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Alimentação sustentável: será que você sabe o que sua saúde ganha com isso?
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O que seria um prato saudável? A ideia na cabeça de muita gente é mais ou menos assim: ele teria fontes de proteínas, carboidratos, gorduras, minerais, vitaminas e fibras. Essa imagem, que tem lá seus acertos, é um clássico! Ou seja, uma refeição com bocados de todos aqueles nutrientes de que o corpo precisa.
E, se quer caprichar na resposta, acrescente que, nesse seu prato saudável, tudo estaria naquele equilíbrio perfeitinho de uma pirâmide alimentar.
Mas, em pleno 2023, quando a receita do mundo ameaça desandar graças ao tempero amargo da humanidade, é necessário fazer outra pergunta: será que isso basta?
Com mudanças climáticas, desnutrição e obesidade — tudo junto e misturado, no fenômeno que os cientistas chamam de sindemia, um conjunto de problemas de saúde intimamente interligados —, não, isso não basta. Falta algo aí, nesse prato.
"Quando olhamos para a comida, precisamos pensar sobre a forma como ela foi produzida, transportada, distribuída. E lembrar até mesmo das perdas e dos desperdícios", ensina a nutricionista Aline Carvalho, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo). Em outras palavras, a sustentabilidade precisa estar à mesa se buscamos uma alimentação capaz de nos fazer bem.
Ao propor essa reflexão, a nutricionista nos apresenta o conceito de sistemas alimentares sustentáveis, que também tem a ver com a prevenção dos problemas cardiovasculares, do câncer e da obesidade já mencionada com sua penca de doenças associadas.
Aline Carvalho sabe do que está falando. Em 2012, durante o mestrado, estudou o consumo de carne na população de São Paulo. Foi quando começou a prestar atenção em trabalhos que falavam do impacto desse hábito no meio ambiente. Daí, naquele mesmo ano, surgiu o projeto "Segunda sem Carne" nos bandejões da Faculdade de Saúde Pública da USP.
"Bem, não era toda segunda-feira, mas uma vez por mês a carne não era servida no refeitório", conta. Teve, claro, quem se queixasse da falta do bife. Mas, no final do ano letivo, quando indagaram se as pessoas tinham reduzido o consumo de carne depois daquela ação, 40% disseram que sim.
Na faculdade, a iniciativa se transformou na semente do Núcleo de Extensão Sustentarea, hoje coordenado pela própria Aline, depois de passar uma temporada fazendo um pós-doutorado em sustentabilidade na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.
Nem ela, nem o Sustentarea ficaram só na carne de vaca. O núcleo trata de sistemas alimentares e suas relações com o meio ambiente. E, nos próximos dias 13 e 14 de abril, em parceria com a WWF-Brasil, está organizando um evento híbrido — on-line e presencial — sobre esse tema.
Esse primeiro encontro focará nos desafios de quem vive nas regiões Sul e Sudeste para comer bem e de maneira sustentável. Mas acontecerão outros pelo país. "O objetivo é promover debates e propor soluções para as diversas regiões", explica Raquel Tupinambá, analista de conservação do WWF Brasil.
Bióloga, com mestrado em botânica, cursando agora o doutorado em Antropologia na UnB (Universidade de Brasília), ela carrega o seu povo no nome. Preciso fazer uma pausa para saborear: é a primeira vez que, escrevendo sobre saúde, entrevisto uma pesquisadora indígena. Sinto um gosto de esperança.
Quatro pedaços de Brasil
Na convivência com a comunidade científica internacional, Aline Carvalho não digeria bem a expressão "o sistema alimentar no Brasil", como se fosse um só. "Temos um território tão imenso e regiões com características bem diferentes que seria preciso investigar o que acontecia em cada canto", justifica. E foi o que fez.
No final do ano passado, liderados pela professora, pesquisadores da USP, da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), mais uma vez em parceria com a WWF-Brasil, publicaram um trabalho na revista científica Sustainable Development.
No estudo, usando uma técnica estatística que apontou os estados mais parecidos entre si em relação a 46 indicadores, o país acabou dividido em quatro grupos.
No Brasil do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul, de Goiás, do Tocantins, de Rondônia e do Acre — onde há o cerrado, o pantanal e uma transição para a Floresta Amazônica —, o maior problema são os desmatamentos e outros impactos ambientais do agronegócio para produzir comida.
Já no segundo pedaço de Brasil, onde estão os estados do Sul e do Sudeste, o que pode estragar as refeições é o altíssimo uso de agrotóxicos e pesticidas.
No terceiro grupo ficaram os estados do Nordeste e, infelizmente, o que se viu foi muita desnutrição. Mas a insegurança alimentar é ainda maior no "quarto Brasil" dos estados do Pará, de Roraima, do Amazonas e do Amapá.
A sensação de impotência dá até um nó na barriga. Mas a professora Aline Carvalho e Raquel Tupinambá garantem: individualmente, nas nossas casas, podemos fazer muita coisa. Evitar o desperdício é condição essencial, claro. Mas, aqui, vão outras três sugestões.
Reduzir o consumo de carne bovina
Se para dar conta do nosso apetite for preciso criar muito gado, os gases liberados pelos animais contribuirão à beça para o efeito estufa. "A quantidade maior de gás carbônico na atmosfera por causa dele prejudica o teor de nutrientes, como ferro e zinco, nos vegetais", informa a professora Aline.
Sem contar que a produção de carne exige uma área cada vez maior de terra virando pasto, usa muita água e polui os rios. Amanhã — e não muito depois — a água limpa nos fará falta.
Nossa saúde também sai perdendo, se exageramos na carne vermelha: um estudo indica que 100 gramas dela todo santo dia, algo como um bife do tamanho da palma de sua mão, já aumenta em 12% o risco de câncer no intestino, para ficar só em um exemplo.
Ninguém está dizendo para todo mundo parar de comer churrasco esporadicamente ou um bife vez ou outra no almoço. "Reduzir o consumo já ajuda bastante", garante a nutricionista. E dá uma dica: "Em vez de comer aquele medalhão enorme, por que não cozinhar um pedaço de carne menor, mas com legumes junto?"
Deixar de comer a carne pura, preparando receitas em que ela se mistura a vegetais, é uma estratégia para reduzir a porção. "Outra é variar as fontes proteicas", informa. "A carne bovina é a que tem maior impacto na natureza, seguida da suína. E você pode diminuir o consumo de ambas se alterná-las com frango, peixes, ovos..."
É possível, ainda, aproveitar a proteína vegetal do grão de bico, da lentilha, da ervilha e do feijão. "Este, ao fazer dupla com o arroz, forma proteínas de alto valor biológico", lembra a nutricionista. "Já sozinho, o feijão não precisa ser servido sempre da maneira tradicional, com caldo. Você pode, por exemplo, fazer uma espécie de tutu e grelhar na frigideira como se fosse um mini-hamburguer." Parênteses: retomar o gosto pelo fogão ajuda bastante.
Comprar frutas, legumes e verduras produzidos na sua região
Quando você prefere vegetais que crescem perto do lugar onde vive, em vez de colocar no carrinho a fruta importada ou de alguma região brasileira mais distante, está evitando levar para casa um alimento que, provavelmente, está carregado de substâncias usadas no seu cultivo para conservá-lo durante longas viagens. No seu corpo, elas não caem tão bem.
"O alimento regional, portanto, tende a ser mais saudável", diz Raquel Tupinambá. "E seu consumo também diminui o uso de transporte, que ocasiona, além de um preço mais elevado, maior poluição no ambiente."
Escolher vegetais da estação
Aline Carvalho não entende por que queremos comer morangos o ano inteiro, por exemplo, se ele costuma crescer no inverno. E o mesmo vale para qualquer outra fruta ou hortaliça que, agora, a gente encontra no mercado de janeiro a janeiro.
"Todo vegetal é adaptado para usar melhor o solo em determinado período do ano", ela explica. "Por isso, colhido na época certa, ele é mais rico do ponto de vista nutricional e muito mais saboroso." É ponto para a dieta saudável!
O planeta também ganha se a gente opta pelo que não força a barra da natureza: "A quantidade de recursos que utilizo na cultura é muito maior se quero produzir uma fruta o ano todo", observa a nutricionista.
Além disso, seguir a sazonalidade nos conduz naturalmente a diversificar a nossa cozinha. Hoje, doze alimentos — só doze! — constituem a base da nossa dieta. Isso entrega que temos um paladar muito empobrecido perto de tudo o que a natureza oferece.
As pessoas, porém, andam perdendo a noção dos tempos de plantar e colher justamente porque tudo está disponível o tempo todo. Para contornar o problema, Aline Carvalho dá dois conselhos. O primeiro deles é reparar no preço: o alimento da estação costuma sair mais barato.
O segundo é bater um papo com o vendedor. "Nos supermercados, os funcionários hoje são quase invisíveis e muitas vezes usamos até caixas automatizados", ela nota. "Precisamos recuperar aquele espírito da conversa com o feirante, perguntando o que acabou de chegar ou qual fruta estaria mais doce." Pois é: moça bonita não paga, nem faz o planeta pagar.
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