Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Será que a vacina da Pfizer faria as mamas aumentarem de tamanho?
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De legging e top, a jovem parecia aflita de verdade ao postar, na semana passada, um TikTok gravado em uma academia de Oslo, na Noruega. Entre aparelhos de musculação, Emma se via no espelho. Aos olhos da garota de 17 anos, a imagem refletia que suas mamas tinham crescido depois de ela ter tomado a vacina da Pfizer.
A postagem chamou a atenção da NRK, a rede de televisão norueguesa. Ao vivo e em cores, Emma repetiu a história, ainda encasquetada com a ideia de que o imunizante da Pfizer aumentaria o busto.
O médico convidado a comentar o caso no ar explicou o que, na visão dele, poderia estar por trás dessa impressão — uma reação passageira à vacina, palpitou — e, com isso, tranquilizou a moça. Seus seios logo voltariam ao antigo normal, assegurou.
Mas pra quê! Aparecer em rede nacional foi acender um fósforo no palheiro e mostrar o poder de fogo dos tais influenciadores neste mundo conectado — figuras catapultadas pelas redes sociais que muitas vezes só merecem esse título por influenciarem uma multidão a acreditar em coisas sem pé nem cabeça.
Centenas de norueguesas, influenciáveis, passaram a postar no mesmo dia o antes e o depois da vacina da Pfizer, desfilando de biquíni e sutiã na timeline. Algumas querendo suas formas mais tímidas de volta, reclamando do aumento de um ou dois números no sutiã. Outras se exibiram até felizes, achando que o imunizante teria preenchido o que o tempo havia murchado.
A brincadeira — levada a sério por quem realmente notou algo diferente, como deve ter sido o caso de Emma — chegou a atravessar os mares e, nos Estados Unidos, algumas jovens também aderiram ao antes-e-depois da Pfizer.
Vá que a onda bata aqui, não é mesmo? Então, meninas, deixa eu lhes dizer: segurem a vontade de fazer a selfie, o TikTok e o Reels, porque não é bem assim.
Linfonodos inchados
Quando você toma uma vacina qualquer, costuma surgir uma reação local. Braço ou bumbum, não importa — onde a injeção foi aplicada tudo fica dolorido e, às vezes, até aparece um calombo, vermelho e endurecido, bem no lugar que levou a agulhada.
Também pode ocorrer uma reação sistêmica, que se espalha pelo corpo inteiro. Aí, é aquela história de ter febre, amargar uma quebradeira, sentir um baita mal-estar e se achar até doente, mesmo esbanjando saúde.
A razão é a mesma de sempre: o processo inflamatório enquanto o organismo monta suas defesas, instigado pela vacinação.
"E, finalmente, também pode ocorrer uma reação regional", conta o mastologista Vilmar Marques de Oliveira, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia. O nome já diz tudo: ela pegaria toda a região do corpo mais próxima do lugar da picada.
Nesse tipo de reação, os linfonodos, que são órgãos do sistema imunológico, ficam cheios de trabalho. Aliás, cheios ao pé da letra. Ora, o inimigo — ainda que falso, por ser aquele injetado pela vacina — é drenado para essas pequenas estruturas que se concentram nas virilhas, nas axilas e no pescoço."Aquelas que estão mais próximas do local de aplicação talvez cheguem a aumentar de tamanho ou fiquem hiperplasiadas, que seria o termo preciso na medicina", conta o professor Marques.
A médica Fernanda Philadelpho, coordenadora do setor de radiologia mamária no Alta Excelência Diagnóstica, no Rio de Janeiro, explica que isso não é nada surpreendente: "A gente sabe que está acontecendo com uma em cada dez pessoas que tomam a vacina contra a covid-19. Esses gânglios axilares são benignos. E, se incham, é quase sempre no mesmo lado do braço em que foi aplicada a injeção."
Parênteses: nas últimas semanas, esses linfonodos graúdos deram no que falar. Ao percebê-los depois da vacina, muitas mulheres levaram um susto danado. É que, quando se nota que eles estão aumentados, a cabeça logo pensa em um tumor mamário. "Mas a vacina não tem nada a ver com o câncer", avisa a doutora Fernanda.
Para evitar confusões até na hora de fazer exames como uma mamografia, a mulher precisa informar se andou tomando vacina nos últimos dias e em qual braço ela foi dada. "Então, se por acaso achamos um linfonodo ali, do mesmo lado — o que é até normal —, sem uma lesão visível nas mamas, nem mandamos fazer biópsia de imediato. Melhor esperar para refazer o exame de quatro a doze semanas depois", diz a médica.
Esse é o intervalo para os linfonodos encolherem até o tamanho original. E, pelo que se sabe, eles são os únicos que crescem quando uma mulher recebe a vacina da Pfizer ou outra. Opa, lembrando que os linfonodos das axilas podem crescer também nos homens que se protegeram da covid -19.
Seriam os gânglios que fariam as mamas aumentarem?
"Atenção, não há na literatura científica nenhum caso reportado até agora de crescimento das mamas como efeito adverso dos imunizantes contra o Sars-CoV 2", frisa o professor Vilmar Marques.
E o mastologista deixa claro: como não há registro desse tipo de reação entre os cientistas, toda e qualquer explicação para o fenômeno alardeado pelas norueguesas será pura especulação. Alguns veículos europeus deram a entender, por exemplo, que os tais linfonodos axilares inchados meio que empurrariam ou empinariam os peitos. Mas seria algo anatomicamente improvável.
"Em vez disso, até poderíamos imaginar o seguinte: boa parte do volume das mamas é linfa e esse líquido é constantemente drenado para os linfonodos. Quem sabe, de tão aumentados e lotados de células defesa, essa drenagem ficaria mais difícil em alguns casos", arrisca o professor.
Sendo assim, por acumularem linfa em seu interior, as mamas permaneceriam inchadas por alguns dias ou semanas após a vacina — e pareceriam maiores, como acontece no período pré-menstrual, mas aí por uma proliferação natural das células dessas glândulas durante essa fase do ciclo hormonal feminino.
Cá entre nós, embora essa suposição seja mais plausível do que pensar em gânglios das axilas empurrando os peitos para frente, Vilmar Marques confessa que, lá no fundo, não acredita nela."Até porque, apenas a mama do lado que recebeu a vacina ficaria inchada", pondera.
Mas, caso algum dia se confirme esse inchaço por falta de uma drenagem adequada da linfa para os gânglios, ele não seria provocado só pela vacina da Pfizer. Afinal, outros imunizantes contra a covid-19 também andam provocando o aumento de linfonodos axilares. "Tanto que temos a curiosidade de perguntar, na hora da mamografia, qual foi a vacina tomada e confrontar essa informação com a imagem das mamas e das axilas para, com o tempo, ver quais imunizantes provocariam esse tipo de reação com maior frequência", adianta Fernanda Philadelpho.
Reação das glândulas mamárias?
Na Europa, alguns veículos divulgaram que o fenômeno do aumento do busto, se comprovado, seria uma resposta temporária das próprias mamas à vacina. Equívoco. "Elas não são órgãos do sistema imunológico, com tecido linfoide, repletos de glóbulos brancos. Portanto, são totalmente indiferentes ao fato de você ter recebido ou não um imunizante", informa o professor Marques.
Até existem alguns linfonodos espalhados nas mamas, lembra o mastologista. "Mas eles são tão minúsculos que nem sequer são visualizados direito nos exames de imagem. Não devem estar por trás desse suposto crescimento. Nessa história, podemos esquecê-los", acrescenta.
Será que você não engordou?
Essa é a aposta do doutor Vilmar Marques — pelo menos para explicar o aumento do busto de boa parte das mulheres que fizeram o relato depois de assistirem à entrevista com Emma. Elas poderiam ter ficado sugestionadas e se dado conta de algo anterior à vacina.
"Nada determina mais o volume das mamas, o qual vive flutuando, do que a quantidade de gordura no corpo", garante ele. "Não sei na Noruega, mas os dados do Brasil apontam que as mulheres ganharam, em média, 5 quilos desde o início da pandemia."
É por essa razão, também, que os seios podem crescer quando a idade avança. "O metabolismo vai se tornando lento e com isso, na menopausa, a mulher tende a ganhar peso", observa o professor. A gordura infla o peito e talvez não vá embora assim rapidinho, em quatro semanas, como o inchaço dos linfonodos.
Se, por acaso, essa teoria do inchaço fizer sentido algum dia, saiba que nem só as vacinas de covid-19 estufam os linfonodos por um tempo. Para quem desejaria esse efeito Cinderela, a vacina da gripe é uma delas. Aproveite a deixa, porque estamos bem na temporada da gripe, se é que já não se vacinou contra a infecção pelo vírus influenza e se não encontra um motivo verdadeiramente sério e importante para entrar na fila da vacinação.
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