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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Lúpus: depois de 10 anos sem grandes novidades, surge um novo tratamento

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

01/06/2023 04h00

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Apesar de o lúpus eritematoso sistêmico ser mais conhecido pelas lesões avermelhadas e descamativas na pele e pelas articulações que vivem inchadas e bastante doloridas — sintomas que, de fato, aparecem em cerca de 85% dos pacientes —, ele também pode causar uma diversidade de outras queixas.

Uns emagrecem, perdem o apetite e são tomados pelo desânimo. Outros chegam a ter uma febre que, embora baixa, é persistente a ponto de bagunçar o dia a dia. Outros, ainda, ficam anêmicos. Ou se encontram às voltas com a hipertensão, com inflamações nos rins, nos pulmões, no tecido que reveste o coração, o pericárdio.

Tem até quem apresente convulsões ou quadros que se confundem com psicoses, embora mais raros. Enfim, podem surgir encrencas bem sérias aqui e ali, dos pés à cabeça. Onde e como o lúpus eritematoso sistêmico de alguém irá se manifestar é quase sempre uma surpresa.

"Se você tem essa doença, o lúpus do seu vizinho com certeza nunca será igual ao seu", costuma dizer o reumatologista Edgard Torres dos Reis Neto, professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

O médico, que coordena a Comissão de Lúpus da Sociedade Brasileira de Reumatologia, ensina: "Estamos falando de um problema autoimune. As defesas ficam desreguladas e, daí, produzem substâncias inflamatórias que atacam o próprio organismo."

Segundo ele, isso pode acontecer com qualquer um, sem a gente nunca se dar conta. "É que, normalmente, é como se um soldado do sistema imunológico chegasse e dissesse: 'aqui, não!'".

Mas esses mecanismos regulatórios, que colocam as coisas em seu devido lugar, não funcionam tão bem no paciente com lúpus. E os ataques, então, continuam por meses e meses a fio, até que um órgão mostre que está danificado.

Entre as substâncias inflamatórias envolvidas estão os interferons, proteínas que geralmente prestam um bom serviço à saúde: o sistema imune as usa para, por exemplo, combater a ameaça de um vírus. A questão é que os interferons não fazem só isso. Podem se meter em outras histórias, até onde não foram chamados — seu nome, aliás, que vem de "interferência", já diz tudo.

Recentemente, foi aprovado um anticorpo monoclonal — isto é, um anticorpo desenhado em laboratório — que, feito um míssel teleguiado, vai direto para os receptores das células onde se ligaria um interferon específico, o tipo 1.

Quando esse anticorpo monoclonal, o anifrolumabe, encontra o seu alvo, que é o receptor, o interferon tipo 1 não tem mais como se encaixar ali. Uma vez sem espaço e bloqueado, corta-se um mecanismo importante por trás da inflamação e, consequentemente, um grande responsável pela gravidade da doença.

Há bons motivos para comemorar a chegada do anifrolumabe, claro. Especialmente porque, na última década, não surgiu nada de novo para ajudar quem tem lúpus eritematoso sistêmico, como é o caso de aproximadamente 65 mil mil brasileiros jovens — sim, a doença é mais frequente em quem tem de 20 a 45 anos, acometendo mulheres na maioria das vezes.

O anticorpo monoclonal muda esse cenário de marasmo, traz o frescor da esperança. "Mas ele não é para qualquer um", avisa o professor Edgard dos Reis Neto. "Sua indicação é para aqueles pacientes em que a gente usava todo o arsenal terapêutico disponível e eles mesmo assim não respondiam", explica.

Entre quem tem a doença, esses casos representam uma minoria, é bem verdade. Mas são, justamente, aqueles que podiam acabar até morrendo de lúpus por falta de remédio.

Por que o lúpus acontece

"Há fatores genéticos por trás da doença, mas, se fosse um copo de água, eu falaria que ele só transborda e o lúpus se manifesta quando existem outros fatores somados, capazes de enchê-lo", compara o professor Edgard Reis, com o sotaque manso que traz de sua terra, São Luiz do Maranhão.

Pergunto que fatores seriam esses. "O cigarro é um deles", responde o reumatologista sem titubear. Em quem tem predisposição, as tragadas de tabaco podem ser o empurrão para as defesas ficarem destrambelhadas. "Infecções virais, nesses indivíduos, também podem ser o estopim para desregular o sistema imune", acrescenta.

A exposição solar, não há dúvida, favorece a doença. "A radiação ultravioleta faz a pele expressar moléculas que, nesse caso, são antígenos", justifica o professor. Ele quer dizer: moléculas que irão chamar a atenção das defesas, como se fossem completas estranhas ao corpo. Atiçadas, então, as células imunológicas partirão para o ataque.

Não à toa, as lesões de pele típicas do lúpus aparecem com maior frequência nos braços, no rosto, no colo — ou seja, em áreas que tomam mais sol, no final das contas.

O estrógeno, hormônio feminino, talvez esteja envolvido também. Ele fica sob suspeita pelo fato de o lúpus ser mais prevalente em mulheres.

Por que o lúpus acontece

Existe o lúpus que é só cutâneo, mas o erimatoso sistêmico é diferente. Os anticorpos voltados para o próprio organismo podem comprar briga contra componentes do sangue — em alguns indivíduos, eles arrasam as plaquetas; em outros, os glóbulos brancos, por exemplo.

Isso já é um problemaço. Outro, bem importante, é que costumam se ligar a proteínas que circulam pelo organismo e, agarrados nelas, formam o que os médicos chamam de imunocomplexos, que começam a se depositar em tudo o quanto é canto. Nos rins, por exemplo.

Aí, eles ficam completamente inflamados, quadro conhecido por nefrite, encontrado em cerca de 60% dos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico. Quando isso ocorre, a pessoa passa a perder proteínas pela urina. Perde leucócitos, células de defesa, também. A função renal vai indo para o espaço.

Nos pulmões, a mesma coisa: os imunocomplexos aos poucos se acumulam na pleura, o tecido que os reveste — e surge a pleurite. No coração, aparece a pericardite. E quando, mais raramente, eles se depositam no cérebro, a consequência são quadros neurológicos severos que se confundem com surtos psiquiátricos.

Infelizmente, estima-se que mais ou menos metade dos pacientes com essa doença autoimune apresenta danos nos órgãos. Daí a importância do anticorpo monoclonal que corte toda a reação que culmina nisso pela raiz, isto é, se outros remédios não fazem efeito.

Felizmente, para muitos pacientes os medicamentos que já existiam dão conta de manter a doença fora de atividade. "Isso quer dizer, há seis meses ou mais, sem qualquer manifestação pelo corpo — nem de pele, nem de nada", define o professor Edgard dos Reis.

O diagnóstico e o tratamento

De acordo com o médico, depois de ouvir as queixas que podem ter a ver ou não ao lúpus, exames simples são capazes de fortalecer a suspeita. O hemograma é um deles, quando aponta alterações no sangue.

Um segundo exame é o de urina, quando ele mostra que a pessoa está perdendo proteína pelo xixi, por exemplo. "Para fechar o diagnóstico então, na sequência nós pedimos a pesquisa de anticorpos específicos, que são relacionados ao lúpus", conta o reumatologista.

A doença, uma vez confirmada, pode ser tratada com hidroxicloroquina e imunossupressores. Ao paciente, cabe outros cuidados, como — se é mulher, claro, evitar métodos contraceptivos com altas doses de estrógeno, já que o hormônio feminino pode estar envolvido na reação autoimune. E — o que não é opcional — deve sair com protetor solar todos os dias. "Em alguns municípios, o filtro solar é oferecido aos pacientes do SUS com lúpus", conta Edgard dos Reis.

Dieta equilibrada e atividade física são altamente recomendadas — até para melhorar a saúde cardiovaacular, já que pacientes com lúpus correm maior risco de infarto.

Em relação ao novíssimo anticorpo monoclonal, estudos publicados em periódicos científicos da maior relevância demonstraram a sua eficácia em pacientes que receberam a infusão na veia — é assim que ele é administrado.

"Por enquanto, esses trabalhos avaliaram pacientes que tinham manifestações cutâneas e nas articulações, basicamente", conta o professor. Mas tudo indica que o anticorpo monoclonal também possa barrar aquelas complicações maiores, ainda bem.