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Bonilha, ex-Corinthians: 'Minha filha venceu um câncer no olho em 4 meses'
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Retinoblastoma: este não é um nome fácil. Nem de falar, muito menos de entender o significado, ainda mais olhando para uma menininha de 1 ano de idade adormecida. O meio campista Nenê Bonilha —ex-jogador do Corinthians e do Fortaleza e que hoje veste a camisa do Tombense, de Minas Gerais— nem sequer tinha a ouvido antes.
"Acho que tem uns 98% de chance de ser isso", opinou, preocupada, a oftalmologista Renata Girão, que aceitou examinar a pequena Malu à noite, na casa do jogador na capital cearense.
Isso porque a garotinha espevitada —e, naquele dia em particular, irritada com alguém querendo apontar aparelhos e feixes de luz ao seu olho— não tinha permitido à médica fazer o exame de retina no consultório. Bonilha acertou em não deixar o lance para depois.
"Perguntei, constrangido, se toparia ir mais tarde no nosso endereço para tentar de novo quando a Malu estivesse dormindo e ela na mesma hora aceitou", conta ele, que se define como o pai de duas Marias. Além de Maria Luiza, a Malu, hoje com 2 anos, tem a Maria Eduarda, de 4.
"Foi tudo muito rápido. Era uma quinta-feira e no domingo já estávamos morando em Campinas", recorda-se ele. Nem um pingo de exagero. Tudo muito rápido mesmo.
Na segunda-feira, a filha já fazia todos os exames no Centro Boldrini, no interior paulista. Pouco mais de um mês depois e a família estava de mudança para São Paulo, capital, para Malu receber pelo SUS um tratamento de ponta na TUCCA (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer). E apenas mais três meses para a menina se livrar desse tumor no olho.
Pois é isso o que quer dizer retinoblastoma: um câncer que surge no fundo do globo ocular em crianças menores do que 4 anos, sendo que a maioria dos episódios ocorre entre o primeiro e o segundo aniversário.
Por que o caso de Malu é exemplar
Naquela noite em que a doutora levantou a suspeita, Bonilha caiu aos prantos escondido. Fez isso outras vezes. "Minha mulher e minha sogra, que tinha ido passar um tempo conosco, não paravam de chorar. E eu pensei: alguém tem de parecer firme ou a gente não vai conseguir pensar direito." Cabeça de boleiro na hora do pênalti.
Pensou direito. Não hesitou quando a médica indagou se eles conseguiriam viajar para a filha confirmar o diagnóstico no centro especializado em oncologia no interior paulista. E, depois, correu para buscar o tratamento ideal em outro lugar.
"Isso ilustra tudo o que queremos para as crianças com retinoblastoma", diz o oncologista pediátrico Sidnei Epelman, presidente da TUCCA desde a sua fundação em 1998 e professor da FASM (Faculdade de Ciências Médicas Santa Marcelina).
Ele justifica: "Malu veio de longe para fazer um diagnóstico preciso, foi encaminhada da maneira correta já que onde estava não teriam como realizar o tratamento capaz de preservar o seu olhinho esquerdo e esse tratamento, por sua vez, foi iniciado o quanto antes. Está curada e no melhor dos mundos, porque preservou a visão."
Corrida pela luz
Epelman sabe bem que o diagnóstico de nenhum câncer deve atrasar. "Mas há 20 anos venho insistindo que o adjetivo 'precoce' no retinoblastoma tem um peso maior", diz.
Uma leucemia infantil, compara, já surge agressiva. Enquanto o tumor no olho desponta minúsculo, mas cresce na velocidade espantosa com que os pequenos se desenvolvem. Sim, ele pode se espalhar.
"No início, por mais que os médicos dessem várias explicações, era tudo muito novo e assustador. Não adianta: a primeira coisa que a gente pensa ao ouvir a palavra câncer é em morte", admite Flávia, esposa de Bonilha, que generosamente aceitou participar da conversa. Em geral, ela nem consegue falar no assunto.
No entanto, bom tranquilizar, o retinoblastoma sempre é curável, quando ainda se encontra localizado, dentro do olho. Mas até uns dez anos atrás —e ainda em muitos locais do país— a única saída era fazer o que os médicos chamam de enucleação, a retirada do globo ocular, levando junto o tumor.
"Hoje a meta não é apenas curar e, sim, curar e manter a visão", explica Epelman. É o que se vem conseguindo em sete em cada dez casos, graças à quimioterapia intra-arterial, que entrega as drogas capazes de arrasar com o tumor diretamente no olho, por meio de um cateter.
Ele inicia sua viagem pela artéria femoral na virilha, subindo, subindo... Até alcançar a artéria dos olhos —que já é delicada por natureza, então imagina o tamanhinho desse vaso em uma menina de 1 ano, feito Malu. Concordo com o oncologista quando diz que quem faz isso tem mãos de fada.
Sem se espalharem completamente pelo corpo como na químio convencional, as drogas causam menos efeitos adversos —as crianças não perdem um fio de cabelo. Em compensação, se concentram nas células malignas, dando-lhes uma paulada mais forte.
O tumor é classificado pelo tamanho, designado por letras —"A", "B", "C", "D" e "E", sendo "A" o menor de todos. Até "C", na maioria das vezes, bastam três quimioterapias intra-arteriais em intervalos de 21 dias. Mas o retinoblatoma "D" já oferece bem mais dificuldade e podem ser feitas até seis sessões do tratamento.
Algo estranho no olhar
O da pequena Malu era um "C". Ela teve de repetir a quimioterapia intra-arterial quatro vezes e, em cada uma delas, ao entrar no centro cirúrgico —sim, o procedimento é feito sob sedação— deixou Flavia com o coração na mão "E eu, em casa, angustiado pelas duas. Só autorizavam um acompanhante em função da pandemia", conta Bonilha.
Se o tumor da menina só tinha esse tamanho é porque os pais notaram algo diferente. Primeiro, a mãe. "Eu voltava de um campeonato em Cuiabá e, quando cheguei, a Flávia logo me chamou em um canto dizendo 'Nenê, a Malu está ficando estrábica'. Mas não acreditei."
Poucos dias depois, quando ele entrou em casa, Malu —apelidada de "grude do pai"— correu querendo brincar. Neste exato instante, seu olho esquerdo virou de um jeito estranho. "Aquilo me incomodou", relembra Bonilha. Havia visitas para o almoço. O jogador sentiu que elas também perceberam, mas tiveram vergonha de falar. Dias depois, a garotinha estava na doutora Renata.
Por trás dos sintomas
Em Malu, o tumor encostou em um nervo ao crescer, atrapalhando o controle dos movimentos oculares. Quando isso acontece, um dos sintomas do retinoblastoma é a impressão de um estrabismo.
Bem mais comum é um brilho esquisito, que pode só aparecer conforme a direção do olhar da criança. "Se o tumor não está bem no centro, sendo mais lateralizado, talvez isso seja notado apenas quando ela virar os olhos para um dos cantos", exemplifica Epelman.
O tal brilho, de qualquer modo, é porque o tumor é uma espécie de massa à frente da vermelhidão da retina. Em vez de alcançá-la, a luz do ambiente bate nesse paredão tumoral e volta, refletida de um jeito que uns descrevem como olhar de gato.
"Melhor pecar pelo excesso de cautela", dá o recado Epelman. "Qualquer alteração nos olhos não pode ser considerada coisa normal de bebê. É para levar imediatamente ao oftalmologista."
Aliás, o ideal mesmo seria que, com 1 ou 2 anos de idade, toda criança passasse por esse especialista. Ou que o próprio pediatra jogasse um feixe de luz nos olhos do seu pequeno paciente e reparasse em sinais como o estrabismo nas consultas de rotina.
Em alguns municípios brasileiros, diga-se, há o exame do olhinho nas maternidades. Ele pode entregar problemas oculares congênitos e, eventualmente, o retinoblastoma.
"É que 30% dos casos são bilaterais e, aí, têm fundo genético", esclarece Epelman. "Começa em um olho e, depois, passa para o outro. Quando é assim, muitas vezes a bebê já nasce com o tumor em um dos lados. Só que é tão minúsculo que o oftalmologista pode destruí-lo só com laser."
Durante o tratamento e agora
A ansiedade do casal Bonilha aumentava nos exames entre uma quimioterapia intra-arterial e outra. "Na químio convencional, você já começa sabendo quantos ciclos terá de fazer", explica Flávia. "Porém, no tratamento do retinoblastoma, os exames checam se ele está respondendo ou não. E isso é o que determina a duração".
Hoje, no lugar do câncer, há uma cicatriz no interior do olho de Malu, que fará acompanhamento oftalmológico nos cinco primeiros anos para ver se não restou, ali, alguma célula capaz de servir de semente para a doença voltar. "Mas é raro isso acontecer", assegura Epelman.
Próximo domingo
Aliás, foi Epelman, na TUCCA, que criou o Dia Nacional de Conscientização e Incentivo ao Diagnóstico Precoce do Retinoblastoma, que acontece todo 18 de setembro há 20 anos. Eu queria saber por que dia 18. "Porque, no judaísmo, esse número representa a vida."
Cheia de vida é Malu, que voltava do centro cirúrgico dando risadas soltas. Gargalhadas que ecoam sempre que está com a irmã —dizem, as cenas mais emocionantes são as dos reencontros das duas após cada hospitalização.
Agora, a menina exibe uma armação cor-de-rosa. Nada a ver com a doença, que deverá ficar no passado. Ela tem astigmatismo, como eu.
Sua história é revelada por causa da data do próximo domingo e porque o jogador se emocionou com Tiago Leifert e Daiana Garbin, ao divulgarem o retinoblastoma da filha Lua. "Vi que é egoísmo não compartilhar essa experiência para que mais crianças sejam curadas", afirma.
Irresistível brincar de jornalista de campo: "Terminou o jogo e quero saber o que achou da partida". O craque responde: "Foi a mais difícil da minha vida e a que me ensinou o verdadeiro significado de vitória."
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