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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Lúpus: controlar mais cedo para reduzir os efeitos colaterais dos remédios

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

10/02/2022 04h00

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Se ficar, o bicho pega e, se correr, o bicho come. Essa bem que pode ser a sensação de alguém com lúpus.

Geralmente, quem descobre a doença é uma mulher entre 15 e 45 anos, que talvez fique com manchas na pele, formadas por escamas avermelhadas — mas nem sempre. Pois, além da forma cutânea, há o lúpus sistêmico, que tem manifestações tão, mas tão variadas que engana até os médicos.

Não que esse problema autoimune, tremendamente inflamatório e sem cura, não possa acometer pessoas de outras faixas etárias, nem que não possa aparecer em homens. Mas, para cada paciente do sexo masculino, há outras 10 ou 13 do sexo feminino.

Uns 70 mil brasileiros vivem com essa condição, sentindo dor nas articulações, que se tornam quentes e inchadas. Às vezes, percebem uma febre que sobe assim do nada. Alguns perdem peso de hora para outra, ficam sem vontade de comer.

Outros notam os cabelos caindo sem parar. Tem ainda quem se assuste com gânglios crescidos e endurecidos e pense até em linfoma, quando não é nada disso. Há casos, por sua vez, em que a ponta desse iceberg chamado lúpus é uma anemia.

Já a fadiga parece ser um grande ponto em comum, mas tudo isso não costuma aparecer ao mesmo tempo, nem com a mesma intensidade. Há pacientes que têm uma coisa e pacientes que têm outra. Há, ainda, pacientes que têm uma coisa e depois, outra. Para quase todos, períodos melhores se alternam com períodos terríveis.

Isso porque, vez ou outra, os anticorpos passam a atacar as células do próprio corpo e, se nada é feito, a inflamação provocada por essa agressividade sem motivo compromete um ou até mesmo diversos órgãos importantes.

Os rins costumam ser os mais afetados e, infelizmente, a pessoa pode, lá adiante, precisar de diálise. Nervos e coração também podem sair perdendo. Pois é, se ficar sem fazer nada para tratar o lúpus, o bicho come. Mas se correr...

Para minimizar os ataques sem propósito e evitar que os danos apareçam, muitos pacientes lançam mão de doses elevadas e contínuas de corticoides.

Esses remédios, sem dúvida, são potentes antiinflamatórios. Só que, usados dia após dia em uma dosagem pra lá de considerável, terminam causando um sem-número de efeitos colaterais, como excesso de peso, pressão alta, diabetes, osteoporose, aumento do colesterol e problemas oculares como a catarata e o glaucoma.

No final das contas, essas reações adversas ameaçam tanto quanto o lúpus em si. Daí que um desafio dos médicos é cuidar do lúpus sem provocar nada disso. Em bom português: sem depender tanto dos tais corticoides.

"Mais de 80% dos problemas decorrentes do lúpus, quando vamos ver, estão associados a essa corticoterapia prolongada", garante a reumatologista Nafice Costa Araújo, responsável justamente pelo Ambulatório de Lúpus no HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo).

Ali, ela e seus colegas resolveram investigar o que aconteceria se, em vez de ficarem dando 10, 15, até 20 miligramas de corticoides diariamente aos portadores de lúpus, apelassem para esses medicamentos no máximo por uns três meses. "Ou seja, por tempo apenas o suficiente para uma boa desinflamada nos órgãos", explica a doutora Nafice, que também é presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia.

Foi o que fizeram. E, sem esperar dois, três anos ou mais, prescreveram uma combinação de medicamentos antimaláricos, imunossupressores e agentes biológicos. Os resultados foram surpreendentes.

Nos 241 pacientes tratados dessa maneira e avaliados entre 2020 e 2021, o chamado estado de atividade do lúpus despencou — entenda que os anticorpos deram uma trégua. "E mais de 77% desses indivíduos, no final, não estavam nem mais precisando de corticoides", conta a reumatologista.

Entre os que continuaram com essa medicação, a maioria necessitou de dosagens baixas, isto é, inferiores a 7,5 miligramas. "Somente 5,7% dos participantes seguiram precisando de mais do que isso", informa Nafice.

A combinação de medicamentos

A doutora Nafice Araújo conta que os remédios destinados originalmente para tratar a malária não são novidade no lúpus. "Os antimaláricos sempre foram imprescindíveis porque são um dos mais potentes reguladores do sistema imunológico que conhecemos", justifica.

Sobre os imunossupressores, que antes entravam na jogada só quando a pessoa já estava no segundo ou no terceiro ano de tratamento, eles servem para cortar um ciclo vicioso: "No lúpus, os anticorpos atacam as nossas células e isso provoca uma cascata de substâncias inflamatórias que, por sua vez, chamam mais e mais anticorpos", descreve a doutora.

Finalmente, os agentes biológicos são medicamentos que acertam em cheio em alvos muito específicos. "No caso do lúpus, podemos lançar mão de dois deles. Um funciona como regulador da resposta imune exagerada que ocorre nesses pacientes e o outro depleta células que produzem os anticorpos", ensina.

Vale lembrar que agentes biológicos são bem caros. E, inclusive por isso, devem ser usados em casos muito pontuais "Como quando o organismo do paciente é refratário a outras medicações", exemplifica a médica.

No entanto, para ela, o grande diferencial é mesmo "combinar esses medicamentos mais precocemente, em vez de ficar insistindo apenas com a dupla formada pelos corticoides com os antimaláricos".

Bom lembrar que, até para acompanhar o efeito das medicações, o paciente com lúpus precisa visitar o médico a cada três meses.

Genética, cigarro, infecções, hormônios

Oito em cada dez pacientes com lúpus vão ter manifestações cutâneas ou nas articulações. Elas acendem a lâmpada de alerta sugerindo a doença, cujo diagnóstico é confirmado com uma série de exames laboratoriais. Um deles, por exemplo, procura por uma molécula conhecida por FAN, sigla de fator ou anticorpo antinuclear. Estima-se que 98% dos indivíduos com lúpus tenham níveis dessa substância nas alturas.

No entanto, o que faz alguém com lúpus ter anemia — porque seus anticorpos atacam os glóbulos vermelhos do sangue — , enquanto outra pessoa tem diabetes ou problemas pulmonares — sim, os pulmões também podem ficar sob ataque —, disso ninguém sabe.

"O que sabemos é há muitos genes por trás dessa doença autoimune", diz Nafice Araújo. "Provavelmente, existem perfis genéticos diferentes que levam a doença a se manifestar de maneira igualmente diversa."

Aliás, pessoas de raça negra apresentam uma tendência ligeiramente maior ao problema, assim como indivíduos hispânicos e indígenas.

Em relação à doença ser mais comum nas mulheres, a causa parece ser hormonal. "Os hormônios femininos, de alguma maneira, servem de gatilho para o lúpus, tanto que ele costuma surgir quando a paciente está em idade reprodutiva.", explica Nafice. Também é por isso que a doença tende a ser mais grave nas jovens — pela atividade hormonal em alta. Uma curiosidade: apesar de o número de casos em homens ser muito menor, neles o lúpus costuma causar mais encrenca.

O cigarro é mais um fator capaz de dar o empurrãozinho para aquela tendência genética a ter lúpus se manifestar. As baforadas também agravam o quadro de quem já apresenta a doença.

Finalmente, várias infecções disparam o lúpus, porque tiram o sistema imunológico do equilíbrio. "Aliás, estamos bem alertas por causa do coronavírus", conta a reumatologista. "Aproveitando: vacinas são obrigatórias para quem tem lúpus. Não só a da covid-19, mas a da gripe e outras."

Cuidado com o sol

O sol é capítulo à parte. Ele também pode fazer o lúpus dar as caras ou piorar o quadro de quem já manifestou essa doença. "A radiação, em especial a ultravioleta, mata células da pele e isso pode ser o estopim de uma inflamação", explica Nafice Araújo. "Por isso, não dá para dar a volta no quarteirão sem filtro solar."

Também é fundamental que todo mundo fique esperto diante de sintomas que muitas vezes são atribuídos ao estresse, como um cansaço que não larga o corpo. "Mas aí é que está, se a pessoa estiver anêmica por causa do lúpus, vai achar que o motivo é a anemia", nota a médica em seu dia a dia.

Não à toa, na melhor das hipóteses, o diagnóstico é feito só depois de um ano. "E olha que melhorou! Antes, chegava a demorar três anos", conta a reumatologista. O que é uma pena, até diante da possibilidade de tratar mais cedo para evitar doses nada tímidas de corticoides.