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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Artrite reumatoide: cuidado, o risco de infarto é maior do que se pensava

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Imagem: Unsplash

Colunista de VivaBem

02/05/2023 04h00

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Não bastasse provocar muita dor, inchaço nas articulações e a sensação de acordar com algumas delas rígidas e enferrujadas, a artrite reumatoide deixa o coração sob forte ameaça.

Até aí, para quem lida com essa doença autoimune, não há novidade. Já se sabe que ela é capaz de aumentar de duas a três vezes o perigo de alguém infartar — e de sofrer um AVC (acidente vascular cerebral) também, quero lembrar.

E isso, atenção, mesmo que a pessoa não possua qualquer outro fator de risco cardiovascular tradicional, como diabetes, sedentarismo, tabagismo, pressão alta? Ter artrite reumatoide é o que basta para triplicar a probabilidade até de morte súbita.

Diante dessa realidade, os reumatologistas fazem o que podem. Vale aproveitar para esclarecer: eles são os especialistas que a gente deveria procurar ao ter qualquer problema em tecidos conjuntivos, feito o das articulações.

A cada seis meses, no máximo, esses médicos costumam reavaliar a saúde cardiovascular de seus pacientes com artrite reumatoide. Dosam a glicemia e o colesterol, aferem a pressão arterial, usam scores para calcular o risco de um susto desses. E no entanto?

"E, no entanto, apesar de todo esse cuidado, a doença cardiovascular continua sendo de longe a principal causa de mortalidade entre quem tem artrite reumatoide", nota a reumatologista Nathália Sacilotto. "Será que não estávamos deixando escapar algo? Será a gente não tinha nada a mais a fazer?".

Médica do Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual), em São Paulo, esse questionamento a levou a conduzir um estudo com seus colegas. Ele rendeu artigo no Journal of Clinical Rheumatology, publicação da Liga Panamericana de Associações de Reumatologia.

A pesquisa propõe que, daqui em diante, os médicos aperfeiçoem a rotina de acompanhamento de quem tem artrite reumatoide, incluindo periodicamente o ultrassom com doppler, exame que permite ver o fluxo de sangue em tempo real.

Esse ultrassom, por sua vez, não seria feito só na carótida, artéria que sobe pelo pescoço e leva o sangue oxigenado para o cérebro, mas também na femoral, que passa pela coxa, irrigando os membros inferiores.

Pois, apesar de todas as 70 mulheres do estudo do Iamspe serem consideradas de baixo risco cardiovascular de acordo com o score de avaliação que os reumatologistas costumam usar, nada menos do que 81% das que tinham artrite reumatoide, que seriam a metade da amostra, escondiam placas de gordura na femoral. Foi uma má surpresa e tanto.

Femoral versus carótida

"A literatura científica vem apontando que, mesmo sem artrite reumatoide, placas na femoral são capazes de tornar uma pessoa três vezes mais propensa a infartar do que alguém que não tenha essas mesmas placas. É uma associação mais forte do que a que encontramos examinando a carótida", conta a doutora Nathália, justificando por que resolveu olhar para essa artéria e por que o resultado do seu estudo chama a atenção da comunidade de reumatologistas.

Naquelas mulheres da pesquisa, a artéria das pernas também apresentava paredes mais espessas do que o normal. Isso, somado às placas, estreitava a passagem para o fluxo sanguíneo, o que favoreceria o aparecimento de trombos, ou coágulos. Entenda: essa constatação pode significar uma bomba-relógio para o peito ou para o cérebro.

Se fosse feito o mesmo ultrassom com doppler só na carótida, o drama capaz de detonar um infarto ou um AVC poderia continuar invisível: uma proporção menor das participantes com artrite reumatoide, isto é, apenas 31% delas, mostraram alterações nessa artéria.

"O resultado revela que os métodos usados para avaliar a população geral, que até o momento não olham para a femoral, podem falhar em quem tem artrite reumatoide", afirma a doutora Nathália. "Desse modo, a gente acaba não pegando pacientes que têm uma doença subclínica, isto é, sem manifestações que seriam detectadas no acompanhamento tradicional."

O elo com a doença cardiovascular

Sem que a ciência conheça direito os motivos, as células de defesa de quem tem artrite reumatoide resolvem atacar a finíssima membrana que reveste as articulações.

Isso acontece duas vezes mais em mulheres do que em homens e os primeiros sinais dos ataques aparecem, frequentemente, entre os 30 e os 50 anos de idade. Mãos, punhos, cotovelos, joelhos, tornozelos e ombros são as articulações mais afetadas. Ficam vermelhos, incham e, logo de manhã, parecem travar. Com o tempo, se nada é feito para controlar as investidas do sistema imunológico, surgem deformidades nas articulações agredidas.

Durante toda essa guerra do corpo contra ele próprio, o endotélio, que é o revestimento interno dos vasos, também vai sofrendo prejuízos, só que em silêncio. "As substâncias inflamatórias produzidas por causa da artrite reumatoide lesionam esse tecido", explica a doutora Nathália. "E as lesões, por sua vez, facilitam o desenvolvimento das placas de gordura."

Como era calculado o risco

Na população geral, os médicos usam determinados scores para avaliar a probabilidade de um evento cardiovascular. Um deles, verdadeiro clássico da Cardiologia, é o chamado score de Framingham, que considera sexo, idade, se o indivíduo é hipertenso, se tem diabetes, se fuma e outros fatores para estimar o risco de ele ter um infarto, por exemplo, nos próximos dez anos.

No caso de quem tem artrite reumatoide, porém, seguindo as diretrizes da Liga Europeia Contra o Reumatismo — como Nathália e seus colegas fizeram — , o resultado do score de Framingham deve ser multiplicado por 1,5. Justamente por causa da inflamação pegando fogo nos vasos.

Ainda assim, vale ressaltar, as mulheres do estudo teriam um risco baixo. Aparentemente. Mesmo com essa mutiplicação e levando em conta que não tinham a artrite reumatoide em atividade. Ou seja, estavam controlando muito bem a doença autoimune com medicamentos, não tinham inchaços, dores intensas, rigidez matinal por mais de hora e marcadores no sangue indicando a inflamação em alta. "Se a doença estivesse ativa, claro que o risco cardiovascular seria maior", diz a doutora Nathália.

E, se fosse assim, talvez os médicos pedissem o ultrassom com doppler da carótida — ora, muitos cardiologistas e reumatologistas já solicitam esse exame. Mas foi a artéria femoral que desvelou um risco maior do que todas as estimativas, até então, apontariam.

Para se proteger de ameaças

Ajustes no estilo de vida são obrigatórios para quem tem artrite reumatoide a fim prevenir problemas nas artérias. Você sabe bem do que estou falando: dieta equilibrada, bom sono, prática de atividade física?

Apagar o cigarro é algo que merece ser sublinhado. "O tabagismo desencadeia a artrite reumatoide em pessoas com tendência a ter essa doença e também a torna mais grave", alerta a reumatologista do Iampse.

Todo esse pacote, porém, não adianta sozinho quando já há placas na carótida —e agora, como se viu, na femoral. Aí, os reumatologistas precisam entrar com drogas para baixar o colesterol e evitar coágulos, encaminhando muitas vezes o caso ao colega cardiologista.

E, nesse sentido, o recado do estudo é certeiro: quem tem artrite reumatoide precisa checar estado de suas artérias sempre, por mais as articulações deixem de reclamar graças ao tratamento.