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Vacinação das crianças: se fizermos o certo, ela evitará 3.000 mortes
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Se toda a meninada de 5 a 11 anos fosse vacinada contra a covid-19 em um ritmo ideal, isso preservaria nada menos do que 3.000 vidas de brasileiros de todas as idades em um curto espaço de tempo, isto é, entre meados de janeiro, quando o imunizante da Pfizer passou a ser oferecido a essa faixa etária no Brasil, até o mês de abril.
Desse total de mortes prevenidas, 430 seriam de crianças nessa mesma faixa de idade de imunização. Apenas entre elas, a vacina também impediria 5.400 casos de infecção pelo coronavírus graves o suficiente para exigirem internação. Aliás, olhando a população em geral, a vacinação infantil — insisto, em um ritmo ideal — será capaz de evitar cerca de 14.000 internações provocadas pelo Sars-CoV 2 no país.
Quem tem fantasias de conspiração e acha que esse é um papo da indústria "para vender vacinas" deveria fazer as contas direito para ver que essas doses saem por um preço de banana perto dos 146 milhões de reais que custaria a passagem de toda essa gente pelo hospital.
E olha que esse é um cálculo muito, mas muito por baixo, porque ele se baseia na tabela do SUS, que joga os custos no chão, e nem sequer considera outros impactos terríveis no bolso, como o do afastamento dos pais do trabalho para cuidarem de si ou do filho doente.
Todos esses números, apesar de fabulosos, são até mesmo tímidos de tão honestos e cautelosos. Isso porque, por uma série de fatores, é provável que o impacto positivo da vacinação de crianças demonstre ser ainda maior na prática.
"Essa estimativa não considera, por exemplo, as mortes relacionadas à síndrome inflamatória multissistêmica, uma complicação decorrente da infecção pelo Sars-CoV 2 em crianças que, quando acontece, é muito preocupante, nem a covid longa", justifica a infectologista Cristiana Toscano, professora da Universidade Federal de Goiás, lembrando que a vacinação é efetiva para prevenir essas duas condições.
Representante da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) no estado goiano, a médica é quem coordena o Grupo de Modelagem da Dinâmica de Transmissão do SARS-CoV-2 no Brasil, que é formado por algumas das melhores cabeças de universidades do país dedicadas a estudos capazes de prever, por meio de uma simulação da realidade extremamente cuidadosa, o que deve acontecer quando incorporamos uma nova tecnologia em saúde, seja um exame, um tratamento ou um remédio.
Portanto, eles se debruçaram sobre a diferença que a vacina aplicada em meninos e meninas de 5 a 11 anos é capaz de fazer. "Todos nós ficamos surpresos ao ver um efeito positivo tão importante da vacinação infantil nas outras faixas etárias", confessa a professora. "Porque, em princípio, o que pesa mais nesse tipo de simulação é sempre o impacto direto que, no caso, seria na saúde das próprias crianças."
O problema é que nada indica que teremos essa redução magnífica de mortes e hospitalizações quando abril chegar. Em parte porque essa estimativa prevê uma velocidade ótima de aplicação das vacinas: 1 milhão de doses por dia.
Não pense que os cientistas projetaram algo inviável. Essa é uma quantidade que o SUS, em outras campanhas de vacinação infantil, sempre alcançou de boa. "Desta vez, porém, desde o momento em que o Ministério da Saúde divulgou o calendário de vacinação para essas crianças, ele já previa a administração de apenas 250 mil doses diárias", lamenta Cristiana Toscano.
Para piorar a lentidão tem o nosso lado: a adesão de pais e responsáveis tem sido baixa, bem aquém do desejável. Eles ainda não entendem o conceito de deslocamento epidemiológico, o qual explica por que os pequenos, antes frequentemente poupados pelo coronavírus, tendem a se tornar seu alvo preferencial. Precisamos compreender esse risco e fazer a coisa certa.
Como chegaram a esses números
"O estudo clínico de fase 3 é fundamental para se registrar uma nova vacina na Anvisa", explica a professora Cristina Toscano. "Afinal, ele garante que aquele imunizante não só é eficaz como é seguro."
Mas depois, para orientar as estratégias de saúde pública, o ideal é fazer a tal modelagem. Nos últimos vinte anos, ela vem sendo realizada no Brasil por meio de um processo padronizado e rigoroso que, no fundo, tem o objetivo direto e reto de responder o seguinte: afinal, que vantagem a mais eu, você e o resto da população levamos?
"Daí que simulamos como seria a realidade se a novidade fosse incorporada, sempre comparando esse cenário com a situação atual", explica a professora. Os cientistas estabelecem as alternativas que entrarão nesse jogo de números.
Ora, se já existisse uma outra vacina contra a covid-19 para crianças aprovada no Brasil em janeiro, o novo imunizante seria comparado com o anterior e a modelagem poderia contar se uma eventual troca seria vantajosa, desvantajosa ou se daria na mesma. Mas não seria a questão de agora. "Portanto, devíamos comparar o emprego da vacina da Pfizer com a possibilidade de os pais não vacinarem as crianças", diz a infectologista.
No entanto, quando o grupo coordenado por ela começou a se organizar para fazer a simulação, em novembro do ano passado, ocorreu o apagão de dados na Saúde. Azar danado: "Sem saber da quantidade precisa de hospitalizações e mortes, seria impossível realizar o nosso trabalho que, com isso, atrasou e foi iniciado apenas a partir de fevereiro", conta a médica.
Nesse meio-tempo, ela e seus colegas decidiram incluir uma terceira alternativa na comparação: não dar a vacina, vacinar as crianças no ritmo mais lento de 250 mil doses diárias ou aplicando 1 milhão de injeções diariamente, usando a capacidade plena do SUS. "A velocidade faz total diferença. Quanto mais rápido o avanço no número de vacinados, maior a quantidade de pessoas na população que ficam mais protegidas por tabela", nota a infectologista.
Isso, mostrou a modelagem, vale especialmente para a criançada, que transita por muitos lugares — de casa da avó à escola — onde convive com adultos que podem se encontrar mais vulneráveis. E a gente precisa pensar que, em alguns estados, a vacinação desses adultos ainda tem muito o que caminhar.
Na simulação, os cientistas partem da premissa de que o número de aplicações — 250 mil ou 1 milhão — será constante durante todo o período de análise, o que no mundo real nem sempre acontece porque surgem gargalos na distribuição, entre outros entraves. Assim como surgem adultos que não levam a garotada ao posto, embora a vacina esteja por lá, à espera dos pequenos. Eles representam outra forma de atraso no processo que estudos assim nem conseguem contabilizar.
Para concluir os cálculos, os estatísticos computam um emaranhado de fatores em cada pedacinho do nosso território: quantas pessoas tomaram uma, duas ou três doses por lá; quantos vivem em condições nas quais ficam mais expostos ao coronavírus; quem está infectado, quem foi parar no hospital e por aí vai.
O que pode engrossar esse caldo é o que os especialistas chamam de força de infecção. "Seria a probabilidade de o vírus ser transmitido de uma pessoa para outra", define a professora Cristiana. Ômicron não só é mais transmissível como provoca três ou quatro vezes mais casos de doença em crianças do que variantes antecessoras.
Nestes tempos pandêmicos, nada é estático. Por isso, a modelagem da transmissão do Sars-CoV 2 é dinâmica e foca um horizonte de três meses apenas. Muito além desse período, mais crianças já terão recebido a segunda dose aumentando o impacto positivo. Ou, por outro lado, dentro dos três meses, a maré pode mudar, surgir uma nova variante e estragar a simulação já feita — vamos bater na madeira três vezes!
Por que agora as crianças adoecem mais?
Ômicron provoca menos doença, fato. Mas, diante de sua incrível capacidade de transmissão, os números de casos pediátricos se agigantam. Imagine: antes, em cada 200 crianças, seis apresentariam sintomas da covid-19 e algumas iriam evoluir para quadros mais graves.
Se ômicron infectasse 200 crianças também, deixaria apenas três delas doentes. Logo, à primeira vista, a metade. Acontece que ômicron infecta depressa umas mil crianças. Então, vamos ter um número final cinco vezes maior de pacientes. Resultado: com as variantes anteriores, nessa simulação de cabeça tínhamos seis pequenos manifestando a covid-19. Agora, com ômicron, são trinta.
E, nessa matemática, há outros fatores. "Um deles é que vivemos outro momento da pandemia. Como todos, as crianças já estão menos isoladas", lembra Cristiana Toscano. Maior a exposição sem vacina, mais casos.
Acima de tudo, existe o tal deslocamento epidemiológico: se os adultos estão vacinados ou se já foram contaminados e se encontram imunizados, como aconteceu com a rubéola e com a coqueluche no passado, então sobra para as crianças. A tendência é elas se tornarem para-raios de coronavírus, se não corrermos para protegê-las.
Evitar que o Sars-CoV 2 provoque sequelas ou ceife vidas na infância, porém, continua sendo o objetivo primordial da vacinação na faixa dos 5 aos 11 anos — e não proteger adolescentes e adultos por perto. Este é um ganho adicional que só escancara o quanto estamos interligados na pandemia. Somos responsáveis pelas crianças e, sendo responsáveis com elas, cuidamos de todos.
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