicado de saúde mental.

A função de uma psicoterapia é ser, ao mesmo tempo, um espaço de acolhimento e de produção de deslocamentos da posição subjetiva em que a pessoa se encontra e que contribui para o mal-estar do qual ela se queixa. Tem mais a ver com se desconhecer para se conhecer de outro jeito do que apenas com autoconhecimento. Acolher e sacudir ao mesmo tempo é próprio de um processo terapêutico exitoso.

Quando só há acolhimento, mas não há confrontação da pessoa com seus modos de ser consigo, com o outro e com o mundo que a adoecem, não podemos chamar de psicoterapia. E se apenas existe confronto e responsabilização sem acolhimento também não podemos considerar isto como uma relação terapêutica.

Terapia é um espaço de cuidado que opera por meio do acolhimento e da produção do novo, de novas formas de ser, estar e fazer com o desejo.

Durante o processo, é comum que pacientes demandem do terapeuta respostas para questões que estão enfrentando e que sentem não saber qual decisão tomar. Essa demanda por uma resposta direta que supostamente resolveria determinada questão tem a ver, entre outros, com dois elementos: a necessidade de que alguém lhe diga o que é melhor para si e a crença de que o psicólogo sabe a resposta que viria a apaziguar uma angústia.

Uma das funções do processo psicoterápico é exatamente trabalhar a autonomia da pessoa e a apropriação em relação a sua vida e aos caminhos que decide ou não percorrer. Sem dúvida, o terapeuta participa desse processo de conquista de si mesmo, em especial fazendo outras perguntas, colocando questões na direção de abrir passagem para a produção de sentidos, por vezes inéditos, que a pessoa experimenta com um misto de surpresa e reconhecimento: "Então era isso".

Quando éramos crianças, alguém maior do que nós exercia a função de cuidado e dizia o que a gente ia fazer, comer, como iríamos nos vestir, em qual escola iríamos estudar, que horário dormiríamos, e antes e acima disso tudo definia nosso próprio nome. No desenvolvimento psíquico saudável, vamos nos apropriando das nossas vontades e da nossa identidade e nos afastando dos desejos desse outro, afastamento que tem seu ápice nas crises da adolescência.

Quando entramos numa terapia adultos, é a criança em nós que levamos para esse espaço de cuidado. É a criança em nós lidando com conflitos próprios da vida adulta e pedindo que o terapeuta nos diga o que fazer como os adultos responsáveis por nós faziam na nossa infância. Mas não somos mais crianças, ainda que a criança que fomos viva em nós.

Se o terapeuta diz o que deve ser feito, acaba por reproduzir a cena infantil de uma maneira pouco promissora do ponto de vista da conquista da autonomia. Se o terapeuta diz o que deve ser feito, o processo criativo de uma terapia é interrompido e a experimentação dos caminhos possíveis fica empobrecida por meio da crença numa direção única.

Viver tem suas dificuldades e, ao mesmo tempo, suas belezas e delícias que estão diretamente relacionadas com o mistério que é estar vivo. Não há um caminho, uma verdade, uma vida. Há caminhos, verdades e vidas possíveis numa mesma vida. Aprender a habitar essa encruzilhada também é uma conquista do processo terapêutico. É por isso também que esse processo é feito de avanços e recuos, de intensidades e serenidades. Como a vida é.

Cabe ao terapeuta acompanhar os movimentos de uma vida, cuidar com o paciente das suas dificuldades, produzir com o paciente sentidos sobre o que lhe aconteceu e lhe acontece; escutar, acolher, intervir, questionar. Mas não é possível ao terapeuta dizer ao paciente o que ele deve fazer porque, no fundo, o terapeuta também não sabe. Os caminhos sempre estão por se fazer.