Lucas Veiga

Lucas Veiga

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Opinião

Quantas transformações cabem numa vida?

A gente às vezes leva tempo para se dar conta de que não somos mais os mesmos de antes. Cada um de nós tem um modo singular de lidar com as relações, com o trabalho, o amor, consigo mesmo, com o fato de estar vivo e de que um dia irá morrer.

Ao longo de nossas vidas, vamos criando certas maneiras de ser e estar no mundo, maneiras essas atravessadas e influenciadas pela nossa história familiar, pela cidade onde crescemos, pelos grupos que passamos, pelas amizades que fizemos, pelas pessoas que amamos, tudo isso vai modulando a matéria maleável que constitui nossa subjetividade.

Olhamos no espelho e nos reconhecemos como essa pessoa que tem a sua história e que se comporta de determinada maneira diante das situações que vivencia. "Eu sou assim; eu gosto disso; eu não gosto daquilo; eu vou por esse caminho e não por outro; eu lido desse jeito com meus afetos; tal coisa me faz sofrer; tal coisa me dá muita alegria." Mapeando nosso eu, deparamo-nos com a multiplicidade que nos habita, que somos um e vários ao mesmo tempo.

É por conta dessa multiplicidade que viradas no nosso modo de ser e estar podem acontecer, a ponto de ficarmos um tempo sem nos reconhecer e, por vezes, não sendo reconhecidos pelas pessoas com as quais convivemos, porque algo em nós mudou e com isso as relações também precisam se adaptar a esse outro arranjo que se apresenta.

Há mudanças que a vida produz em nós que são muito visíveis, como envelhecer, e mudanças que produzimos em nós que também são facilmente reconhecíveis por nós e pelo outro, como mudar o cabelo, fazer uma tatuagem, vestir-se de outro jeito. Mas há mudanças que acontecem na calada da noite e vamos nos dando conta aos poucos de que estamos diferentes do que éramos, que algumas coisas já não fazem mais sentido.

O filósofo Gilles Deleuze se refere a esses pontos de virada na nossa subjetividade como fissuras que desmontam um determinado funcionamento. Ele diz: "A fissura se faz nessa nova linha, secreta, imperceptível, marcando um limiar de diminuição de resistência, ou a elevação de um nível de exigência; já não se suporta mais o que se suportava antes, ontem ainda; a distribuição dos desejos mudou e nós, nossas relações de velocidade e lentidão se modificaram, um novo tipo de angústia nos atinge, mas, igualmente, uma nova serenidade".

Uma das grandiosidades da vida é poder vir a ser diferente do que se era no sentido de expandir nosso eu, acolher nossas contradições e seguir na direção do nosso bem viver, mesmo que isso implique em perder coisas e relações.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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