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Não vacinou seu filho contra a covid-19? Há explicações para a hesitação
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Não sei se os responsáveis por nossas crianças viram — e, caso tenham visto, não sei dizer se eles se sentiram representados.
Na semana passada, 9 de janeiro, a revista Nature Medicine publicou mais uma pesquisa da Universidade de Barcelona, na Espanha, sobre a aceitação da vacina contra a covid-19 em 23 países que, juntos, representam 60% da população global.
Vale retomar o assunto e espremê-lo para compreender um fenômeno detectado nas respostas dos brasileiros a respeito da proteção da criançada.
Vamos lá: entre 29 de junho e 10 de julho do ano passado, ao ouvirem 23 mil pessoas, 1 mil de cada país, praticamente metade do sexo masculino e metade do sexo feminino, os espanhóis repetiram o que tinham feito em 2021.
Aliás, eles também já tinham avaliado a intenção de as pessoas se imunizarem contra o Sars-CoV-2 em 2020, quando as vacinas ainda estavam em fase final de estudos e eram um sonho acalentado por um mundo querendo voltar ao normal.
A ideia era mesmo comparar para entender o que mudou ao longo desse tempo. E assim constataram que, em 2022, 79,1% do total de entrevistados estavam dispostos a aceitar a vacinação, ou seja, 5,2% a mais do que em 2021.
Em oito países, porém, a mudança foi na direção contrária e a hesitação para tomar a vacina aumentou. Lamento, o Brasil está entre os que deram marcha ré.
Repare que, na maioria dos lugares onde isso aconteceu, como no Reino Unido, o crescimento dos hesitantes foi de menos de 1%. Aqui foi de 3,3%, quando a pergunta era sobre a vacinação de adultos. Já olhando para a intenção de vacinar as crianças... Bem, aí o número verde-amarelo é de arregalar os olhos.
Em nenhum lugar do planeta se viu algo parecido: em um único ano, o receio de dar a vacina aos pequenos aumentou espantosos 56,3%, fazendo todo mundo se perguntar o que, afinal, teria acontecido de 2021 para 2022 no Brasil.
Ao ler um outro estudo fresquinho — este assinado por pesquisadores da Fiocruz sobre as razões da hesitação vacinal entre quem tem crianças — e conversar com a pediatra Isabella Ballalai, membro da diretoria da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), vi que dá para a gente entender esse salto, por que pais e responsáveis se sentem confusos e hesitam. Tem toda uma lógica. E ela é perversa.
Qual foi o primeiro engano
Em português claro, a principal motivação para um adulto levantar o seu corpinho do sofá e ir atrás de uma vacina para si próprio ou para o seu filho não é a preocupação com o bem da comunidade, nem o desejo de seguir o que diz a ciência, nada disso — é a vontade de salvar a sua pele. Ou a pele da sua cria. E ponto.
Esclareço que não se trata de opinião pessoal. Muito antes da pandemia, diversos estudos demonstraram que as taxas de cobertura de qualquer vacina costumam se relacionar com a percepção do risco oferecido pela doença que ela combate.
"Quando ninguém debatia a imunização de crianças contra a covid-19 e as pessoas estavam em pânico diante de uma doença desconhecida, as pesquisas apontavam que cerca de 90% dos brasileiros queriam se vacinar", relembra Isabella Ballalai. "E, de fato, esses 90% se vacinaram, ao menos com as duas primeiras doses."
Na sequência, veio o resultado esperado com a imunização: o risco de quadros graves de covid-19 despencou. E o povo, então? Desencanou. "Deixando de sentir medo de morrer por causa dessa infecção, muitas pessoas nem sequer tomaram as doses de reforço", observa a pediatra.
Até aí, ela está falando da vacinação de adultos. Agora imagine a situação das crianças, cujo ponto de partida já foi diferente. A percepção de haver um perigo para a saúde delas nunca existiu direito. Isso porque tudo o que a gente ouviu e saiu repetindo aos quatro ventos foi que elas eram o grupo de menor risco. E, veja, não era mentira.
"Mesmo que a vacina tivesse sido aprovada para crianças logo no início, não haveria doses para todo mundo", justifica a doutora Isabella. "Na hora de priorizar, o número absoluto de casos graves era de fato maior em adultos mais velhos."
Agora, porém, os pais se sentem perdidos, sem compreender por que lá atrás disseram que seu filho tinha um risco menor e hoje pedem para levá-lo correndo ao posto. "Algo deu errado, porque não foi passada a mensagem que um risco menor do que o dos idosos, por exemplo, nunca foi um risco zero. Aliás, nem sequer um risco pequeno." Verdade.
A covid-19, sozinha, mata mais crianças no Brasil do que todas as infecções contra as quais existem vacinas juntas. E esse cálculo não sai da minha cabeça, nem da cabeça da minha entrevistada. Muito menos tem a ver com quem gosta de sicrano ou de fulano no lado oposto. Ele é feito em cima de números fornecidos pelo próprio Ministério da Saúde. Portanto, números oficiais do governo federal, colhidos desde o início da pandemia.
Apesar disso, de acordo com a pesquisa da Fiocruz, que ouviu 15.297 pais e responsáveis pelo país, 46,7% deles acreditam piamente que uma criança nunca ou quase nunca desenvolve formas severas da infecção pelo Sars-CoV-2.
Confiança nas autoridades
Há, ainda, dados indicando que um fator decisivo em qualquer lugar do mundo para alguém dar ou deixar de dar uma vacina em seu filho é o discurso das autoridades públicas. Para o bem ou para o mal.
Então, se a gente quer mesmo saber o que aconteceu no Brasil para aumentar a hesitação dos pais em uma virada de ano, basta lembrar que, em janeiro de 2022, houve uma audiência pública sobre a inclusão de crianças entre 5 e 11 anos na campanha de vacinação contra a covid-19.
Parênteses para um comentário da doutora Isabella: "Nenhuma outra vacina que está no calendário infantil — contra sarampo, meningite, o que for — foi alvo de uma audiência pública". Ora, ora, quem é pai ou quem é mãe naturalmente ficou ressabiado ao ver o estardalhaço inédito.
Não bastasse criar a audiência, o governo chamou ilustres representantes do movimento antivacina para discursar. E eles, quase como convidados de honra, se esforçaram para dizer não apenas que o imunizante era perigoso, como se esmeraram em tentar destruir de vez a percepção do risco de uma doença grave no público infantil.
"Vale repetir: o número de mortes em crianças, ignorado por aquelas pessoas, eram do próprio governo", reforça Isabella Balallai. "Foi um espetáculo de incoerência." E a incoerência é um ruído capaz de deixar qualquer um zonzo.
Medo infundado de miocardite em crianças
Para complicar, o imunizante da Pfizer aprovado para a faixa etária infantil foi alvo de fake news sob medida para aterrorizar os pais que ficaram em dúvida sobre o que fazer.
"Na própria audiência pública, mencionaram casos de miocardite",relata a doutora Isabella. Só que os raríssimos casos de miocardite associados a esse imunizante, além de leves, ocorreram em rapazes entre 14 e 24 anos, segundo a médica.
A verdade é a seguinte: até hoje, em 2023, não há um único registro de miocardite em crianças que tenha sido provocada pela vacina. Mas a mentira colou. Tanto que, no estudo da Fiocruz, a imagem falsa de que o imunizante seria muito mais seguro para adultos do que para os pequenos serviu para explicar por que, entre aqueles pais que ainda não tinham vacinado os seus filhos, mais de metade havia completado o próprio esquema vacinal.
Dá para desfazer tantos nós?
"Atualmente, é na faixa etária abaixo dos 11 anos que os casos graves de covid-19 continuam crescendo, enquanto vêm caindo em adolescentes e adultos", conta Isabella Balallai. Mas ela acredita que o cenário poderá mudar.
"Para que que haja uma reação, a primeira medida precisa ser uma campanha de comunicação forte sobre os riscos da doença, levando os pais a entenderem os números que ficaram embaralhados em suas cabeças", opina.
Apenas um pensamento reacende a minha angústia, o da fadiga de tudo. Segundo a tal pesquisa da Fiocruz, neste momento dois em cada cinco brasileiros afirmam que já não prestam atenção em qualquer notícia ou informação sobre a covid-19. Daí que escrevo estas linhas sem tanta certeza de que chegarão em quem ainda hesita em vacinar as crianças.
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