Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Ideias do que você pode dizer ao ver gente sem máscara por aí
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Depois de um ano e meio de novo coronavírus no ar, o assunto já deveria ser pra lá de velho. E, no entanto, aqui estou eu batendo nas mesmas teclas: m-á-s-c-a-r-a. Máscara.
Quem precisa sair de casa sabe que as ruas são um campo minado de narizes descobertos. E, caso você lance um olhar de protesto, se duvidar o sujeito sem um pedaço de pano nem vergonha na cara irá reagir. Cuidado, alguns explodem. Mas outros apenas disparam provas de sincera ignorância do que a ciência tem a lhes dizer para tapar-lhes a boca — e as narinas junto, claro.
Contra cada disparate que a gente ouve por aí, existe um bom argumento. Saiba o que você pode falar para tentar desarmar a arapuca dos sem-máscara em diversas situações.
"Parabéns pela vacina! Mas você pode continuar pegando e passando covid-19."
Esclareça aquela pessoa que, ao notar o seu desconforto, tenta tranquilizá-lo avisando que tudo bem, porque ela já foi vacinada. Tudo bem para quem, cara pálida sem máscara? Ora, para nenhum dos dois!
"O que as vacinas atuais prometem é reduzir as formas graves da infecção pelo novo coronavírus e não fazer quem as tomou deixar de pegar a doença", explica o infectologista Wladimir Queiroz, que é professor da Faculdade de Ciências Médicas de Santos, no litoral paulista, e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Vamos reconhecer que essa não é uma promessa pequena, a de manter a população vacinada longe dos hospitais, com quadros brandos ou assintomáticos depois de contrair o Sars-CoV 2.
Só que esse vírus seguirá o trecho inicial de seu roteiro pelo nosso corpo. Ou seja, ele irá se instalar e se multiplicar nas mucosas do nariz e da garganta para que suas réplicas voem em gotículas lançadas no ar até aterrissarem em uma nova vítima. Portanto, quem foi vacinado pode continuar transmitindo a doença, sim.
"E, mesmo que tivéssemos um imunizante capaz de evitar completamente a infecção, inclusive os casos assintomáticos, a gente deve se lembrar que nenhuma vacina contra qualquer tipo de doença é eficaz em 100% das pessoas", completa o professor Queiroz. "Uma minoria sempre poderá adoecer, mesmo depois da injeção."
Nem vou falar de variantes... Só guarde então: sair sem máscara é um risco também para a própria pessoa vacinada que, talvez por desconhecimento, se sentiu livre dessa obrigação.
"Estamos ao ar livre, mas não estamos sozinhos."
Em locais abertos e ventilados, o risco de transmissão é menor, mas não é bacana brincar de roleta-russa com o coronavírus, se passam pessoas a menos de 2 metros de distância de você. Fale isso para quem não vê problema em abandonar o acessório ao ar livre.
"Tem problema, sim", rebate o médico João Viola, presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia. "Comparo com o cinto de segurança. Devemos usá-lo sempre, não importa se estamos em um engarrafamento rodando a 20 quilômetros por hora ou acelerando a mais de 120 em uma estrada."
Em outras palavras, até em uma situação aparentemente mais segura, às vezes, desastres acontecem. "Na pandemia, devemos usar máscara ao sair de casa e ponto, sem dar espaço para interpretações se, nessa ou naquela condição, o risco seria menor."
"Será que não poderia dar suas baforadas admirando o trânsito?"
É uma sugestão aos fumantes pelo caminho. Não quero aqui discutir os malefícios do cigarro, mas se alguém não resiste e vai fumar na rua, então o ideal seria que ao menos tomasse o cuidado de soltar a fumaça de costas para o fluxo de pessoas, de preferência parado no meio-fio, olhando os carros que passam.
"Aí, aumenta um pouco a chance de uma rajada de ar dispersar o vírus antes de ele contaminar os outros", observa a infectologista Andyane Tetila, médica do Hospital Universitário da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), no Mato Grosso do Sul, e também consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
"Se comer, não dirija palavras."
Hora do almoço e, apesar da pandemia, as calçadas ficam cheias de gente mordiscando ou bebendo algo enquanto caminham. Lógico, não dá para engolir nada usando máscara. "Mas, então, é a mesma coisa que penso para os fumantes: o certo é procurar locais mais reservados, com pouquíssima passagem de gente", opina o doutor João Viola.
Para piorar, as pessoas tendem a sair comendo e batendo papo com quem está ao lado. Aprenda: se um indivíduo está infectado pelo Sars-CoV2, ele sempre lança o vírus quando expira o ar. Mas lança uma quantidade maior enquanto fala e mais vírus ainda se fala alto — por exemplo, conversando animadamente em uma rua movimentada, concorrendo com o barulho ao seu redor. Ou seja, se é para tirar a máscara a fim de matar a fome na rua — o que já não é o correto —, coma quieto.
"Preserve a sua imagem fitness."
Este é o recado aos legítimos defensores de um estilo de vida saudável. Se alguém calça o seu tênis sem pegar a máscara — sim, hoje já existem modelos especiais para esportistas —, essa pessoa na realidade só faz pose.
"Diversos estudos mostram que indivíduos infectados expelem mais vírus durante exercícios físicos", diz o professor Wladimir Queiroz. "Daí que, se não é possível manter um distanciamento de 1,5 a 2 metros — no caso de quem sai para pedalar em grupo ou que escolhe correr em pistas, por exemplo —, o perigo de fato existe. Hoje sabemos que, para se infectar, basta uma única respirada naquele instante em que o outro soltou gotículas lotadas do vírus, passando por você."
Não fale nada, saia cantarolando Chico Buarque
"Chego a mudar de calçada, quando aparece uma flor.., "— claro, aqui na versão "quando aparece um desmascarado", seja fumando, comendo ou, pior do que tudo, formando grupinhos em portas de restaurantes ou descansando em intervalos de trabalho.
Passar bem no meio de uma pequena aglomeração de pessoas sem máscara é como atravessar um corredor polonês envolto em uma nuvem de coronavírus. "Basta uma única respirada...", insiste o professor Queiroz. E o doutor João Viola completa: "Melhor alguém olhando feio ao perceber sua atitude ao desviar do que você pegar covid-19."
"Já é tão fofa essa criança, imagine se ela usasse máscara então!"
Entendo: eu mesma só teria coragem de dizer isso em pensamento. "Até porque, dependendo da idade, não tem como: a criança acaba tirando a máscara", reconhece o professor Queiroz. Mas, no mundo ideal, seria o certo usá-la a partir dos 2 anos.
"Crianças sempre foram ótimos reservatórios de vírus em geral", lembra a infectologista Andyane Tetila. "Mesmo que não manifestem a covid-19, elas são capazes de transmitir para o amiguinho que, por sua vez, irá infectar cuidadores e familiares ao voltar para casa. Sem contar que, até por conta da alta circulação do Sars-CoV 2, hoje já vemos casos graves na pediatria, inclusive com óbito."
Para o doutor João Viola, os adultos deveriam orientar a meninada a vestir o acessório e a escola também poderia ajudar: "Ela não deve se restringir à educação formal, mas ensinar a criança a ter respeito pelo bem-estar de toda a sociedade", acredita.
"Chamem o síndico!"
É o que você deve pedir se encontrar alguém que deixou para vestir a máscara bem naquele instante em que a porta do elevador se abriu. "Não é paranoia", garante o professor Wladimir Queiroz. "O ar precisaria trocar de cinco a doze vezes para um ambiente se tornar propício na pandemia. Não há tempo para um elevador ventilar desse jeito entre essa pessoa sem máscara sair e você entrar", diz ele.
O melhor é só subir ou descer com aqueles que moram com você. E, ainda em nome da boa vizinhança, não vale ficar sem máscara no hall entre apartamentos, cujo ar também não costuma ser renovado com tanta facilidade.
"Eu estou cuidando da minha vida."
É o que você pode devolver ao ouvir um desaforo clássico do povo sem máscara — o tal do "vá cuidar da sua vida". Segundo o professor Queiroz, as máscaras protegem muito pouco quem as usa, mas protegem um bocado quem está ao seu redor. A exceção seria o modelo N95 — o qual, além de caro, é tão difícil de usar direito que os próprios médicos em hospitais só vestem quando vão lidar diretamente com pacientes com covid-19.
Portanto, digo eu, quando alguém sai sem máscara por aí, está escrito em sua testa que ele pouco se dana com a vida dos outros. Não há nem sequer a empatia, que o sistema nervoso dos seres vivos manifesta quando pressente que indivíduos da sua espécie estão sendo ameaçados por outra.
É como se os sem-máscara se excluíssem dessa humanidade tão terrena, vindos de um planeta sem pandemia e plano. Mais de 450 mil brasileiros morreram porque provavelmente cruzaram com alguém assim.
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