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Vitamina D: brasileiros têm deficiência mesmo em pleno sol do verão
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Era de se esperar que, em países de clima mais ameno, as pessoas até pudessem carecer de vitamina D. Mas aqui, no ensolarado Brasil, guiando-se pelo que dizem os livros de Medicina, quem poderia imaginar uma coisa dessas acontecendo em uma grande proporção de indivíduos jovens e saudáveis?
Pois bem: a surpresa é que, de acordo com um novo estudo, mais de metade dos brasileiros entre 18 e 45 anos, ou 50,7%, têm índices de vitamina D deixando um bocado a desejar, enquanto 15,3% apresentam deficiência pra valer, podendo pagar com a saúde o preço dessa falta.
Ao contrário de outras substâncias que merecem a alcunha de vitamina e designadas por diferentes letrinhas, as quais o corpo da gente não consegue produzir sozinho de jeito algum, a "D" pode ser sintetizada pela pele sob os efeitos da radiação solar. Aliás, a maior parte do que o nosso organismo dispõe vem dessa produção, e não do prato.
Saber disso desde que ela foi descoberta em 1916 — quando se notou que o sol ajudava a tratar o raquitismo e que isso, na verdade, acontecia porque faria os níveis dessa molécula voltarem ao prumo — sempre foi uma espécie de salvo-conduto para os brasileiros. Achava-se que, em matéria de vitamina D, eles não teriam por que esquentar a cabeça em uma terra que, ora, ora, é justamente tão quente.
Mas não é isso que o trabalho publicado no Journal of the Endocrine Society nos diz. Assinado por pesquisadores de quatro instituições do país — a Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a UFPR (Universidade Federal do Paraná), o Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz da Fiocruz Bahia e a Fundação Irmã Dulce —, ele analisou as dosagens de vitamina D no sangue de nada menos do que 1.029 adultos, moradores de São Paulo, Curitiba e da escaldante Salvador.
Será que a situação não seria até pior?
É o que me pergunto quando a endocrinologista Marise Lazaretti Castro, professora da Unifesp, conta como foi a pesquisa, da qual ela é um dos autores.
Considerada uma das maiores especialistas em doenças osteometabólicas do país — e a gente sabe que ossos fortes dependem de vitamina D —, ela se confessa apaixonada por essa substância que, no corpo, age como um hormônio.
" Até há uns 15 anos, nós nem sequer tínhamos um método para dosá-la no país. Mais uma vez, porque se pensava que, como temos bastante sol, no Brasil não seria comum encontrar casos de deficiência", explica a médica, que atribui o resultado da investigação recente a uma grande mudança de comportamento.
"As pessoas passam cada vez mais tempo em ambientes fechados", constata. E, claro, ela lembra que o período de confinamento por causa da pandemia pode ter agravado o cenário.
O fato é que Marise e seus colegas, incluindo o epidemiologista Edson Duarte Moreira Júnior, da Fiocruz na Bahia, resolveram checar a situação, sem se acomodarem na velha confiança no sol sobre nossas cabeças. Para isso, tomaram uma série de cuidados. Um deles foi escolher cidades em regiões diferentes — uma no Sul, outra no Sudeste e outra, ainda, no Nordeste.
"É que a latitude faz diferença na radiação solar", esclarece. "A exposição e consequentemente os níveis de vitamina D tendem a ser maiores quanto mais próximos estamos da Linha do Equador."
Outro zelo foi selecionar pessoas saudáveis, para ninguém sair dizendo que a proporção de gente com deficiência teria a ver com alguma doença. Por isso, a ideia foi buscar participantes nos bancos de sangue. Faz sentido. Em princípio, pessoas que doam sangue estão muito bem, passam por um questionário para avaliar o estado geral e ainda fazem exames para afastar a existência de doenças.
Finalmente, um detalhe dos mais importantes: os pesquisadores fizeram questão de realizar as dosagens bem no meio do verão. "É quando a vitamina D está mais alta na corrente sanguínea", justifica a professora Marise. Ou seja, os dias nublados não são desculpa para os números que o estudo acabou encontrando. Eles revelam o retrato da melhor das hipóteses.
"Para nosso espanto, mesmo em pleno verão, um quinto dos paulistanos tinham concentrações de vitamina D abaixo de 20 nanogramas por mililitro de sangue, que é o limite mínimo do que consideramos saudável", diz ela.
Em mais de metade dos moradores de São Paulo, ou 52%, a vitamina D estava abaixo do ideal, isto é, havia menos de 30 nanogramas por mililitro de sangue — uma condição de insuficiência, não tão ruim quando a deficiência em si, mas que já chama a atenção.
Em Curitiba o índice de insuficiência ficou nos mesmos 52% e o de deficiência foi de 12%, um pouco menor. "Provavelmente, em São Paulo as pessoas estejam caminhando ainda menos ao ar livre", pondera a professora. Já em Salvador, com todo aquele sol iluminando a Baía de Todos os Santos e fazendo ferver o Carnaval, inacreditavelmente 12% da população também estão com deficiência, que é mais grave, enquanto 47% têm insuficiência.
No fundo, cá entre nós, os números são parecidos. E no inverno, calculam os pesquisadores, devem piorar uns 10%. Ou seja, o cenário é mais nebuloso para a saúde conforme a estação.
Note que a pesquisa não considerou idosos, cujo organismo produz menos vitamina D por natureza. Daí que a vida real, fora de sua seleta amostragem, pode ser bem mais sombria.
Quem precisa de suplementação?
Está aí outra pergunta inevitável, vendo esses resultados. "Você não sente nada quando a vitamina D está aquém do desejado, a não ser que ela esteja muito baixa, aumentando o risco de fraturas, reduzindo a força muscular e eventualmente até prejudicando o sistema imunológico", ensina a professora. Então, bom mesmo ficar esperto.
As fontes alimentares para reverter um quadro de carência, nas palavras da endocrinologista, são muito escassas. "Não podemos depender da alimentação para garantir a vitamina D e isso é um fato", afirma.
No entanto, segundo ela, se alguém joga futebol todo final de semana sem camisa, vai para a praia ou para piscina, caminha até o trabalho por mais de 20 minutos — para dar algumas situações cotidianas como exemplo —, ele não vai precisar tomar suplemento de vitamina D. Ponto. Lá do alto, afinal, a radiação solar não anda mais fraca, muito pelo contrário.
"Quem precisa de suplementação é aquela pessoa que permanece mais dentro de casa ou em outros ambientes fechados, que mal fica ao ar livre", acredita a professora. "Ou, ainda, quem tem alguma contra-indicação para tomar sol, como um risco mais elevado de câncer de pele, e que vive com bloqueador solar por causa disso."
A médica faz questão de incluir na lista os indivíduos acima dos 60, 70 anos: "Se encontramos 20% de jovens adultos com deficiência de vitamina D, isso acontece com 56% dos idosos, de acordo com outros estudos".
Em geral, vale notar, mulheres têm maior risco de insuficiência ou deficiência de vitamina D porque não saem sem camisa por aí, para começo de conversa. A área de pele exposta, especialmente se o banho de sol não é dos mais prolongados, faz diferença.
Pessoas com obesidade também merecem atenção. Existem evidências de que os níveis de vitamina D encontrados em sua circulação tendem a ser menores do que os de pessoas com peso normal. Em parte por questões culturais: quem acumula gordura é vítima de gordofobia e cobre mais o corpo diante de olhares alheios. "Sem contar que a vitamina D é lipossolúvel e, por isso, o tecido adiposo pode sequestrá-la do sangue", acrescenta Marise.
Por fim, um outro trabalho da professora que ainda não foi publicado, embora tenha sido apresentado em congresso, avaliou mais de 400 mil dosagens de vitamina D em crianças em adolescentes. "A conclusão é de que, hoje em dia, a adolescência se torna mais uma faixa de risco para a deficiência dessa substância." Péssima notícia, já que essa é uma fase crucial para a formação da massa óssea, processo que depende da vitamina D.
Sem exagerar na dose
Mesmo nos casos em que a suplementação é aconselhável, nada de exageros. "O grande problema é que o pessoal toma vitamina D além da conta, o que também não é legal. E, infelizmente, ela é vendida sem prescrição", diz Marise.
Para pessoas que não tomam um pouco de sol todos os dias, especialmente se pertencem aos grupos de risco de deficiência já mencionados, o certo seria fazer a reposição de uma dosagem adequada da vitamina, aquela que a pele produziria de boa se ficasse exposta aos raios. "Isso costuma ser algo entre 800 e 1.000 U.I. (unidades internacionais) diárias, não mais do que isso", informa a endocrinologista, para dar uma noção.
O bacana mesmo seria você ir ao médico para dosar a sua vitamina D e receber a devida orientação, antes de sair comprando cápsulas por conta própria. E, por falar em sair, já sabe: aproveite e sinta por alguns instantes o sol bater na pele.
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