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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Ciência cria filtro solar contra o UVA ultralongo, o mais nocivo à pele

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Imagem: iStock photo

Colunista de VivaBem

20/04/2023 04h00Atualizada em 20/04/2023 11h06

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Calcula-se que 70% da radiação solar que uma pessoa recebe na vida não bateu em sua pele porque ela estava curtindo manhãs na piscina, nem feriados na praia ou domingos no parque.

Se saímos por aí sem qualquer proteção, é o sol do dia a dia o que mais conta para o aparecimento de rugas, manchas e doenças como o câncer. Sim, o que mais apronta tudo isso é aquele sol que fica sorrateiro sobre as nossas cabeças nas ruas por onde andamos ou que entra dissimulado pelas janelas.

Só que até hoje —hoje ao pé da letra, quinta-feira, dia 20— não havia no Brasil nada que nos defendesse de uma porção considerável de seus raios, que seriam mais especificamente os UVA (ultravioleta A) ultralongos. Nada mesmo.

Aliás, a tecnologia capaz de absorver essa radiação antes de ela ir fundo na pele, desenvolvida ao longo de mais de década de pesquisas pela empresa francesa L'Oréal, só foi lançada na Europa no ano passado. Batizada de Mexoryl 400, ela já rendeu seis artigos científicos em publicações de peso.

"Antes, era como se existisse um buraco por onde o sol entrava que nós não conseguíamos cobrir", faz a analogia o médico Sergio Schalka, ex-presidente da SBCD (Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica) e coordenador do Consenso Brasileiro de Fotoproteção.

Seguindo com essa ideia, vou lhe dar uma noção do "buraco": apenas uma minoria, ou 5%, da radiação ultravioleta solar que alcança a Terra são os famosos UVB (ultravioleta B). O restante, maioria absolutíssima de 95%, é UVA, ao qual a nossa pele é cerca de 20 vezes mais exposta — sendo que 30% são os tais raios ultralongos de UVA, com seus 380 a 400 nanômetros, ou seja, bilionésimos de metro.

Mas não pense que a novidade causa alvoroço apenas por essa questão de quantidade. O UVA ultralongo é também um tipinho de péssima qualidade. "Democraticamente ruim", brinca o doutor. Verdade. Faz estragos em todos e em qualquer lugar, sem dar refresco enquanto dura a luz do dia.

"Esses raios UVA incidem da mesma maneira de manhã até o final da tarde, diferentemente dos raios UVB, que se concentram entre 10 e 15 horas, com o pico ao meio-dia", explica Schalka, que estuda fotoproteção de longa data na USP (Universidade de São Paulo) e na Medcin Pesquisa, em Osasco (SP).

"Também são encontrados quase na mesma proporção no verão e no inverno", continua. "E são capazes de atravessar os vidros dos carros e as nuvens do céu em dias completamente nublados."

E preste atenção que esses raios onipresentes são ainda mais preocupantes quanto mais escura é a pele — o que, em um Brasil de tanta diversidade, torna a possibilidade de finalmente barrar suas ondas ultralongas mais do que bem-vinda.

O sol aos pedaços

No fundo, estamos falando é de ultravioleta — uma luz invisível aos nossos olhos. E essa radiação solar tem ondas de comprimentos diferentes que a ciência inventou de classificar. Separou aquelas mais curtinhas, entre 280 e 320 nanômetros, e as chamou de UVB.

Menores, os raios UVB penetram menos na pele. "No entanto, são mais energéticos, potentes e mais destrutivos também", define Schalka. "São a principal causa do câncer de pele não melanoma e das queimaduras."

Graças a um efeito tão visível — para não dizer ardido, depois de a criatura tostar sob o sol —, essa foi a primeira faixa de radiação estudada visando a criação de fotoprotetores.

"Há cerca de 20, 25 anos, porém, descobrimos que os raios UVA também impactavam na pele e começamos a buscar filtros para eles", conta a bióloga Françoise Bernerd, que lidera o Laboratório de Luz e Pigmentação dentro da área de pesquisa e inovação da L'Oréal, onde construiu sua carreira e realizou perto de 60 estudos listados no PubMed, a respeitada biblioteca de Medicina americana.

Os raios UVA, por sua vez, foram divididos em curtos —que têm comprimento de onda entre 320 e 340 nanômetros e se comportam de um jeito parecido com os UVB— e longos, que vão dos 340 aos 400 nanômetros.

"Estes eram estudados, no início, muito mais porque geravam moléculas de radicais livres, provocando envelhecimento", lembra Schalka. "Depois, percebemos que eles ainda eram os grandes responsáveis por manchas, como os melasmas. Mas agora sabemos que, para completar, os raios UVA longos participam do surgimento dos tumores basocelulares e do melanoma."

Vale destacar a porção final do espectro, aqueles raios entre 380 e 400 nanômetros — mais do que longos, ultralongos — que vão mais fundo do que todos os outros. E, até então, sem filtro.

Agindo de duas maneiras

Esses raios danificam o DNA, o que serve de estopim para um tumor. Além disso, são imunossupressores. "Resultado: as defesas na pele talvez não consigam conter eventuais células malignas, inclusive aquelas nas camadas mais superficiais que apareceram por causa dos raios UVB", exemplifica Sergio Schalka.

Ou seja, não bastasse uma ação direta, os UVA longos — e, ainda mais, os ultralongos — favorecem os prejuízos de ondas com outros comprimentos. E não só isso. "O herpes labial, de que as pessoas se queixam mais no verão, tem a ver com esse UVA também. Ao diminuir a imunidade, ele cria uma brecha para o vírus causador do problema se reativar", diz o dermatologista.

Por que só agora existe um filtro?

Quanto mais longo o raio ultravioleta —aprendi—, maior deve ser a molécula para absorvê-lo. E moléculas grandalhonas são muito mais difíceis para um laboratório desenvolver. Podem, inclusive, ocasionar problemas, como transferir cor para pele.

Antes de qualquer coisa, segundo Françoise Bernerd, seu laboratório investiu uns bons anos investigando o que os raios UVA ultralongos seriam capazes de fazer à pele — o que, até então, não era bem conhecido. "E, assim, confirmamos a importância de existir um filtro. Para isso, tínhamos que achar a molécula certa", conta.

O que Françoise e seus colegas buscaram entre nada menos do que 6,5 mil moléculas era uma que juntasse características imprescindíveis. A cientista as enumera: "Precisaria ter uma eficácia forte barrando os raios UVA ultralongos, evidentemente. Além disso, precisaria ser segura, sem causar qualquer efeito adverso ao ser humano. E ser segura também para o planeta", diz, acrescentando a sustentabilidade à fórmula.

Só isso? Que nada! "Como a proteção oferecida pelo produto teria de se estender ao UVB e aos outros comprimentos de UVA, essa molécula deveria se mostrar compatível com os demais filtros, ser estável e capaz de ser produzida em escala industrial", completa. Ufa! Mas, daquelas 6,5 mil moléculas, passaram por esse crivo apenas três. E, do trio, foi eleita aquela que se mostrou mais eficaz.

O protetor solar que chega ao mercado brasileiro é o Anthelios UVMune 400, de La Roche-Posay. Mas Françoise garante que a ideia é, no futuro, usar essa tecnologia em outras marcas e produtos da L' Oréal.

Pele negra

Segundo Sergio Schalka, a pele clara é bastante sensível tanto aos UVB quanto aos UVA. Já a pele negra, que concentra mais melanina — uma espécie de protetor solar natural —, consegue barrar parte dos UVB. "Por isso, proporcionalmente, a radiação UVA é mais impactante para ela, sendo capaz de potencializar um melanoma e causar muitas manchas."

O desafio, em sua opinião, é convencer pessoas negras de que devem usar filtro diariamente. "Como fazem menos eritema —a vermelhidão provocada pelos raios UVB aos quais a pele escura não é tão sensível—, elas acham que está tudo bem, quando necessitam até de mais proteção UVA do que indivíduos de pele clara."

FPS não diz muito sobre proteção UVA

Atenção: o FPS (fator de proteção solar) avalia a queimadura. Por exemplo, se você leva 15 minutos para se queimar sob o sol, um FPS 4 quadruplica esse tempo e você irá, então, demorar 60 minutos para sentir a pele arder. Mas queimadura tem a ver com UVB, lembre-se.

"A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determina que a proteção UVA seja, no mínimo, o equivalente a um terço do FPS", explica Sergio Schalka. "Só que isso pode ser pouco para uma pele negra."

A saída, ao seu ver, é procurar por protetores de marcas confiáveis que deixem claro no rótulo o quanto oferecem de proteção especificamente contra os UVA. "Mesmo sem cobrir a lacuna dos ultralongos, eles protegem contra uma parte desses raios e, portanto, ajudam", pensa.

No caso de hidratantes e outros cosméticos que prometem conter protetor solar, saiba que a legislação brasileira é mais frouxa para eles. Daí que muitas vezes não entregam a proteção contra os UVA equivalente a um terço do FPS. Logo, garanta-se usando um filtro junto.

No Brasil, apesar das mudanças climáticas, os efeitos da radiação UVB e UVA sobre a pele não se agravaram nos últimos dez anos. Mesmo assim, os especialistas afirmam que incluir o protetor solar na rotina diária é até mais essencial do que antes. Isso porque, nesse tempo, aumentou o nosso conhecimento sobre os danos provocados pelo sol. Hoje, por exemplo, sabemos que os raios UVA são um perigo —em dias de céu azul e de céu cinzento também. Ainda bem, podemos filtrá-los.