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Pandemia: não vai demorar tanto até a gente encarar a próxima
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Enquanto a gente fica aqui discutindo se a fase pandêmica da covid-19 está ou não está acabando, existem cientistas que já se mostram bem mais preocupados com a próxima pandemia.
Eles estão com a cabeça lá adiante. Ou melhor, não tão adiante assim, porque acreditam que não levará mais do que uma década para outro vírus surgir aparentemente do nada, querendo dar a volta ao mundo para espalhar doença grave e caos.
Essa perspectiva é tão arrepiante quanto realista. Não se falou de outra coisa na sexta-feira passada, 1º de abril, durante o simpósio "Covid-19 Vaccines: Unfinished Business", realizado pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Se, ao longo de uma semana, pesquisadores do mundo inteiro discutiram o que ainda precisava ser feito em matéria de vacinação contra o Sars-CoV-2, o último dia do evento foi inteiramente dedicado às pandemias futuras — sim, no plural.
"Não podemos adivinhar qual será a próxima ameaça, onde ela surgirá, nem a data exata em que acontecerá. Mas podemos ficar mais espertos e preparados para esse momento, já que ele será inevitável", afirmou o virologista americano Dennis Carroll logo no início de sua apresentação.
À frente do Global Virome Project, iniciativa internacional que procura rastrear novos vírus potencialmente perigosos, o doutor Carroll soma uma larga experiência com doenças emergentes e é conhecido por, entre outras empreitadas, liderar as estratégias para conter o Ebola na África.
"Nos últimos dois anos, ouvi pessoas dizendo que a covid-19 era um evento excepcional, que uma infecção se alastrando dessa maneira pelo globo era algo que só acontecia a cada século, mais ou menos. Bem, alguém precisa avisá-las que esse pensamento seria válido no passado. Hoje, não mais", disse ele.
Para o cientista, assim como para todos os outros palestrantes, infelizmente não vamos esperar mais cem anos para ter uma doença capaz de criar uma confusão equivalente à da infecção pelo Sars-CoV-2.
"Na melhor das hipóteses, teremos uma doença dessas a cada dez anos. Ou a cada cinco anos, se tivermos azar ou deixarmos de olhar com seriedade para esse risco", calcula o doutor Carroll.
Detalhe: houve pelo menos vinte avisos da iminência de um novo coronavírus infectar o homem. Ninguém deu muito ouvido e o resultado está aí.
O salto da natureza até nós
"Nem mesmo a era dos Sars-CoV deve acabar no número '2'", acredita o pediatra Marco Aurélio Sáfadi, que é membro da Comissão de Atualização de Calendários Vacinais da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Ele faz essa aposta lembrando que, em 2002, tivemos o Sars-CoV-1 e, em 2012, outro coronavírus, o Mers. Ora, entre um e outro não foi tanto tempo assim.
"Esses vírus zoonóticos, isto é, que passaram de uma espécie animal para outra ou de um animal para o ser humano, são complicados. O fato de atravessarem a barreira entre as espécies mostra que eles aprendem a se adaptar com extrema facilidade", explica.
Sabe-se que, hoje, há pelo menos 300 vírus por aí dignos de atenção. Isso porque viviam em determinados bichos mas, nos últimos vinte anos, com a destruição do meio ambiente passaram a infectar outros animais, aproximando-se cada vez mais do homem
"Na verdade, sete vírus zoonóticos emergentes, incluindo os três coronavírus, chegaram a infectar o ser humano nesse período. Por sorte, a maioria causou apenas surtos regionais. Mas poderia ter sido diferente, como a covid-19 nos ensinou de maneira dura", observou o imunologista e geneticista John Irving Bell, professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra, na sua vez de falar.
Por que as pandemias devem se tornar mais frequentes
Uma das principais brechas para o aparecimento de infecções que nunca vimos antes é o crescimento atordoante de habitantes no planeta. E, para entender as novas pandemias, não podemos nos esquecer que hoje 7,8 bilhões de indivíduos vivem apinhados na Terra. A eles, serão acrescentados mais 3 bilhões até o final deste século. É gente até não poder mais!
"A questão é que não temos como isolar esse aumento da população humana do resto do ecossistema", ensina o doutor Dennis Carroll. "No final, ele inteiro se desestabiliza, criando o cenário ideal para a existência de mais doenças zoonóticas."
Ora, a humanidade agora se espalha por territórios historicamente dominados por espécies com as quais sempre teve menos contato. E elas carregam vírus muito diferentes daqueles que o nosso sistema de defesa conhece.
De quebra, por sermos numerosos, nos tornamos um hospedeiro bastante interessante do ponto de vista do vírus que, para se perpetuar, quer invadir a maior quantidade possível de organismos. Daí que ele acaba se adaptando em nossa direção.
A próxima ameaça já está por aí
Uma nova doença, por sua vez, nunca explode de uma hora para outra, embora seja essa a impressão. "Os primeiros casos de que temos conhecimento são invariavelmente o final de uma onda que começou a se formar um bom tempo antes", explica o doutor Carroll.
Desse modo, há quatro anos, sem a gente se dar conta, o Sars-CoV-2 já existia e estava se espalhando, primeiro, em algum grupo de animais na floresta. "Recentemente, um estudo americano examinou amostras de sangue humano colhidas antes de a pandemia chegar e flagrou, ali, anticorpos contra o coronavírus. Sinal de que aquelas pessoas tiveram algum contato com ele ou com um ancestral dele", nota o imunologista João Viola, que é presidente do Comitê Científico da SBI (Sociedade Brasileira de Imunologia).
Portanto, enquanto você lê este texto, o vírus que dará origem à próxima pandemia já anda circulando. Sem qualquer estardalhaço, ganha mais e mais força gerando um número cada vez maior de casos sob o véu da natureza. "E, se é assim, precisamos ser mais sábios no sentido de irmos até o vírus antes que ele venha até nós", defende Carroll.
O consenso é que não devemos iniciar a corrida por vacinas e qualquer outra solução depois que o problema já está estabelecido.
Onde deve surgir
A rigor, uma nova pandemia pode eclodir em qualquer canto do planeta. No entanto, segundo os cientistas, é mais provável que seu ponto de partida seja em um dos chamados hot spots — áreas quentes, em uma tradução ao pé da letra, nas quais precisamos ficar de olho.
"São regiões do mundo que juntam algumas características", começa a definir o doutor Carroll. "Em primeiro lugar, elas apresentam um crescimento ainda mais vertiginoso da população nas últimas décadas. Em segundo, há práticas humanas interferindo barbaramente no meio ambiente e, como consequência, no comportamento dos animais nos arredores, além de existir talvez uma interação maior com eles."
Aliás, grandes criações de animais, em tese, aumentam o risco de encrenca em um hot spot. A ameaça também se eleva quando essa área fica geograficamente na transição entre dois ecossistemas, notam aqueles que fazem esse tipo de investigação.
Segundo Dennis Carroll, há muitos hot spots mapeados na China, no sudeste asiático em geral e na África subsaariana. "Mas todo lugar onde há qualquer forma de agressão maior à natureza, seja desmatando, seja poluindo, pode virar um hot spot e mereceria um trabalho constante de vigilância microbiológica", opina.
Para tentar evitar
Se não dá para vasculhar cada pedacinho de terra ao redor do mundo, a proposta é a de um esforço global para ao menos examinar amostras tanto de pessoas quanto de animais nessas áreas de atenção já identificadas. Seria, portanto, uma busca ativa e incessante de vírus emergentes, pinçando aqueles que cruzam a barreira entre espécies — eles são os suspeitos.
Isso permitirá conhecer nossos inimigos potenciais a fundo, entender os comportamentos que favorecem o início de pandemias em cada ambiente, detectar os primeiros casos em seres humanos para isolá-los depressa e, não menos importante, disparar estudos capazes de culminar em vacinas.
"Só que nunca é tão simples", pontua o professor John Irving Bell, de Oxford. "Muitos países com hot spots ainda não têm capacidade nem dinheiro para fazer o sequenciamento genético dos vírus. E precisaríamos melhorar o acesso global à internet, porque essa vigilância só faz sentido se todos os centros de controle de doenças e pesquisadores de vacinas do mundo receberem as informações em tempo real", exemplifica.
Outro desafio, talvez o maior de todos, é recuperar a confiança de parte das pessoas nas recomendações da ciência para que não hesitem tanto até a adoção de medidas, de máscaras a tomar vacina, quando o alarme tocar outra vez. Nesse sentido, a impressão é de que o Sars-CoV-2 foi uma espécie de treino para a humanidade. A dúvida é se ela se saiu tão bem nele para já encarar outras provas.
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