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Testes genéticos: os que dizem ver o risco de várias doenças podem enganar
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A promessa é a seguinte: decifrar tudo o que pode revelar o seu DNA, tudinho. E olha que ele seria capaz de lhe contar uma porção de coisas — na maior facilidade, é o que andam dizendo por aí.
Por um precinho razoavelmente barato, quem sabe até parcelado, você receberia o kit em casa para fazer um teste genético. Nele, encontraria aquela espécie de cotonete comprido para enfiar na boca e esfregar as paredes internas das bochechas. Pronto, seria só guardar o material coletado no envelope que vem junto e devolver ao laboratório.
Em poucas semanas, então, sairia um laudo mostrando suas origens. Talvez seus ancestrais tenham vindo de lugares distantes e exóticos, já pensou?
Mas, conforme o seu investimento nessa busca de autoconhecimento e na vontade de prevenir doenças, você ganharia informações a mais. Será que tem predisposição genética para gostar de doce ou para sofrer da carência de um nutriente ou de outro? Possui tendência a formar rugas ou cera no ouvido? Por aí vai. É sério, não estou brincando.
Ou melhor, seria quase recreativo se os resultados não exibissem o suposto risco aumentado para doenças complicadas como diabetes, Alzheimer, infarto e diversos tipos de câncer.
Aí, infelizmente, conforme o teste que você fizer, poderá cair em pânico à toa, acreditando em algum risco elevado que, de fato, nunca existiu.
Ou, pior, irá respirar aliviado, supondo que a probabilidade de ter determinado tumor é pequena, para daí, confiante, marcar bobeira nos exames de rastreamento quando, na real, seu risco sempre esteve nas alturas.
Esse tipo de produto oferecido à população geral entra na mesma categoria dos testes de gravidez e de outros tantos que você pode fazer direto, sem passar pelo médico para ter uma prescrição. Aliás, por isso mesmo os planos de saúde não cobrem.
A questão é que, quando se tratam de testes genéticos diretos ao consumidor, além de muito resultado sair errado — ora, não há legislação para regulá-los e alguns não são validados para garantir a qualidade —, existem possíveis ciladas.
Para saber ancestralidade funciona
Seu DNA é formado por mais de 3 bilhões pares de letras ou pares de base. As plataformas desses testes olham para apenas alguns milhares deles, normalmente procurando aquilo que os geneticistas chamam de polimorfismos ou SNP, de single-nucleotide polymorphisms. Ah, fica a dica: eles pronunciam essa sigla assim, "sníps"
Ou seja, é como se esses testes pegassem alguns poucos pontos de seu material genético e checassem se, bem ali, não haveria um SNP — quer dizer, uma única letra diferente daquela esperada no parzinho.
"Mas raramente esses polimorfismos de uma só letra provocam qualquer doença e, sim, conferem características a uma pessoa, incluindo as físicas, que fazem um indivíduo ser diferente de outro", garante o médico Rodrigo Santa Cruz Guindalini, da Oncologia D'Or, em Salvador, na Bahia.
Segundo Guindalini, que é oncologista e oncogeneticista, a ciência já conhece bem quais são os SNP comuns em pessoas de populações de origem asiática, africana e assim por diante. "Por isso, esses testes são mesmo capazes de apontar de onde vieram os ancestrais de alguém. Mas perdem completamente a mão quando tentam determinar o risco de doenças fora de um contexto clínico."
Primeiro: há bandidos e bandidos
Em raríssimas vezes, é bem verdade, uma única letra trocada já basta para causar uma confusão sem tamanho. É quando os especialistas dizem que há uma variante causadora de doença, ou patogênica, em um gene de alta penetrância. Para o câncer, por exemplo, o termo significa que ela aumenta em mais de cinco vezes o risco de esse mal aparecer.
"Imagine um tumor maligno de mama. Toda mulher tem um risco entre 10% e 12% de ter essa doença ao longo da vida", conta Guindalini. "Porém, se ela tiver uma dessas variantes em um gene de alta penetrância para o câncer mamário, o risco de desenvolvê-lo passa a ser de 50% ou mais." De fato, uma ameaça enorme.
Quem não se lembra da variante genética BRCA1 que levou a atriz Angelina Jolie a tirar as mamas e, depois, os ovários por pura precaução? Pois bem, é um bom exemplo.
Só que muitos desses testes que são a onda da vez não vão atrás das tais variantes patogênicas em genes de alta penetrância para os diversos tumores que aparecem em seu laudo. Nem sequer para as variantes patogênicas em genes de moderada penetrância, também raras, capazes de multiplicar de 1,5 a cinco vezes o risco. Portanto, a pessoa pode ficar feliz da vida com o resultado e ter uma delas. Uma ilusão cruel.
E o que esses testes enxergam, então? "Enxergam aqueles SNP que são bastante frequentes na população, mas que, isoladamente, aumentam em apenas ínfimo 0,01% ou 0,1% o risco de um câncer", responde o médico.
Alguns desses testes impressionam quando, no resultado, usam as cores do semáforo e apontam com o vermelho a SNP que representaria alto risco. "Mas essa informação por si só e fora de todo o contexto clínico de uma pessoa não serve para nada", reforça Guindalini.
É preciso olhar para o conjunto
Este é o segundo ponto. Guindalini compara um SNP com um bandido que só age em quadrilha. "Quando vários SNP que pareciam fracos combinam suas forças, a situação pode se tornar perigosa", afirma.
Mas aviso: não adianta somar todos os pontinhos vermelhos, amarelos e verdes do laudo de um teste genético desses para tentar entender o que os genes dizem sobre a sua saúde. Não funciona assim.
"Há modelos matemáticos complexos para simular a interação de todos esses polimorfismos. Afinal, alguns favorecem o câncer e outros, ao contrário, são protetores", conta Guindalini. "Quando usados da forma correta, ou seja, considerando essas interações, os SNP são capazes de gerar o que chamamos de escore de risco poligênico, ferramenta que pode ser fundamental para o nosso trabalho."
Por exemplo, se você tem um escore baixo, de 1%, a chance de ter um determinado câncer é de 2,5% ao longo da vida. Mas, se o escore for de 99%, altíssimo, mesmo sem nenhuma variante capaz de agir sozinha, como a de Angelina Jolie, seu risco ter câncer sobre para 33%.
Na Inglaterra, conta Guindalini, o escore poligênico já vem sendo estudado para determinar com que frequência uma mulher precisaria fazer a mamografia. "Se o risco é baixo, ela poderia talvez só repetir o exame a cada três anos", diz.
O oncologista acha pouco provável que esses testes genéticos oferecidos diretamente às pessoas usem os tais modelos matemáticos. "Isso não está escrito no laudo", nota. "Sem contar que esses testes falam de tantas doenças de uma só vez que fica difícil imaginar que aplicam o escore em todas."
Nós nem somos o parâmetro
Mais uma: os SNP que aumentam o risco de doenças costumam ser diferentes conforme cada população.
"Quando o teste busca cinco letrinhas espalhadas pelo DNA para apontar se um indivíduo pode ter pólipos no intestino, ele faz isso porque essas cinco letras foram associadas ao problema em uma população específica", explica o médico geneticista Diego Miguel, diretor médico da Igenomix Brasil, multinacional referência em genética.
A acurácia do teste pode ter sido checada, por exemplo, em judeus americanos. E, em nordestinos brasileiros, os polimorfismos por trás do risco de pólipos talvez sejam outros, que então passariam batido.
A história de cada um
Para Diego Miguel, é fundamental que o laboratório cruze o escore de risco genético com calculadoras que levam em conta dados clínicos: a idade, se a pessoa tem sobrepeso ou obesidade, se fuma, se bebe, se faz uso de hormônio, se teve infecções e muito mais."É a combinação que nos entrega revelações preciosas", informa.
Testes genéticos, então, não funcionariam?
Para prever o risco de doenças, funcionam — só que, mais seguro, por outro caminho. Se é essa a sua preocupação, melhor procurar um médico. E, claro, fazer o exame em laboratório, do jeito correto.
"A gente precisa ir atrás de todos genes que tenham a ver com a doença em foco", conta Miguel. "E, mais do que isso, em vez de olhar para pedacinhos deles, o certo é realizar leitura completa, da primeira à última de suas letras", descreve. Assim, não tem como algo escapar.
O acompanhamento necessário
O médico geneticista não entra em cena só na interpretação do resultado. Ele deve orientar o paciente antes do teste e descobrir, inclusive, se ele prefere não saber de alguma informação — o que é um direito.
Segundo ele, é aconselhável não escarafunchar o risco genético de doenças quando, ao menos no momento, esse conhecimento não ajudará em nada na prevenção, nem no tratamento. É o caso do Alzheimer.
Se esses testes vendidos diretamente para qualquer um de nós podem ser extremamente imprecisos, dando falsa sensação de segurança ou sustos inúteis, por que são oferecidos? Para Diogo Miguel, no fundo o que estão em busca é de algo que vale ouro: informação.
"Uma farmacêutica talvez pague caro para saber qual a proporção de pessoas, em uma população, teria um polimorfismo que aumentaria a probabilidade de efeitos adversos de um de seus remédios", especula.
O fato é que as pessoas são atraídas. Há teste prometendo ver, além de doenças, a compatibilidade genética com um candidato a ser amado. Em vez de um teste, eu iria preferir flores.
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