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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Covid longa: a ameaça é menor com ômicron e entre quem tomou vacina?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

01/02/2022 04h00

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O assunto já era embolado mesmo antes da chegada de ômicron. A começar pelo nome. Pois, apesar do termo "covid longa" ser cada vez mais usado, a Organização Mundial de Saúde ainda prefere chamar de síndrome pós-covid o fenômeno de arrastar alguns sintomas por um bom tempo após a infecção pelo coronavírus.

Até hoje, nem em relação ao prazo existe um consenso, isto é, a partir de quando se bate o martelo de que o sujeito tem covid longa, síndrome pós-covid ou o que for? Alguns médicos só cogitam um diagnósticos desses se já se passaram 12 semanas da infecção e, mesmo assim, a queixa não foi embora.

Outros — em maioria — entendem que nem é preciso esperar tanto, porque quatro semanas estariam de bom tamanho. "Como em outras infecções virais, para boa parte dos casos esse é o tempo suficiente para o indivíduo convalescer e, na sequência, se recuperar", pensa o médico Max Igor Lopes, coordenador do Ambulatório de Infectologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Para ele, portanto, qualquer coisa diferente que extrapole esses 28 dias poderia indicar um caso de covid longa. E são mais de duas dezenas de sintomas relacionados a essa condição. O infectologista me ajuda a listar os principais.

"Tem gente que continua tossindo ou amargando problemas pulmonares", diz ele, que é também consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). "Em outros, a diminuição do olfato e do paladar não some. Alguns indivíduos passam a penar com dores de cabeça intensas, experimentam alterações bruscas de humor e depressão."

Bastante frequente, ainda, é a sensação de estar com os pensamentos sob uma neblina, com a cabeça bem mais avoada do que de costume e com dificuldade para se lembrar de um nome qualquer bem no instante em que ele seria necessário.

"Sem contar a fadiga, que talvez seja uma das reclamações mais comuns da covid longa", observa o infectologista. "A pessoa relata muita fraqueza, como se ela acordasse com uma bateria velha carregada pela metade", descreve.

Ainda assim, segundo o doutor, são raros os casos em que a covid longa tem manifestações sérias a ponto de exigir uma reabilitação, por exemplo, ou ameaçar sobrecarregar os serviços de saúde. "Mas, de qualquer maneira, para quem tem, ela parece atrapalhar um bocado", admite.

Atenção: qualquer um que, por azar, foi contaminado pelo Sars-CoV 2 corre o risco de ficar com ou outro sintoma persistente como herança, inclusive quem mal e mal percebeu que estava com covid-19. No entanto, todos notam que a tendência de o problema se prolongar é maior naqueles pacientes que tiveram quadros moderados ou graves na fase aguda.

Daí a questão que se levanta agora, em um planeta dominado por ômicron: já que essa variante costuma provocar casos mais leves, será que ela seria menos capaz de desencadear a covid longa do que suas antecessoras?

No balaio das dúvidas, entra também a questão da vacinação. Afinal, se a vacina não impede a gente de pegar o coronavírus, mas evita que a infecção se complique, será que dá para deduzir que ela preveniria a covid longa?

O tamanho do problema

Não, ainda não há dados para responder se ômicron poderia nos poupar um pouco da covid longa. Simples: "Essa variante está circulando entre nós há cerca de dois meses apenas. É um intervalo pequeno para saber se ela pode disparar algo", diz o pediatra intensivista Juarez Cunha, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).

Mais para o final deste mês de fevereiro, e olhe lá, é que o mundo esboçará uma estimativa da proporção de pessoas que continuam sentindo qualquer coisa de errado após contraírem ômicron. Antes disso, é tudo especulação.

Mas dá para vislumbrar a dimensão do problema, tomando como ponto de partida o que acontece com quem pegou as variantes que chegaram antes. O ano de 2022 começou aquecendo esse debate graças a um levantamento realizado pelo governo britânico.

No dia 6 de janeiro, eles soltaram dados sobre a prevalência de covid longa no Reino Unido. Mais do que 1.266.000 pessoas, representando cerca de 2% da população britânica, reportaram que, apesar de curadas e livres do vírus há quatro semanas ou mais, continuavam convivendo com sintomas associados à covid-19. Aliás, quatro em cada dez desses indivíduos tinham ficado doentes um ano antes, pelo menos. Ou seja, o adjetivo "longa" caía muito bem para a sua situação.

No meio de toda essa gente, há relatos a respeito de 77 mil crianças e adolescentes entre 2 e 16 anos — que, como costuma acontecer essa faixa de idade, raramente apresentaram doença severa — e algo em torno de 134 mil jovens entre 17 e 25 anos. Isso leva a gente a refletir: ter quadros brandos de covid-19 não é 100% de garantia de que a chateação desaparecerá junto com o vírus no organismo.

Casos de covid longa por ômicron poderão ser numerosos

"Mesmo que apenas uma parte mínima dos infectados por ômicron acabe desenvolvendo a covid longa, por causa da facilidade com que essa variante é transmitida, ainda assim teremos uma quantidade impressionante de indivíduos com sintomas persistentes", calcula Max Igor Lopes.

Faz sentido. Os estudos com as antecessoras de ômicron apontam que entre 3% e 12% dos infectados ainda sentem, depois de meses, falta de ar no dia a dia, dificuldade de concentração ou outro daqueles sintomas mencionados.

Talvez você estranhe, porque entre 3% e 12% há uma boa diferença. "O problema é que cada estudo é de um jeito e usa uma metodologia diferente", explica o infectologista. "Existem pesquisas que só consideram sintomas que estão durando mais de três meses e pesquisas levam em consideração o que é registrado bem antes disso", exemplifica.

E um detalhe reforça a necessidade de cautela: "A pessoa sempre pode se referir a algo que já tinha, mas que só chamou a atenção dela e a do médico depois da covid-19, como uma depressão, quem sabe", comenta o médico. É fato. Nem tudo o que vem depois da covid-19 vem por causa da covid-19.

De todo modo, pedindo desculpa pelo lugar-comum, onde há fumaça, há fogo. E, embora a chama de ômicron pareça pequenina, podemos fazer uma conta por baixo. Pois bem: só ontem, dia 31, foram 102.616 novos casos conhecidos de covid-19. Se 3% dos infectados das últimas 24 horas tiverem a tal covid-longa, que é a porcentagem mínima nas outras variantes, serão umas 3 mil pessoas que passarão um tempo razoável com dor de cabeça ou de barriga, problemas para dormir, um cansaço que, dizem, beira o insuportável. E estamos falando só de ontem, lembre-se disso.

A saída? Completar o esquema vacinal

"Quanto menos covid você tem graças à vacinação, menos risco de covid longa você tem também", opina o pediatra Renato Kfouri, membro da diretoria da SBIm e presidente do Departamento de Imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). "Claro que a vacina não impede a infecção, assim como a covid longa não está necessariamente associada a uma doença grave", sublinha. "Mas há bons estudos sugerindo que o imunizante diminuiu a probabilidade de sintomas persistentes."

Um desses trabalhos, publicado na The Lancet Infectious Diseases, acompanhou mais de 1 milhão de pacientes do Reino Unido entre dezembro de 2020, quando a vacina começou a ser aplicada, e julho do ano passado. A conclusão foi de que quem tinha se vacinado com duas doses — que então era o esquema de vacinação completo — apresentava menos de metade da probabilidade de desenvolver sintomas persistentes.

Segundo o doutor Max Igor Lopes, por trás da covid longa há alterações na coagulação, um desbalanço nas células de defesa e a sempre citada inflamação da fase aguda da infecção. "Mas, quando a pessoa vacinada contrai a covid-19, o tempo da doença é menor, porque ela elimina o vírus muito mais depressa", diz ele.

Em outras palavras, a vacina não dá tanta oportunidade para o Sars-CoV 2 agir. O que talvez explique por que apenas 5% dos britânicos completamente vacinados tiveram covid longa contra 11% dos não vacinados.

Em tempos de ômicron, o que muda: só deve se considerar com a vacinação em dia o adulto que tomou a terceira dose, aquela de reforço. "Já para crianças e adolescentes são duas doses, sendo três quando há imunossupressão", informa o pediatra Juarez Cunha.

Enquanto alguém permanece com o esquema incompleto, ômicron ganha tempo para aprontar e estender seu tormento por longos meses. Aliás, em todos os sentidos, a vacina é o caminho mais curto para nos livrarmos de tanta aflição.