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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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DPOC: os pulmões sofrem cada vez mais cedo e ninguém reconhece os sintomas

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

06/03/2023 04h00

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A tosse e o pigarro insistindo em expulsar o excesso de expectoração empacado na garganta até que são sintomas conhecidos. E, se aparecem em uma pessoa com mais de seus 40 e poucos, 50 anos que fuma ou que fumou a vida inteira, fica até fácil associá-los à doença pulmonar obstrutiva crônica, que os médicos costumam chamar pela sigla DPOC.

"No entanto, esse é um problema que aparece cada vez mais em adultos jovens que nunca acenderam um único cigarro na vida", nota o pneumologista Marc Miravitlles, professor e pesquisador do Hospital Vall d'Hebron, em Barcelona, na Espanha, com quem tive um encontro durante sua visita recente a São Paulo.

Não foi sua primeira vinda ao Brasil. Por aqui, como em outros países, o cientista catalão já colaborou em diversas pesquisas. Autor de 972 publicações sobre o tema — número que logo mais terá de ser atualizado, já que só no ano passado ele escreveu 22 artigos —, Miravitlles é o principal responsável pelas diretrizes europeias sobre DPOC.

Crescendo na surdina, a doença pulmonar obstrutiva crônica deve se tornar a terceira maior causa de morte no mundo até 2030. Nem é preciso enxergar longe: no Brasil, dizem, já mata uma pessoa a cada 15 minutos e rouba a qualidade de vida de milhares de indivíduos que, muitas vezes, nem sequer receberam o seu diagnóstico. Até porque nem sempre se encaixam naquele perfil de fumantes mais velhos que deixaria os médicos de orelhas em pé.

Sem tossir com frequência nem pigarrear por aí, jovens e, em especial, mulheres sentem o cansaço bater forte durante qualquer esforço. Os pulmões parecem sair pela boca se é preciso subir alguns lances de escada quando falta luz no edifício. Ou a respiração fica curta se é necessário acelerar o passo para não perder um compromisso.

Em cenas assim do dia a dia, o fôlego reduzido pode ser resultado de várias outras coisas. O problema é que nós pensamos primeiro em todas elas — como o sedentarismo que prometemos abandonar a cada segunda-feira ou os quilos a mais — e quase nunca cogitamos examinar os pulmões.

"Se alguém se cansa em situações cotidianas, o certo seria procurar um médico e fazer uma prova de função pulmonar", avisa Marc Miravitlles. "Pode não ser nada. Mas pode ser, também, uma DPOC em estágio inicial e essa possibilidade precisa ser descartada."

Só que o flagrante precoce é um desafio em todos os cantos. Com falta de ar, é mais provável o indivíduo correr ao cardiologista e checar o coração, deixando seus órgãos vizinhos de lado.

Além do cigarro convencional

"Na América Latina, a doença pode surgir em mulheres que têm o hábito de cozinhar no fogão a lenha, o que ainda é bastante frequente em lugares do interior", comenta o professor.

Mas há outras fumaças castigando os pulmões. A da poluição atmosférica das grandes cidades é uma delas — e o fato de viver em uma metrópole onde o trânsito de veículos é constante ou na proximidade de indústrias deveria nos colocar mais alertas, prestando atenção no fôlego.

O cigarro eletrônico, cada vez mais usado pelos jovens, é mais um a entrar na lista de suspeitos. Até o momento, os estudos não garantem que ele cause DPOC, mas com certeza é capaz de agravar o quadro de quem a tem e muitas vezes nem desconfia.

"Por fim, as infecções de repetição na infância são um fator de risco.", conta Miravitlles. Ele logo explica o porquê: "Por causa delas, os pulmões podem não alcançar o seu pleno desenvolvimento. Daí, na idade adulta, a pessoa talvez fique com pulmões menores e literalmente mais vulneráveis."

Pior para as mulheres

Em matéria de pulmões e risco de DPOC, tamanho às vezes é documento. Principalmente entre fumantes, os donos de pulmões pequenos desenvolvem mais a doença.

"Nas mulheres, por exemplo, esses órgãos são menores e muitas delas fumam tanto quanto os homens", observa Miravitlles. "Então, imagine: um maço de cigarro por dia faz muito mais estrago em um pulmão de 3 litros de volume do que em um pulmão de 5 litros, onde a fumaça e suas substâncias tóxicas ficam menos concentradas."

Mesmo quando a capacidade pulmonar é equivalente, se você compara homens e mulheres, elas sempre parecem ter mais sintomas de DPOC: mais tosse, mais expectoração e mais queixas relacionadas ao impacto na qualidade de vida. Segundo o professor, ninguém sabe se a causa dessa diferença é meramente psicológica ou se há fatores hormonais envolvidos.

No entanto, os estudos informam que, se um homem sente falta de ar, é mais provável que os médicos diagnostiquem a DPOC. Já nas pacientes mulheres, eles costumam confundir a doença com asma.

O que acontece com os pulmões

O problema de tanta fumaça — da lenha, da poluição atmosférica, dos cigarros — é que ela vai inflamando os minúsculos tubos por onde o ar passa dentro dos pulmões para descarregar o gás carbônico e pegar o oxigênio. São os brônquios e os bronquíolos.

A inflamação constante é capaz de estreitá-los e, depois, deformá-los. Fica cada vez mais complicado para o ar, então, entrar e sair. Ainda mais que, em uma reação de defesa diante da agressão crônica, a produção de muco, o popular catarro, aumenta sem parar, deixando os caminhos obstruídos de vez.

Isso — que faz parte do quadro de DPOC — é o que as pessoas costumavam chamar de bronquite crônica. Com o tempo, há o enfisema: o pulmão se torna envelhecido e flácido. Encher-se e esvaziar-se passa a exigir um enorme esforço. E, carente de oxigênio, o corpo inteiro sofre.

O que está ao nosso alcance

Respirar ar puro é algo que, infelizmente, não é possível em muitas cidades desse mundo tão poluído. Mas cessar o tabagismo e não cair no engodo de que cigarros eletrônicos são inocentes é uma recomendação, diria, até mesmo óbvia.

Outra seria a gente não minimizar o cansaço ou, vá lá, pensar também nos pulmões ao sentir dificuldade momentânea para respirar, em vez de simplesmente deduzir que as causas são outras.

"A DPOC decididamente não é uma doença silenciosa", afirma Marc Miravitlles. "Ela sempre tem sintomas, mesmo que sejam mais brandos no início. O que acontece é que as pessoas os ignoram ou, quando correm em busca de ajuda, o próprio médico é capaz de menosprezá-los. Com isso, a doença é detectada cerca de dez anos após suas primeiras manifestações."

Daí, a oportunidade de flagrar a DPOC enquanto engatinha é perdida. Isso, aliás, quando no meio do caminho não se desperdiça um tempo precioso com tratamentos errados — por exemplo, para controlar a asma em uma mulher com doença pulmonar obstrutiva crônica. É o que acontece em até 60% dos casos: uma prescrição equivocada antes de se chegar ao diagnóstico correto.

E, como não há remédio para regenerar o pulmão — a combinação de broncodilatadores, antiinflamatórios e outros medicamentos apenas impedem o avanço do problema —, o fôlego perdido não volta. Esta aí a importância de agir cedo.

Aliás, também é fundamental que a pessoa diagnosticada siga o tratamento com bastante disciplina pelo resto da vida. "Infelizmente, metade não faz isso e interrompe a medicação quando melhora", repara o professor Miravitlles.

Para ele, em parte isso acontece por serem medicamentos inaláveis. "As pessoas parecem achar que um remédio inalável é menos importante", é a sua opinião.

No caso da DPOC, a inalação — que hoje combina drogas e pode ser feita uma ou duas vezes ao dia, enquanto no passado chegava a ser de quatro em quatro horas — garante que os medicamentos alcancem onde interessa em doses concentradas, isto é, os pulmões, sem se espalharem da cabeça aos pés. Isso é seguro e muito eficaz para sustentar o que resta de fôlego pelo resto da vida. A questão é reconhecer a sua necessidade, ou seja, reconhecer que é um caso de DPOC.