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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Câncer: a vantagem de usar micro-ondas para destruir metástases nos pulmões

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

04/08/2022 04h00

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Médicos do ICESP (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) aguardam ansiosos a chegada de 60 agulhas doadas à instituição — e não à toa. Em uma pesquisa inédita, cada uma delas será usada em um paciente com metástases pulmonares de um câncer extremamente agressivo, o sarcoma.

O correto mesmo seria eu chamá-las de antenas. Pois, guiadas por imagens de tomografia até alcançarem o interior do nódulo maligno, elas emitirão micro-ondas para aquecê-los do meio para a superfície. Em princípio, nada diferente do que acontece naquele forno da minha ou da sua cozinha.

Ou seja, dessas agulhas compridas — ou, vá lá, antenas — sairão ondas eletromagnéticas capazes de agitar as moléculas de água ali presentes. Mas agitar a tal ponto que a fricção entre elas irá gerar calor. E que calor! Estou falando em alcançar depressa algo entre 140 e 150 graus Celsius.

"Com uma temperatura dessas, um tumor de 3 centímetros de diâmetro não leva mais do que uns 5 minutos para desaparecer", conta o radiologista intervencionista Guilherme Lopes Pinheiro Martins, que conduzirá o estudo chamado BORIS.

Repare: o ineditismo do trabalho é a avaliação da ablação por micro-ondas nas metástases pulmonares de sarcomas, tumores que até agora não têm boas alternativas de tratamento. E que, para piorar o drama, na maioria das vezes acometem pacientes jovens, entre a adolescência e a faixa dos 30 anos de idade.

Para outros tipos de metástases nos pulmões já é sabido que a ablação por micro-ondas oferece enormes vantagens. Tanto que vem sendo cada vez mais realizada em alguns centros de oncologia dos Estados Unidos, mas principalmente em países europeus como Itália, Alemanha, Inglaterra e França, sem contar sua ascensão no Japão.

Já aqui no Brasil, apesar de aprovado pela Anvisa, esse tratamento não faz parte do rol da ANS. Portanto, nem sequer os convênios particulares cobrem. Cada agulha custa em torno de 20 mil reais.

"Imagine, então, o esforço que fazemos para tratar pacientes do SUS com micro-ondas através de projetos de pesquisa como esse", comenta o médico Marcos Roberto de Menezes, coordenador da área de radiologia e intervenção guiada por imagem do ICESP.

Foi ali, aliás, que ele fez a primeira ablação de um câncer por micro-ondas no país, quando ela foi aprovada em 2019 com uma década de atraso em relação aos países da Europa.

Por que o câncer se espalha pelos pulmões

Células cancerosas crescem sem parar, desordenadamente — isto é, não fazem o que em condições normais deveriam fazer — e ainda têm a péssima mania de sair a passeio. Ou seja, elas se descolam do tumor original, ou primário, e caem na corrente sanguínea. Daí, podem parar em muitos lugares. Mas os pulmões estão entre seus endereços prediletos. Não por nada: todo o sangue passa por ali para ser oxigenado.

Todo o sangue também passa pelo coração, certo? Sim, mas lembre-se que, nos pulmões, a circulação vai pegando caminhos cada vez mais estreitos e — atenção! — permeáveis para possibilitar as benditas trocas gasosas da respiração. "Com isso, a célula maligna pode atravessar o vaso e se implantar no tecido pulmonar", descreve o doutor Menezes.

Bem instalada, ela não quer nem saber se é de intestino ou de mama, por exemplo. Cresce ali mesmo sem cerimônia até formar um nódulo. É a metástase — a porção doente de um órgão crescendo distante dele.

Diante de metástases pulmonares

"Se o câncer se espalhou, uma das saídas é fazer quimioterapia", explica Marcos de Menezes. "Ela pode destruir aquelas células malignas que escaparam e que estão na circulação. No entanto, mesmo que os nódulos metastáticos nos pulmões respondam às drogas quimioterápicas, eles dificilmente irão desaparecer. Por isso, a indicação é fazer uma cirurgia para retirar esses tumores."

O triste é que eles tendem a voltar. "Você tira um e, tempos depois, aparece outro. E ficar repetindo cirurgias é inviável", avisa o médico. Isso porque o bisturi vai destruindo o tecido pulmonar sadio em seu trajeto até alcançar o ponto em que está o tumor para ser extraído. O tecido lesionado pelo caminho faz falta e é melhor acumular esses estragos.

"Com os novos tratamentos, a sobrevida das pessoas aumenta. Mas sempre digo que não adianta tratar o câncer e derrubar o paciente", diz o doutor Menezes. "Quando se trata de pulmão, isso é crítico. Precisamos preservá-lo."

É justamente o que a área da Medicina conhecida por radiologia intervencionista procura fazer — por exemplo, lançando mão de equipamentos de radiofrequência para destruir esses tumores.

"Mas as micro-ondas têm uma vantagem: permitem repetir o procedimento outras vezes", compara Guilherme Martins. "Isso é bom, se a gente pensa que as metástases costumam voltar."

Outro ponto a favor das micro-ondas: a radiofrequência não funciona tão bem nos pulmões porque se baseia em criar uma corrente elétrica, a qual nunca tem boa condutibilidade no ar. E, claro, o que não falta nos pulmões é ar.

Por sua vez, as micro-ondas não sofrem interferência se o meio é sólido ou gasoso. Agitam as moléculas de água do mesmo jeito. Aliás, só precisam que o tecido a ser tratado esteja hidratado.

Quando a ablação é indicada

A ablação por micro-ondas funciona pra valer quando o câncer já se espalhou, mas ainda há poucos focos dele nos pulmões — no jargão da Medicina, são casos oligometastáticos.

E por que não usar essa ablação quando um câncer nasce no próprio pulmão? — fiquei me perguntando. Afinal, se a cirurgia é capaz de fazer estragos no tecido pulmonar, não seria melhor deixá-la de lado? "No tumor primário, ela ainda é a melhor escolha", afirma o doutor Menezes. "O cirurgião deve examinar toda a cavidade torácica e ainda tirar os linfonodos, para onde algumas células malignas podem ter sido drenadas", justifica.

No estudo com sarcoma, por exemplo, os 60 participantes devem ter no máximo cinco tumores metastáticos de até 3 centímetros, reunidos em um dos pulmões apenas ou divididos entre os dois.

O desafio dos sarcomas

Tumores malignos que surgem em partes moles do corpo — como músculos, gordura, tendões e ligamentos —, os sarcomas são até que bem raros. Ocorrem em torno de cinco casos em cada 100 mil pessoas.

"Só que, mesmo quando os médicos flagram essa doença em outros lugares do estado, eles encaminham o paciente para cá", conta Guilherme Martins, referindo-se ao ICESP. "Por isso, acho que vamos conseguir os 60 casos para o estudo em dois anos. Outros centros talvez levariam dez, quinze anos."

Pena, mas em parte por causa dessa raridade, os grandes congressos de oncologia não costumam trazer novidades sobre os sarcomas que, para complicar, se dividem em vários subtipos. "Alguns deles respondem mal à químio e outros nem sequer respondem", nota o médico.

Quando o indivíduo já chega com metástase — o que é comum e quase sempre nos pulmões —, a chance de cura é praticamente nula. Aliás, só 20% dos pacientes sobrevivem cinco anos e, ainda assim, pagando um preço altíssimo, porque a quimioterapia usada nos sarcomas está entre as mais agressivas de que se tem notícia.

Os médicos do ICESP estão para publicar um artigo com os dados de um estudo já concluído em que usaram a ablação por radiofrequência nesses casos. Apesar de ela ser cheia de limitações para tumores nos pulmões, o tratamento fez com que a porcentagem de pessoas com sobrevida de cinco anos saltasse para até 60%. Ou seja, triplicou.

Mais do que isso, como as metástases pulmonares foram arrasadas pela radiofrequência com uma pequena margem tecido sadio ao seu redor por segurança, esses pacientes tiraram umas férias de, em média, dois anos da quimioterapia."Esse tempo longe dela, por ser extremamente tóxica, se traduziu em qualidade de vida", ressalta Guilherme Martins. E, claro, gerou economia.

O que esperar

Os médicos têm a expectativa de um resultado no mínimo igual usando micro-ondas. Mas não se engane com um aparente empate, se ele acontecer: "O procedimento com micro-ondas é mais rápido e menos agressivo ainda", compara o doutor Guilherme Martins.

O paciente é colocado na entrada de um tomógrafo, como se fosse fazer esse exame. A anestesia geral é dada por pura precaução, para o caso de alguma complicação rara, como sangramentos, que desse jeito os médicos resolverão com maior facilidade.

" Na recuperação, há menos dor", continua Martins. Na verdade, alguns pacientes sentem incômodo quando puxam o ar nas primeiras 48 horas, especialmente se o nódulo destruído estava próximo da pleura, a membrana inervada que protege o pulmão. "Quando é assim, na hora da ablação a gente até injeta ar ou soro para afastá-la um pouco e poupá-la do calor", explica.

Em tese — ora o tratamento só está disponível para fins de pesquisa no SUS — se por azar surgirem mais focos de metástase amanhã ou depois, os pacientes poderiam se submeter a uma nova ablação por micro-ondas. Afinal, terão pulmões preservados para isso e literalmente fôlego para continuar na batalha.