Alzheimer: será que dá para diagnosticar com um simples exame de sangue?

Um exame de sangue comum para flagrar o Alzheimer mudaria muita coisa, por mais que as técnicas de diagnóstico tenham avançado nos últimos tempos. E é isso o que buscam pesquisadores do LABEN (Laboratório de Biologia do Envelhecimento), ao lado de colegas de outros departamentos da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), no interior paulista.

O mesmíssimo time, coordenado pela bióloga e professora de gerontologia Marcia Cominetti, já causou espanto nos meios acadêmicos ao mostrar pela primeira vez no mundo que pacientes com Alzheimer apresentavam um aumento considerável de uma proteína no plasma sanguíneo, a ADAM10.

Servindo de biomarcador para a doença, a ADAM10 é, agora, o foco das atenções de uma nova pesquisa da UFSCar que procura voluntários para validar o teste de sangue.

Em alguns centros, exames de sangue que dosam a ADAM10 são realizados em um número pequeno de pessoas para fins de pesquisa. Nos Estados Unidos, é bem verdade, uma empresa já passou a oferecê-los. Só que todos, até o momento, caçam essa proteína nas plaquetas, aquelas partículas envolvidas no processo de coagulação. Mas acredite: dosar a substância no plasma, a parte líquida do sangue, tornará tudo ainda mais fácil. E acessível.

A dificuldade do diagnóstico

Afirmar com segurança que alguém tem Alzheimer, por mais esquecida que essa pessoa ande da cabeça, nunca foi moleza. Para início de conversa, existem diversos tipos de demência. Então, como saber? Cá entre nós, até pouco anos atrás, era possível dizer apenas que um indivíduo provavelmente tinha Alzheimer.

Ora, não dá para pedir uma biópsia cerebral. Portanto, só havia total garantia desse diagnóstico depois que o sujeito morria, examinando o seu cérebro e encontrando ali o excesso de duas proteínas bastante estudadas nesses casos: a beta-amiloide, formando placas que são obstáculos à comunicação entre as células nervosas, e a tau, cujo excesso cria emaranhados dentro dos neurônios.

A partir de 2018 foi que isso mudou e biomarcadores, como a tau e a beta-amiloide, passaram a ser critério para o diagnóstico. Contrastes que, injetados no corpo, se ligam a essas proteínas e tornam o seu acúmulo visível na ressonância magnética — exame que, de lá para cá, pode ser solicitado pelo neurologista depois que ele aplica um questionário capaz de levantar a suspeita.

Ele começa com perguntas simples — "onde você está?" ou "que dia é hoje?". No final da batelada, se a pessoa faz uma pontuação muito baixa para o seu grau de escolaridade, detecta-se o declínio cognitivo.

Para saber se essa derrocada tem de fato a ver com o Alzheimer, é feita então a ressonância com os tais contrastes. E, se for necessário, um exame do líquor, retirando da coluna uma amostra desse líquido que banha o cérebro e a medula espinhal.

"A questão é que a ressonância é cara. O exame de líquor, ainda por cima, exige uma equipe treinada. Para complicar, não é toda cidade que conta com os dois", observa a professora Marcia Cominetti."Por isso, quem trabalha nessa área sonha com um teste de diagnóstico que seja menos invasivo, mais barato, fácil de ser realizado em qualquer lugar. Ou seja, pelo sangue."

Faz sentido. Afinal, existe um diálogo constante entre o sistema nervoso central, os nervos periféricos e a corrente sanguínea, como podemos ver na imagem desta coluna.

Por que ninguém olhava para o sangue?

O problema é que os biomarcadores do Alzheimer — a proteína tau, a beta-amiloide e outras moléculas, como a ADAM10 — ficam extremamente diluídos quando chegam no sangue.

As dosagens na corrente sanguínea são tão, mas tão baixas, que só podem ser detectadas por tecnologias muito sensíveis, as quais começaram a aparecer mais recentemente.

E, quando uma delas aterrissou no Departamento de Química da UFSCar, o professor Ronaldo Censi Faria entrou em contato com os colegas do LABEN, perguntando se não queriam fazer algo em conjunto. "Naquele ano de 2017, já investigávamos a ADAM10", lembra Marcia Cominetti. Era a oportunidade.

O que faz a ADAM10

Existe uma família de proteínas ADAM, sigla do inglês para domínio desintegrina e metaloproteinase. De um jeito simples, quer dizer que elas quebram outras proteínas. E foram numeradas na medida em que iam sendo descobertas.

No cérebro, a "número 10" impede a formação da beta-amiloide. Há alguns anos, uma equipe da Universidade de Milão, na Itália, parceira do time de gerontologistas da UFSCar, demonstrou que essa proteína estava diminuída nas plaquetas extraídas do sangue de pacientes com Alzheimer, provavelmente refletindo o que acontecia no sistema nervoso.

Ali, na membrana das plaquetas, a ADAM10 fragmentaria uma outra proteína, que é precursora da amiloide. E, quando essa precursora fica aos pedaços, nada feito — não se forma a matéria-prima das placas do Alzheimer.

Quando o pessoal do LABEN repetiu a experiência dos italianos, o resultado foi o mesmo: a ADAM10 estava bem menos presente nas plaquetas de quem tinha essa doença neurodegenerativa.

A diferença no plasma

Porém, quando o departamento de Química ofereceu suas ferramentas ultrassensíveis, ficou logo claro que eles não teriam condições de seguirem estudando plaquetas, pelo volume maior de amostras.

"Seria preciso centrifugar o sangue e, depois, degradar essas partículas, além de várias etapas que complicariam demais o fluxo deles", explica Marcia Cominetti. Daí veio a ideia: e se tentassem achar a ADAM10 no plasma, cujo exame não exige tanto? Ninguém tinha tentado isso.

"Entramos em parafuso", recorda a professora. "Porque, no plasma de pessoas com Alzheimer, era o contrário do que acontecia com as plaquetas: a proteína estava aumentada. Será que tudo o que a gente tinha feito estava errado?"

No entanto, uma coisa é a dosagem de uma substância no sangue. Outra história é ver se ela está ativa. E, no caso, a ADAM10 do plasma dos indivíduos com Alzheimer era incapaz de quebrar aquela molécula precursora da amiloide.

"Depois, vimos que existem proteínas capazes de tirar a ADAM10 da membrana de uma célula e deixá-la solta e inativada no plasma", diz Marcia. Ou seja, o fato de existir muita ADAM10 ali no plasma pode significar que ela foi tirada do seu serviço no cérebro, por exemplo, onde cortaria o aparecimento de placas amiloides pela raiz.

A professora e seus colegas já calcularam um ponto de corte para o teste, isto é, a partir de quantos nanogramas por decilitro de sangue uma pessoa poderia apresentar as alterações biológicas do Alzheimer na intimidade do sistema nervoso central. Agora, estão chamando voluntários para ver se, em um número maior de pessoas, a dosagem da ADAM10 no plasma sanguíneo entregaria pra valer a doença, quem sabe até mesmo antes dos sintomas cognitivos.

Para que saber?

"Com o conhecimento que temos hoje, não seria mais ético deixar de dar esse diagnóstico", opina a professora, lembrando que, há menos de quinze dias, o FDA, nos Estados Unidos, aprovou o lecanemab. O anticorpo monoclonal é o primeiro tratamento a agir diretamente nas placas amiloides, fazendo o sistema de defesa do cérebro varrê-las.

Isso tem um preço, inclusive o literal de 26 mil dólares por ano. Pode causar edemas cerebrais e micro-hemorragias. E a cognição só para de declinar se o lecanemab é usado logo no início. "Mas, no futuro, devem surgir drogas para fases avançadas", acredita a pesquisadora da UFSCar.

Este, porém, nem é o seu principal argumento para defender o diagnóstico mais cedo. "Está realmente provado que estímulos cognitivos retardam a progressão do Alzheimer. Vale ir até um endereço alternando caminhos diferentes, ensaboar o corpo com a mão oposta àquela com a qual você costuma segurar o sabonete no banho ou fazer um curso de algo diferente daquilo que você já domina", exemplifica. Exercício físico e boas noites de sono entram nessa receita.

Sem dúvida, um exame de sangue, simples e acessível, daria essa chance de prolongar a memória estimulando os neurônios para muito mais gente. "E ainda serviria para sabermos se determinado tratamento está funcionando, ao medir esse biomarcador, vendo se ele está aumentando ou não", imagina a professora.

Também devemos lembrar que investigar a presença da ADAM10 no sangue é encaixar mais uma peça no quebra-cabeças do Alzheimer, que está longe de se completar.

Quem se interessar em participar do estudo poderá mandar um e-mail para laben.alzheimer@gmail.com. Bom dizer que o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSCar.