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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Pior para a saúde: o brasileiro gasta o seu tempo de lazer diante de telas

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

23/02/2023 04h00

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O beijo na face está virando um emoji no Face. As conversas andam encolhidas para caber em um tuíte. E o dia a dia passa pelo filtro do que é e do que não é "instagramável". Mudamos — e não só pelo apego às redes sociais. Há os filmes, os livros digitais, os joguinhos, as notícias que não param de ser postadas.

Se, em pleno 2023, Chico Buarque escrevesse sua canção "Carolina", que já tem seus 56 anos, ele avisaria à moça que o tempo passou em uma tela e só ela não viu. E Carolina, nessa história, somos quase todos nós.

Segundo um estudo feito por pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e publicado há pouco no American Journal of Health Promotion, em cinco anos aumentou terrivelmente o número de brasileiros que fazem uso prolongado de telas — atenção! — no tempo que têm disponível para o lazer.

Portanto, os autores lembram que é um tempo em que as pessoas teriam liberdade para escolher qualquer outra coisa. Ora, eles não se referem ao computador no qual a gente precisa trabalhar durante o expediente, nem ao tablet que entrou no lugar do caderno para alguns universitários.

A tela, aqui, está preenchendo o horário que antes era o do chope com os amigos, o da ida ao museu ou a outro passeio qualquer, o da bola no parque, o da caminhada em um dia bonito. E por falar nisso...

O tempo de tela é considerado o principal indicador de comportamento sedentário em estudos epidemiológicos realizados no mundo inteiro. Daí que investigá-lo foi a grande intenção dos pesquisadores, comendo o mingau pelas beiradas como bons mineiros para entender o quanto vivemos parados.

Ninguém está falando em ir ou não ir à academia, em praticar ou não praticar um esporte. "Comportamento sedentário é aquele que gasta pouca energia enquanto alguém está acordado. Basicamente quando a gente fica deitado, sentado ou reclinado", define a nutricionista Pollyanna Costa Cardoso, que é doutoranda em Saúde Pública e uma das autoras do trabalho.

O tempo na tevê e em outras telas

Ela e os seus colegas checaram o quanto ficamos em frente à tevê. E isso até que não mudou tanto de 2016 para 2021, que foi o período analisado. Na verdade, o tempo médio assistindo à televisão permaneceu estável, até diminui um nadica, indo de 2,3 para 2,2 horas por dia.

No entanto, o período em que ficamos nos divertindo em outras telas — celular, computador e tablet, no caso, que foram considerados à parte — saltou de 1,7 para 2 horas diárias, em média, nesses mesmos cinco anos.

Para chegarem a esse resultado, os pesquisadores fizeram um trabalho impecável. Observaram o uso de telas durante o lazer de nada menos do que 265.252 adultos de todas as capitais brasileiras mais o Distrito Federal.

Vale eu chamar a atenção para a idade, todos acima de 18 anos. Ou seja, aqui não está se levando em conta a criançada grudada no sofá brincando de videogame, nem os adolescentes trocando mensagens e gravando um TikTok. Podemos imaginar que a situação seria até mais grave entre eles.

Por fim, o dado mais impressionante do estudo da UFMG, talvez: a proporção de pessoas adultas que gastam três horas ou mais do seu lazer em telas de computador, celular ou tablet saltou de 19,9% para 25,5%. É um tempo, de tão longo, perigoso.

Qual o limite para a saúde?

"Os estudos que monitoram o tempo de tela no lazer geralmente consideram um limite de duas ou três horas por dia", conta Pollyanna. "Mas, sendo honesta, não há ainda uma determinação clara de ponto de corte que seja baseada em alguma diretriz de saúde do que seria um tempo excessivo."

No entanto, ela mesma reconhece que há estudos apontando que a partir de três horas surgem complicações de saúde. Entre os adultos que trocam outras formas de lazer por telas durante todo esse tempo, nota-se um aumento da incidência de doenças cardiovasculares e de diabetes. E, ainda, de mortalidade por todas as causas.

Quem fica mais grudado em telinhas

O aumento do tempo de telas foi mais intenso na faixa etária dos 18 aos 34 anos e entre indivíduos com 9 a 11 anos de estudo — que talvez por causa dessa escolaridade, penso eu, tenham mais horas livres para qualquer diversão.

Os pesquisadores, porém, garantem que o aumento do tempo de telas foi observado, em maior ou menor grau, em todos os grupos sociodemográficos do país."O curioso é que os números brasileiros estão muito semelhantes aos encontrados em países de renda alta", ressalta Pollyana.

De fato, natural deduzir que atividades em frente a telas seriam muito mais frequentes nesses outros lugares, porque em princípio lá as pessoas teriam maior acesso à tecnologia e mais dinheiro para consumi-la. Mas não! "Parece que isso também se espalha velozmente em países com menos renda. Podemos até supor que, neles, as pessoas recorrem às telas por falta de alternativas de lazer."

O empurrão da pandemia

Agora, Pollyana Cardoso está analisando os dados para publicar um novo estudo, visando mensurar o impacto do confinamento exigido pela covid-19. Ela deve comparar o tempo diante de telas que seria esperado pelo andar da carruagem, por assim dizer, com o que realmente aconteceu nos anos de 2020 e 2021, em plena pandemia.

"Já vínhamos percebendo mudanças na forma como as pessoas se relacionam e consomem entretenimento tornando o uso de telas ser cada vez mais forte", sublinha a pesquisadora. "A pandemia apenas potencializou esse fenômeno."

Para ela, a situação se torna cada vez mais preocupante. "É consenso que o comportamento sedentário, aquele que temos diante de telas, é o principal fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis. Sem contar que vem disparando, também, problemas de saúde mental, como a depressão."

Para minimizar os danos

Pollyanna Cardoso cita a recomendação do Guia de Atividade Física para a População Brasileira, do Ministério da Saúde. "O ideal é estabelecer intervalos de 5 minutos a cada hora de comportamento sedentário. Ou seja, se você está sentado ou deitado assistindo à tevê ou diante de outras telas, pare a cada hora por cinco minutos para fazer uma atividade física leve." Pode ser simplesmente levantar-se para esticar o corpo e pegar um copo de água. Enfim, caminhar um pouco.

"Mas há também evidências, se a gente olhar para a literatura científica, sugerindo que 2 minutos e meio de uma atividade física de moderada a vigorosa — isto é, mais intensa — por cada hora de comportamento sedentário reduziria muito o risco de mortalidade por todas as causas", acrescenta a pesquisadora.

Sendo assim, faça as contas: quem fica três horas ou mais vidrado em telas, como um em cada quatro brasileiros de acordo com o estudo da UFMG, deveria suar a camisa por 7 minutos e meio, ou mais até.

Vale, por exemplo, calçar o tênis e correr para olhar o mundo lá fora do celular, do tablet ou do computador — onde, quem sabe "uma rosa nasceu, todo mundo sambou, uma estrela caiu".