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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Pré-diabetes: leve a sério aquela glicemia só 'ligeiramente' mais alta

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

12/11/2021 06h00

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Acaba de ser confirmado: entre nós, existe uma multidão de 18 milhões de brasileiros que, se você perguntar se têm diabetes, vão dizer que o problema não é com eles para, daí, não pensarem mais no assunto. E, de fato, em seus exames de sangue a glicose ainda não ultrapassou os 126 miligramas por decilitro, o que apontaria para o diagnóstico dessa doença.

Neles, esse açúcar circula bailando entre 100 e 126 mg/dl, acima do normal, sim — que seria até 99 mg/dl —, mas na faixa de um limbo que se chama pré-diabetes.

Muitos dos que recebem esse resultado até respiram aliviados, feito menino que passa raspando de ano na escola depois de uma prova de recuperação. Com o perdão do péssimo trocadilho, doce ilusão.

Cá entre nós, no caso específico eu acho bem esquisito se falar em uma espécie de pré-doença, enquanto essa glicose mais alta, feito água mole na pedra dura, se tolerada por anos a fio também fará seus estragos, principalmente nos pequeníssimos vasos do corpo, sendo capaz então de levar à insuficiência renal ou desembocar em um AVC (acidente vascular cerebral), para dar dois exemplos que fazem qualquer sujeito suar frio.

Mas não é só isso. "Alguns estudos dizem que uma em cada quatro pessoas que hoje estão com pré-diabetes irá desenvolver diabetes tipo 2 pra valer depois de dois ou três anos", afirma Mark Barone, que é doutor em fisiologia humana pela Universidade de São Paulo e atual vice-presidente da IDF (siga do inglês para Federação Internacional de Diabetes). "Na realidade, mesmo depois desse período, cerca de 70% desses indivíduos em algum momento vão ter diabetes."

Se nada for feito, portanto, será questão de tempo. E, quando menciono a confirmação de que 18 milhões de brasileiros têm pré-diabetes, é porque justamente hoje, dia 12, estão sendo divulgados os dados preliminares da 10ª Edição do Atlas de Diabetes, que a IDF lança desde o ano 2000.

No mundo inteiro, a publicação é a grande referência sobre os números dessa doença, os quais serão divulgados por completo apenas no dia 6 de dezembro, quando começará o congresso da federação.

Foi a IDF, também, que criou ao lado da Organização Mundial da Saúde Dia Mundial do Diabetes, que acontece desde 1991 todo dia 14 de novembro. Neste ano, a data servirá para alertar sobre um salto assustador, um aumento de 16% na prevalência dessa doença desde a última estimativa do Atlas, que nem foi feita em um passado remoto, mas em 2019. Sim, bastou esse curtíssimo período para o mundo ganhar mais 74 milhões de portadores.

Logo, atualmente ao redor do globo há um total de 537 milhões de adultos convivendo com o diabetes — só no Brasil, são 15,7 milhões, praticamente uma em cada dez pessoas acima dos 18 anos, sendo que um terço desconhece esse diagnóstico.

"O que aconteceu de lá para para nos ajudar a entender esse aumento nós todos sabemos bem: a pandemia, que impediu muita gente, que provavelmente já tinha pré-diabetes, de fazer exames e procurar equipes de saúde", preocupa-se o doutor Mark Barone.

Prevenir enquanto dá

Para o vice-presidente do IDF, o diabetes já está na cabeça e na boca do povo. "Todos conhecem alguém com esse problema. Mas ainda assim há enormes mitos", observa. Em sua opinião, é por causa deles que as pessoas evitam encarar o resultado de uma glicemia de jejum alterada.

"Elas têm muito medo porque ignoram que quem tem diabetes pode ter uma qualidade de vida similar à de outra pessoa que não tem essa mesma condição de saúde, desde que faça o tratamento corretamente", diz. "E também muita gente não sabe que mais de 50% dos casos do tipo 2 da doença podem ser prevenidos com hábitos saudáveis."

Ora, sempre pensei que quase a totalidade dos indivíduos com pré-diabetes conseguisse prevenir a virada para o diabetes tipo 2, mas Mark Barone contradiz essa ideia. "Precisamos ser honestos para evitar uma fala estigmatizante, como a de que alguém que fazia exames regulares e que estava dentro do peso adequado, por exemplo — lembrando que a obesidade é um fator de risco —, acabou desenvolvendo o diabetes tipo 2 porque não zelava por sua saúde direito. Talvez não seja nada disso", explica.

Segundo ele, existem pessoas que seguem à risca a cartilha dos cuidados e que, mesmo assim, se tornam portadoras do diabetes tipo 2. "Em todas as doenças crônicas, há um forte componente genético", justifica Barone. "Desse modo, quem possui familiares com diabetes tipo 2 tem uma propensão a ser flagrado com problema", conta.

Mas que nem passe pela cabeça de quem se vê com pré-diabetes que é, então, para jogar a toalha no chão ou achar que o assunto não é do seu interesse. "Com mudanças no estilo de vida e acompanhamento para tratar problemas que favorecem a elevação do açúcar no sangue, como o excesso de peso e a apneia do sono, o que pode acontecer é uma pessoa com a tendência genética apresentar a doença só aos 70, 80 anos anos de idade, isto é, muito mais tarde", explica Mark Barone. Aí, ela irá conviver menos tempo com a glicose sanguínea nas alturas, sem dar tanto prazo para surgirem suas complicações. Esse risco cai bastante.

Aliás, um dado surpreendente da última edição do Atlas do IDF é que o Brasil é o terceiro país do mundo que mais gasta com diabetes — são 42,9 bilhões de dólares por ano. Melhor seria se a maior parte dessa montanha de dinheiro fosse investida principalmente em prevenção, para postergar o diabetes em vez de adiar os seus cuidados, especialmente quando a glicemia em jejum "passa raspando" nos testes de sangue.