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Para fechar feridas: bioimpressora faz na hora enxerto com células-tronco
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Foi uma estreia em dose dupla, acho que podemos considerar assim. Há menos de 15 dias, dois pacientes internados no Hospital Nove de Julho, em São Paulo, foram tratados com uma tecnologia inédita no Brasil, já aprovada pela Anvisa e por outras agências regulatórias no mundo, como a americana FDA.
Enquanto eles aguardavam no centro cirúrgico, usando células-tronco extraídas instantes antes da gordura do seu próprio corpo, como as que vemos na imagem desta coluna, uma bioimpressora 4D não levou mais do que meia hora para criar o enxerto perfeito — perfeito inclusive no sentido de se encaixar sob medida, milimetricamente, no ferimento que precisava ser fechado. Missão que, nas condições dos dois homens, poderia ser das mais complicadas.
Os casos eram bem diferentes. Um dos pacientes, operado pelo cirurgião vascular José Resende Neto, que calha de ser o diretor médico do Nove de Julho, tinha um pé diabético completamente infeccionado.
O diabetes descontrolado é mesmo um perigo: faz os pés perderem a sensibilidade e, daí, qualquer machucadinho passa despercebido. Sem ser cuidado, pode virar algo grande, transformando-se em porta de entrada para infecções sérias.
"Infelizmente, o quarto e o quinto dedos já tinham até gangrenado e precisei amputá-los", conta o médico. Mais do que isso, ele realizou uma angioplastia delicada, isto é, deixou em ordem a rede de vasos e restabeleceu a circulação do joelho para baixo.
"Sem sangue chegando direito, levando oxigênio e nutrientes para a reparação dos tecidos, não adiantaria fazer nada para tentar fechar a ferida daquele pé, evitando assim uma amputação ainda maior", justifica o doutor Resende Neto. Ainda bem, aparentemente deu tudo certo.
Uma semana após o enxerto feito com bioimpressão, a úlcera que existia ali já estava fechada, sequinha, sem qualquer secreção. Resultado espantoso até mesmo diante da novidade, porque a expectativa com a tecnologia de bioimpressão era o ferimento se fechar em quatro a seis semanas.
"Esse tempo para a gente já não seria nada", garante o cirurgião, acostumado a aguardar seis meses com o que existia disponível até então. "E, nessa espera, sempre há o risco de reinfecção, de ter de internar e operar outra vez", lamenta.
Portanto, para ele, a maior vantagem da nova tecnologia é o prazo menor para o ferimento cicatrizar de vez. "Afinal, é uma corrida. Quanto mais tempo a ferida fica aberta, maior a chance de um agente infeccioso se aproveitar", diz. Sem contar que a meta é fazer a pessoa voltar à rotina mais depressa.
O outro caso
O segundo paciente do Nove de Julho que recebeu um enxerto feito pela bioimpressora é um homem de pouco mais de 60 anos, vítima de um acidente de carro. "Além de múltiplas fraturas, ele terminou com uma lesão de 9 por 4 centímetros na parte da frente da perna", descreve o cirurgião plástico Luiz Philipe Molina Vana, responsável por esse outro procedimento.
Segundo ele, essa é uma área complicada, porque praticamente não há gordura sob a pele, que fica bem próxima ao osso — e nem queira saber quando um machucado mal se fecha e uma infecção atinge o esqueleto!
Enfim, o que ambos os casos têm em comum é o que os médicos chamam de feridas complexas, aquelas que teimam em ficar abertas. No dia a dia de um hospital, eles observam várias: "Algumas úlceras varicosas, que surgem por causa de uma má circulação sanguínea geralmente perto dos tornozelos, chegam a fazer aniversário de um ano, dois anos..." , exemplifica o doutor Resende Neto.
Além delas, existem as escaras dos pacientes que permanecem um longo período no leito hospitalar. Sem contar traumas de todo tipo, como acidentes de moto, de bicicleta, atropelamentos.
E, claro, não dá para esquecer de pacientes queimados. Eles dão uma ideia do quanto tecnologias para sarar a pele podem fazer diferença: "Há, no país, todo ano 1 milhão de acidentes provocam grandes queimaduras. Eles causam 200 mil internações, 40% delas em crianças, e cerca de 6 mil mortes", estima o professor Molina que, além de atuar no Nove de julho, dá aula de cirurgia plástica na Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), sendo o atendimento a queimados graves a sua especialidade.
"Aqui no hospital, que por ser particular recebe um número menor de vítimas desses acidentes, estou com oito pacientes com feridas complexas só nesta semana", me diz. Metade se machucou no trânsito, outra metade se feriu com fogo.
Por que não fecha?
"Quando você cai na rua de joelhos, rala apenas a camada mais superficial da pele, a epiderme, e às vezes um pouquinho também da derme, que é mais profunda", descreve o professor Molina. "Sangra, mas logo começa famosa cascata da coagulação que forma a casquinha. Debaixo dela, o tecido vai se refazendo ao longo dos dias."
Mas, em uma ferida complexa, há sempre algo atrapalhando esse roteiro. Primeiro porque muitas vezes o ferimento vai fundo, pega toda a derme — a segunda camada da pele — e, se duvidar, vai além.
"Então, fica difícil porque a regeneração sempre se inicia pelas bordas da ferida e pelos chamados anexos, que são os folículos de onde nascem os pelos e glândulas, tanto as de suor quanto as sebáceas. Mas, em uma situação assim, elas estão destruídas e só resta à pele crescer pelas bordas, o que torna tudo bem mais lento", explica o professor Molina.
Para encrencar, a pessoa pode ter problemas de circulação ou má nutrição. Pode, ainda, apresentar uma infecção no local. "Aí, aquele excesso de líquido que sai também impede o fechamento da lesão", acrescenta o doutor Resende Neto.
Não tem jeito: é preciso intervir. Isto é, dar um empurrãozinho para curar o machucado, seja tratando a infecção, seja resolvendo a vascularização e, quase sempre, tampando aquele buraco.
No lugar machucado
Há vários recursos para cobrir as feridas complexas. Um deles é o famoso enxerto de pele, quando o cirurgião retira uma camada fininha desse tecido de outro canto do corpo para depositá-lo sobre a lesão, onde aos poucos ele vai sendo integrado.
A pele artificial é mais uma saída. "Se bem que, às vezes, será preciso fazer um enxerto com a pele da pessoa depois. A diferença é que a camada de tecido retirada será ainda mais fina", esclarece o professor Molina.
Um pulo do gato, porém, aconteceu há cerca de cinco anos, quando os médicos passaram a fazer enxertos de gordura. "Nós a retiramos de outra região — uns 20 mililitros, que é bem pouco — e a colocamos dentro do machucado", descreve o cirurgião.
Talvez se pergunte por que gordura: "Porque ela é a maior fonte das famosas células-tronco, capazes de se transformar em qualquer tecido do organismo", responde. Portanto, no fundo, o que se quer é injetar células-tronco ali, para que criem o que falta para a pele se regenerar naquele pedaço. Cá entre nós, o uso da bioimpressão é um aprimoramento disso.
O procedimento com bioimpressão
Como de costume, os médicos começam por uma boa limpeza do ferimento, removendo tecidos mortos, arrasados por infecção ou por falta de sangue, que acabariam atrapalhando tudo de vez. Feito isso, com um tablet, tiram uma fotografia que é enviada à bioimpressora — a qual, para olhos leigos, lembraria um frigobar.
O equipamento analisa a imagem e, na sequência, informa a quantidade exata de gordura que o cirurgião precisará aspirar —"preferencialmente dos culotes, porque ali há mais células-tronco", conta Resende Neto.
Essa gordura, então, é filtrada até restarem apenas as tais células-tronco. Elas vão parar no equipamento, que também calcula a quantidade ideal de fibrina. "Essa mistura cria uma geleca", descreve o cirurgião vascular.
"É uma substância firme, que dá para a gente pegar e que para no lugar certo, enquanto que, quando usamos simplesmente gordura, nem podemos deixar o paciente virar porque ela escorre", compara o professor Molina. Tem mais: a tal geleca sai com o formato exato para se encaixar no ferimento, sem deixar o menor vão, graças à imagem enviada no início.
Por fim, os médicos contam que a mistura com a fibrina poderia ser feita manualmente, mas o resultado seria irregular. Já no enxerto feito com a bioimpressora essa substância se distribui igualmente por todo o material, formando um pontilhado. Na prática, isso significa que todas as áreas do machucado terão contato com a mesma quantidade de matéria-prima. Então o que se espera é o surgimento de uma pele de maior qualidade.
O melhor é que o paciente pode ter alta logo depois. Em vez de necessitar de cuidados diários ou a cada dois dias — que obrigariam sua permanência no hospital, além de oferecer risco de reinfecção pela manipulação excessiva —, ele pode trocar o curativo no ambulatório uma vez por semana.
Isso, amanhã ou depois, sem dúvida entrará na conta do custo-benefício, já que por enquanto, como tudo o que é novo, o custo da bioimpressão ainda fere — no caso, o bolso.
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