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Gripe: um bom motivo para você se vacinar é evitar infarto e AVC
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Se lhe perguntam o que alguém deve fazer para evitar um infarto ou um AVC, você logo pensa em dieta equilibrada e exercício —errado não está.
Se for um pouco além, vai se lembrar que algumas pessoas de fato precisam abrir a caixinha de remédios onde estão anti-hipertensivos, estatinas para reduzir o colesterol, antiplaquetários para evitar coágulos e outros comprimidos. E, de novo, resposta certa. Sim, certa —mas incompleta.
Graças a um conjunto de estudos recentes — entre eles, um chamado VIP-ACS, realizado por pesquisadores do ARO (Academic Research Organization) do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo—, não há dúvida de que, nesse pacote de medidas, a vacina da gripe é imprescindível. Isso mesmo, imprescindível.
Ao tomá-la, você não está apenas se protegendo de uma infecção respiratória que pode se tornar bem grave em alguns casos. Preste atenção no recado precioso: vacinar-se contra o influenza é, também, evitar a ruptura de uma placa em uma artéria do coração, capaz de causar estragos por ali mesmo ou formar coágulos que viajarão até o seu cérebro.
"Todos que já apresentam algum fator de risco cardiovascular devem buscar essa vacina", opina, seguro, Henrique Fonseca. Doutor em Cardiologia, com pós-doutorado em imunofisiopatologia, ele lidera as pesquisas clínicas sobre doenças infecciosas, vacinas e imunobiológicos no Einstein e é um dos autores do estudo publicado no European Heart Journal.
Esmiuçando os candidatos à vacinação contra a gripe sob a ótica da saúde cardiovascular, ele se refere, por exemplo, a quem tem hipertensão, diabetes tipo 1 ou 2, colesterol alto, histórico familiar de encrencas no coração —especialmente se os parentes tiveram problemas cedo, com menos de 50 anos—, indivíduos com insuficiência cardíaca ou com doença renal e, claro, todo mundo acima dos 60 anos.
O que o influenza tem a ver com suas artérias
A desconfiança é antiga. Eram ainda os anos 1890 quando o prestigiado British Medical Journal publicou relatos de casos de pessoas que, depois terem ficado gripadas, apresentaram um quadro de angina, a dor no peito. "Provavelmente, infartaram", comenta Fonseca.
Quase um século depois, entre os anos 1980 e 1990, surgiram alguns estudos apontando que indivíduos vacinados contra o vírus influenza tinham menos eventos cardiovasculares do que os não vacinados.
Mas por que raios isso aconteceria? "A resposta só começou a ficar clara lá pelo final dos anos 1990", conta o pesquisador. Foi então que a ciência passou a entender melhor a formação da amaldiçoada placa de aterosclerose. "Ela acontece por causa da resposta das nossas células de defesa ao LDL", diz ele.
O LDL, para que ninguém confunda as letrinhas, é aquele que é conhecido por "colesterol ruim" na boca do povo. A má fama é por uma vocação para se depositar nas paredes dos vasos. Se ficasse só por ali, derramado e à toa, menos mal. Mas digamos que, quando está em grande quantidade no sangue, o LDL se modifica.
"O nosso sistema imunológico, por sua vez, tem o papel de perceber tudo que está errado no organismo, recolher e tirar fora", lembra Henrique Fonseca. Portanto, segue esse protocolo diante do LDL que se tornou esquisito. Só que não dá tão certo.
Agindo ali na parede do vaso, os macrófagos, aquelas células de defesa que engolem e destroem o que é estranho ao organismo —ou melhor, que fagocitam, usando o termo cientificamente correto—, não têm enzimas para degradar aquilo.
"Então, chamam mais células imunológicas porque deu problema", descreve o pesquisador. "E, em vez de isso ajudar, atrapalha ainda mais."
Cria-se um círculo vicioso, com mais e mais células inflamatórias entrando naquele espaço na parede do vaso e elas também acabam clamando por ajuda.
Resultado: o que a gente chama de placa é uma mistureba de moléculas de LDL, células imunológicas causando inflamação, células de coagulação, cálcio fixando minimamente a placa no lugar. Naturalmente, aquele pedaço vai ficando cada vez mais cheio.
Tudo piora de vez quando chega o influenza e se, ainda por cima, ele parece um completo estranho, um vírus que seu corpo nunca viu mais gordo, nem mais magro.
Ora, mesmo que você tenha pegado uma gripe no ano anterior, o vírus da vez já não será o mesmo. "Ele sofre mutações muito rápido e é por isso que tomamos todo ano a vacina, que é sempre formulada a partir de sua mais nova versão", explica o pesquisador.
Sem essa imunização que leva em conta o influenza repaginado, as células imunológicas que estão na placa se inquietam além da conta. Ficam, melhor dizendo, hiperativadas. Aí, se duvidar, pegam até aquela molécula de LDL de passagem na corrente sanguínea que nem modificada estava.
"Imagine um lugar cada vez mais lotado em que chega um louco e inicia uma briga, fazendo todo mundo correr para todos os lados", compara Fonseca. "É mais ou menos assim: na confusão, sem caber mais nada, parte da placa extravasa e vai obstruir uma coronária ou uma artéria do cérebro." Esse caos pode se chamar infarto. Ou pode se chamar AVC.
O que o estudo mostrou
Seria possível melhorar ainda mais a resposta à vacina em prol da saúde cardiovascular? Cientistas de vários cantos do mundo começaram a se fazer essa pergunta.
Com isso em mente, os americanos realizaram o estudo INVESTED, utilizando uma vacina licenciada nos Estados Unidos com uma dosagem quatro vezes maior do que a normal, na formulação trivalente. Eles a aplicaram em pacientes idosos com alto risco cardiovascular, que tiveram algum problema prévio.
Vale ressaltar que esta vacina de alta dose chegou esta semana ao Brasil, em sua formulação quadrivalente, e estará no mercado privado a partir de abril.
"Já aqui, no estudo do Einstein, a ideia foi: como seria dar a vacina em dose dobrada naquele indivíduo que acabou de sofrer um infarto, independentemente da sua idade?", conta Fonseca.
Para isso, acompanharam ao longo de 12 meses 1.801 pacientes com mais de 18 anos. Na primeira semana após o evento cardiovascular, durante a internação, metade dos participantes tomou uma dose de vacina em cada braço. Não por nada: se fosse o dobro na mesma picada, reações como dor no local da aplicação seriam mais chatas.
O restante dos pacientes recebeu a vacinação padrão —ou seja, uma dose só— 30 dias após a alta. E o que se viu? "O resultado foi neutro", diz Fonseca. Em outras palavras, não se notou diferença entre dobrar ou não dobrar a dose. Todos os indivíduos se mostraram bem mais protegidos de más surpresas para o coração em relação ao que se tem de dados sobre aqueles que não se vacinaram.
A pesquisa americana citada foi realizada na mesma época e também concluiu que, para o coração, tomar a vacina com uma dosagem quatro vezes maior não traz vantagem extra. As vacinas contra a gripe protegem as artérias do mesmo jeito, o que é ótimo saber.
"As pessoas esperam respostas rebuscadas, como se tudo o que é complexo fosse mais importante", acredita Fonseca. "Mas o que a ciência mostra é que, para prevenir eventos coronarianos —além dos cuidados com o estilo de vida e com a medicação, se foi prescrita—, você precisa simplesmente se vacinar contra a gripe, valendo qualquer vacina contra o influenza em qualquer tempo."
Existe um período ideal?
O estudo brasileiro também não viu diferença entre quem tomou a vacina até o mês de julho no período de análise —que foi entre 2019 e 2020— e quem teve o problema cardiovascular e se vacinou depois desse mês.
Explico: em algumas regiões do país, como no Sul e no Sudeste, a gripe tem uma sazonalidade clara, sendo mais frequente quando o inverno se aproxima. Daí que, no Brasil, a campanha de vacinação contra o influenza costuma ser em março. No Norte, porém, esse vírus às vezes faz a festa em pleno verão.
Olhando apenas para as coronárias, em princípio vacinar-se em qualquer mês já ajuda bastante. "Mas claro que, até pensando no quadro respiratório, o ideal seria fazer isso o quanto antes, sempre que for lançada a vacina formulada com os vírus que devem circular mais naquele ano", diz Fonseca. Ou seja, ao chegar a vacina de 2023 em março, por que deixar para receber a picadinha em abril?
"Tomei vacina e fiquei gripado mesmo assim"
Quem nunca ouviu alguém dizendo isso? Não vou entrar no mérito se os sintomas gripais foram provocados pelo influenza pra valer, se ele agiu antes de o imunizante fazer efeito, se os culpados são outros vírus respiratórios.
"Mesmo que apareçam sintomas gripais por qualquer motivo, eles não são nada dolorosos perto de ficar hospitalizado, morrer ou quase morrer de infarto, permanecer na cama depois de um AVC ou ter a qualidade de vida prejudicada pela insuficiência cardíaca", reflete Henrique da Fonseca.
Recado dado: pelo seu coração, use a razão.
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