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Paralisia infantil: cobertura vacinal baixa traz o risco de a pólio voltar
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A imagem que ilustra este texto é a de um poliovírus selvagem, que, sim, hoje coloca o Brasil sob ameaça. Leve a sério. Não há um pingo de exagero na informação, ainda mais porque, nesta semana, ele voltou a atormentar o continente africano depois de cinco anos de ter sido erradicado por lá.
No Malawi, após sentir febre e mal-estar, uma menininha de 3 anos ficou com as pernas completamente flácidas. Foram ver e era mesmo ele que estava por trás, o causador da poliomielite, a paralisia infantil. E ela não tem volta.
Em 1% dos infectados, esse vírus — para ser mais precisa, um enterovírus, que gosta de se estabelecer no trato gastrointestinal — ousa invadir a medula nervosa e arrasa os neurônios motores, aqueles que orquestram a movimentação muscular. Eles, então, vão para o beleléu. As pernas ficam inertes. Às vezes, os braços também.
Pior é quando a flacidez por falta de comandos nervosos atinge o diafragma, o músculo da respiração. Aí, quando sobrevive, o que é bem difícil, o paciente passa o resto da existência dependendo da ajuda de aparelhos para respirar. Fácil entender por que a poliomielite era um dos piores pesadelos dos pais de crianças pequenas em todo o planeta até a década de 1950.
Não à toa, a confirmação do diagnóstico no Malawi já fez a OMS (Organização Mundial de Saúde) soar o alerta. Muitos não compreendem o estardalhaço. Ora, por enquanto é só um caso — é o que talvez você pense, mas não se iluda.
"Uma criança fica paralítica em cada 200 casos de infecção, dos quais a maioria é assintomática e uma parte apresenta sintomas leves como se fosse um resfriado comum", explica a pediatra Luiza Helena Falleiros-Arlant, que é presidente da Câmara Técnica de Erradicação da Poliomielite no Brasil junto à OPAS (Organização Panamericana da Saúde).
Pergunto por quanto tempo quem foi contaminado pelo vírus, mesmo sem sintomas, é capaz de transmiti-lo: "Varia muito. O poliovírus pode ficar no intestino por semanas ou até meses, sendo excretado durante todo esse período", responde a professora. "Em alguns casos, isso chega a persistir por anos a fio."
Por isso, ninguém sabe a dimensão do problema que reemerge agora na África. E vale lembrar que muitas vezes nem sequer um oceano de distância consegue intimidar o responsável pela paralisia infantil.
Aliás, a experiência da pandemia de covid-19 já deveria ter nos ensinado que, quando um vírus terrível dá as caras, um mundo sem a população devidamente vacinada é um palheiro no qual um único caso de infecção pode equivaler a um fósforo riscado, pronto para provocar um belo incêndio.
"Um dos antigos mestres no estudo da poliomielite no país costumava repetir que onde houver uma criança desprotegida, o vírus da pólio a alcançará", lembra Luiza Helena, que é também professora da Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos, no litoral paulista.
E aí é que está: criança desprotegida para a poliomielite no Brasil é o que não falta.
A criançada sem vacina
O país, que já foi considerado exemplar pelo magnífico programa de imunização do SUS, vê a sua cobertura vacinal despencando ano após ano — e não só para a pólio, triste dizer. Se a gente, porém, focar apenas nessa doença, saiba o seguinte: para haver proteção, 95% das crianças precisam estar imunizadas.
"E não basta vacinar o seu filho e sossegar", avisa a pediatra Isabella Ballalai, que é vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações). "Como nenhuma vacina é totalmente eficaz, ele só ficará protegido pra valer se estiver cercado de crianças igualmente vacinadas, incapazes de lhe transmitir a doença."
Infelizmente, isso não está acontecendo mais. Se vacinar 95% dos nossos pequenos sempre foi a meta, em 2019 apenas 84% das crianças que eram esperadas nos postos para se vacinarem contra a poliomielite apareceram por lá. Em 2020, a cobertura vacinal caiu para 76% e de 2021 até o momento desceu ladeira abaixo, beirando 60%, em média.
"Para complicar, a situação do Brasil no que diz respeito a essa vacina é muito pouco homogênea. Há estados que alcançaram, quando muito, 30% ou 40% de cobertura vacinal. Eles são verdadeiros bolsões de pessoas mais suscetíveis", lamenta a doutora Isabella.
Como é o esquema de vacinação
As três primeiras doses do imunizante para prevenir a paralisia infantil são injeções aplicadas no músculo contendo o poliovírus inativado — leia-se, "morto", sem capacidade de causar mal algum —, programadas para os 2, os 4 e os 6 meses de idade. Elas protegem contra os três tipos conhecidos desse vírus — dois deles aparentemente sumidos do mapa-múndi graças justamente à vacinação.
Para completar, ainda deve ser dada uma dose de reforço entre os 15 e os 18 meses e uma última, aos 5 anos idade, Mas aí, no Brasil, para os reforços ainda usamos a vacina oral, ou Sabin, feita com um vírus vivo, mas atenuado.
Ele também não causa mal algum à criança que abre a boca para receber a famosa gotinha. Até porque, além de o poliovírus se encontrar enfraquecido na fórmula, a criança já tem os anticorpos adquiridos com as três doses iniciais.
De onde pode surgir o perigo
O último caso de pólio registrado no Brasil foi em 1989 e, em 1994, o país ganhou o certificado por ter espantado a doença do seu território. Mas isso não significa que está livre do risco assistir à sua volta, enquanto existirem cantos no mundo onde o poliovírus ainda circula.
"Em princípio, o Afeganistão e o Paquistão eram os dois países que ainda tinham casos provocados pelo poliovírus selvagem", conta a doutora Isabella Ballalai. Por vírus selvagem, entenda algo como o vírus original.
E não teria tanto problema se alguém desses ou de outros lugares aterrissasse por aqui com o poliovírus, desde que mais de 95% da nossa meninada estivesse vacinada. Hoje, no entanto, um viajante infectado pelo vírus da paralisia infantil se torna um tremendo perigo.
Por ironia, outro risco é oferecido pelo poliovírus contido na vacina oral. Calma, alto lá: ele não faz mal para a criança que toma essa vacina, até por ser atenuado. "O problema é que o vírus do imunizante acaba sendo eliminado pelas fezes e, no ambiente, ele pode sofrer mutações, voltando a provocar a doença", explica a médica.
De novo, não haveria problema algum, desde que as crianças estivessem em dia com o calendário de imunização. "Isso as protegeria contra esse vírus modificado", garante a professora Luiza Helena.
Sem vacina, no entanto, de um jeito ou de outro a infecção pode acontecer com facilidade. A transmissão se dá tanto pela água e por alimentos contaminados por excreções, como por objetos compartilhados e gotículas expelidas pela garganta enquanto a criança fala, tosse, espirra ou até mesmo um beijo.
Para conter a ameaça
Há dois caminhos para barrar o avanço do poliovírus. Um deles é fazer uma vigilância constante. "É fundamental que todos os casos que descrevemos como paralisia flácida sejam notificados e investigados", diz Isabella Ballalai.
Ou seja, quando as pernas ficam moles porque seus músculos perderam a capacidade de contração, é preciso afastar a hipótese de ser pólio. "Há outras doenças, como a infecção pelo vírus Epstein-Barr, que também podem provocar isso. Mas é importante ter a segurança de que a pólio não está de volta entre nós."
O outro caminho, inegociável, já deve estar claro: é o da vacinação. Isabella Ballalai acredita que parte da queda na cobertura tem a ver com o fato de que a geração atual de pais e responsáveis ignora gravidade da pólio e, assim, de cuca fresca, adia a ida ao posto.
Ora, graças justamente às vacinas, ninguém vê mais pelas ruas, como no passado, pessoas com sequelas dessa doença, com pernas flácidas, imóveis e atrofiadas. E isso sem contar os casos em que, anos após a infecção, as vítimas começam sentir dores terríveis pelo corpo.
Para quem tem filhos que não se vacinaram contra a pólio ou que, vá lá, não tomaram todas as doses previstas, melhor correr atrás do atraso, se a criança ainda tiver menos de 5 anos. Ninguém quer algo ruim assim de volta.
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