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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Covid longa: só a quarta dose da vacina garante proteção

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

12/01/2023 04h00

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Em pouco mais de dois anos, entre março de 2020 e a primeira quinzena de julho de 2022, 7.051 dos 18.340 profissionais de saúde do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, apresentaram quadros leves ou moderados de covid-19.

A maioria se livrou do coronavírus e não sentiu mais coisa alguma — ótimo! Mas, para 27,4% deles ou nada menos de 1.933 indivíduos, o Sars-CoV-2 foi embora e os sintomas ficaram.

Uma fadiga imensa, uma tosse chata, uma dor moendo o corpo ou explodindo a cabeça e, por falar nela, uma dificuldade para se lembrar de tudo ou para se concentrar — são alguns exemplos de uma lista de dissabores que vai longe.

Aliás, cerca de metade desses colaboradores do Einstein — 51,8%, para ser precisa — reclamaram da persistência não de um, mas de três ou mais sintomas. Todos foram acompanhados por seis meses e, para muitos, esse período não foi o suficiente para se sentirem bem, como antes da infecção.

O fato é o seguinte: a gente acha que a pandemia já dura uma eternidade ao completar três anos atravessados a duras penas. Mas, para a ciência, isso ainda é muito pouco tempo para montar o seu quebra-cabeças. Sendo que a covid longa é uma parte importante dele, mas nesse pedaço faltam diversas peças.

Pesquisadores do Einstein e do ITpS (Instituto Todos pela Saúde) resolveram ir atrás de algumas delas, analisando os dados desses profissionais de saúde para a gente entender quais fatores poderiam favorecer, ou não, a persistência dos sintomas da covid-19.

A lacuna de conhecimento de qualidade sobre o tema nos meios acadêmicos fez com que, menos de 24 horas depois de o artigo sair na versão digital, ele já tivesse sido visualizado por 1 milhão de pessoas em redes sociais.

Sem dúvida, a revelação mais surpreende foi esta: quem tomou três doses da vacina pode estar protegido contra formas graves da doença, capazes de levar à morte. Mas, em relação à covid longa, só a quarta dose afasta a ameaça de ela aparecer — e não desaparecer tão cedo.

Quando você pode dizer que é covid longa

O Sars-CoV-2, diga-se, não é o único que deixa uma lembrança insistente de sua passagem pelo corpo. Há relatos de que os vírus por trás da dengue, da zika e da chikungunya, por exemplo, que têm uma tremenda afinidade com o sistema nervoso central, causariam quadros de ansiedade e depressão um tempo depois de as pessoas terem se curado. A dengue também pode deixar como souvenir de mau gosto inflamações na vesícula. A mononucleose é outra: provoca uma fadiga capaz de durar meses.

Por trás de sintomas que não somem devem existir fenômenos imunológicos, outras questões da biologia de cada um, aspectos sociais e psíquicos, tudo junto e misturado.

Após a infecção pelo Sars-CoV-2, no caso, o mal-estar às vezes é tão grande que as pessoas acham que continuam na fase aguda e transmitindo o infeliz. Nada disso: "O vírus já saiu de cena", garante o infectologista Alexandre Marra, um dos autores do estudo.

Médico que integra a equipe do Einstein, desde 2015 ele atua como pesquisador na Universidade de Iowa, em uma parceria firmada entre o hospital paulistano e essa instituição americana. E explica: "A fase aguda da infecção pode levar de alguns dias a poucas semanas. Mas tudo o que você sente deve durar menos de um mês e ponto final. Passou de um mês e estamos falando de covid longa".

Desse modo, Marra está assumindo a definição do CDC (Centers for Disease Control and Prevention), nos Estados Unidos. Segundo ela, é covid longa quando qualquer um dos mais de 50 sintomas listados da covid-19 persiste por mais de quatro semanas. Ou some, em uma espécie de trégua, mas volta após esse prazo, quando você imaginava que a sua história com o Sars-CoV-2 tinha ficado no passado.

Para a OMS (Organização Mundial da Saúde), a definição seria um pouco diferente. "Eles falam em sintomas que já duram 12 ou mais semanas, mas como se o sujeito continuasse doente e a fase aguda nunca tivesse indo embora."

O trabalho do Einstein em parceria com o ITpS considerou a linha de corte do CDC: quatro semanas.

Mesmo após uma infecção leve

Em matéria de covid longa, essa não é a única confusão — digo, saber a partir de quando podemos dizer que é esse o caso. "Os trabalhos costumam incluir pessoas que tiveram quadros graves de covid-19. Fica difícil, então, entender o que foi desencadeado pela infecção em si", observa Alexandre Marra.

Isso porque esses pacientes podem ter passado extensos períodos na UTI, precisando de ventilação mecânica e de remédios fortes, o que em tese também favoreceria a persistência de sintomas desagradáveis. "Mais de metade dos que ficaram em estado grave acabam com covid longa", constata o infectologista.

Mas o estudo que apontou para a importância da quarta dose da vacina só focou em quadros leves e moderados, tratados em casa, sem necessidade de hospitalização. Mesmo assim, praticamente uma em cada quatro pessoas desenvolveu covid longa, o que é espantoso. "Imaginávamos que seria menos", conta Marra.

A necessidade da quarta dose

Os pesquisadores compararam os indivíduos que tiveram covid longa antes de serem vacinados — lembre-se que o período do estudo começa antes da chegada das vacinas — com os que relataram sintomas persistentes depois da primeira, da segunda, da terceira e da quarta dose do imunizante.

A quarta dose reduziu o risco de sintomas prolongados em incríveis 95%. No entanto, não se viu diferença significativa entre os que não se vacinaram e os que tomaram três doses ou menos. Será que elas não protegeriam nem sequer um pouco?

"Por esse estudo, não podemos dizer nem que sim, nem que não", responde o pesquisador paraense Vanderson Sampaio, que é doutor em Medicina Tropical e especialista em bioinformática, sendo o responsável pela análise dos dados no ITpS. "Só dá para afirmar com segurança que a quarta dose oferece proteção." Melhor, então, tomá-la — se já não fez isso.

O risco é maior para a mulher

Esta é outra conclusão: as mulheres apresentam uma probabilidade 21% maior de terem covid longa. Sampaio comenta que, em outro trabalho do ITpS — este analisando dados de covid longa entre profissionais de saúde do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da PUC de Campinas —, a diferença foi ainda maior. Elas demonstraram ter duas vezes mais risco do que eles.

"Para explicar isso, existem hipóteses apontando para a biologia, considerando aspectos hormonais femininos", conta o pesquisador. "E há quem diga que existe uma quantidade maior de diagnóstico de covid-longa entre as mulheres simplesmente porque elas buscam mais o médico quando têm alguma queixa."

Alexandre Marra, do Einstein, pondera: "Por enquanto, no fundo é tudo achismo. Ainda não encontramos uma razão plausível para explicar por que os sintomas persistentes parecem ser mais comuns no sexo feminino."

O número de infecções conta

Ser reinfectado pelo Sars-CoV-2, isto é, pegar a covid-19 duas ou mais vezes, mesmo ficando assintomático ou quase sem sentir a infecção no corpo, faz crescer em 27% a chance de alguém terminar com sintomas persistentes.

E aqui precisamos encarar uma realidade: a vacina impede que infecção se torne grave, mas infelizmente não barra a transmissão. "Ou seja, melhor a gente evitar a reinfecção", resume Sampaio. "O ideal seria, inclusive quem se vacinou, continuar usando máscara em locais fechados, sem descuidar da higiene das mãos."

Sem contar, como lembra Alexandre Marra, que não há a menor certeza de ter uma nova infecção leve só porque a primeira foi assim. "Impossível prever", avisa, embora reconheça que a vida precisa continuar e que os cuidados, mais intensos ou menos, vão depender do contexto de cada um. Por exemplo, observando se no local onde você vive está acontecendo uma onda de casos, ou não, em determinado momento.

"Estamos em 2023"

Foi o que ouvi, ainda, do infectologista Alexandre Marra. No estudo do Einstein e do ITpS, eles viram que as cepas que circularam em 2020, primeiro ano da pandemia, ofereciam maior risco de covid longa em comparação com a variante ômicron de agora.

Uma velha pergunta: até que ponto ômicron pega mais leve e até que ponto essa impressão vem do fato de haver um número considerável de gente vacinada por aí? Difícil dizer, admitem os pesquisadores.

"Mas estamos em um momento muito melhor do que em 2020. E os próximos meses poderão ser ainda mais tranquilos com a chegada de vacinas bivalentes, capazes de nos proteger contra a cepa original de Wuhan e contra ômicron", afirma Marra.

"A questão é: não adianta ter vacina se ela, por um motivo ou outro, não chega ao seu ao braço", completa Vanderson Sampaio. E, pensando em covid longa, se a quarta dose não for aplicada. Se não a tomou até agora e se isso depende só de você, vá ao posto de saúde e evite uma longa encrenca que o mundo ainda não sabe direito o tamanho, nem quando acaba.