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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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8 coisas que talvez você não saiba sobre gordura no fígado, nem seu médico

Colunista de VivaBem

20/07/2023 04h00

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Faz tempo que os hepatologistas, que são os especialistas em fígado, têm dificuldade para falar a mesma língua. Uns dizem se preocupar com a esteatose hepática, que até seria uma denominação boa, mas apenas para a fase inicial do problemaço de saúde pública que eles enfrentam no dia a dia.

Outros ficam repetindo que é doença hepática gordurosa não alcoólica, como se quem bebesse não pudesse tê-la. E pode, viu? Aliás, por isso mesmo, há quem prefira o termo doença hepática gordurosa metabólica. Só que esse "gordurosa", em inglês, se confunde com o adjetivo "gordo", podendo causar constrangimento em pacientes acima do peso.

Daí que, ainda por estes dias, americanos e europeus propuseram a saída de todos se referirem à doença esteatótica do fígado. Credo! Se a sugestão pegar, quem vai saber o que é isso?

Vamos simplificar: todos querem falar em gordura nesse órgão. Intrometida ali, ela é capaz de causar inflamação em um primeiro momento, deixá-lo cheio de fibroses na sequência e com cirrose, depois.

Mas, se duvidar, se a nova proposta cola, aí mesmo é que muitos não irão ligar o nome à encrenca — encrenca de que, pelo jeito, até mesmo os profissionais de Medicina mal sabem o tamanho.

Na sexta-feira passada, dia 14, durante o EndoDEBATE, evento que reuniu endocrinologistas de todo o país, foi apresentada a pesquisa de percepção "Receita de Médico, o que pensa quem cuida de pessoas com gordura no fígado".

A ideia de realizá-la foi do endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto e criador do próprio EndoDEBATE.

Eu, no caso, preciso contar que fui convidada por ele para ajudar no questionário que acabou trazendo à tona o que passa pela cabeça de 1.441 médicos de todo o país. E eles — que faziam parte da base de dados da Editora Clannad —derraparam em algumas respostas.

Por exemplo, quase um terço dos profissionais ouvidos estima que apenas de 10% a 30% de seus pacientes tenham gordura no fígado. "Isso é esquisito demais da conta", estranha Couri, com seu jeito mineiro. "Será que estão usando os métodos certos de diagnóstico?"

Dá para entender sua reação. Afinal, 30% dos brasileiros têm gordura no fígado. E, se gente olha só aqueles com diabetes, 80% apresentam essa condição.

O detalhe dessa história é que 865 dos participantes da pesquisa eram endocrinologistas e 266, cardiologistas. Ou seja, especialistas que, em princípio, devem receber muitos pacientes com diabetes no consultório. Portanto, sei não...

Para Couri, se eles possivelmente subestimam os casos de gordura no fígado é porque, na amostra, 73% dos médicos tinham se formado há mais de 15 anos e não faz tudo isso que o problema ganhou holofotes, inclusive por dedurar o risco de doença cardiovascular. Tanto que 9 em cada 10 participantes ou não se lembram de ter aprendido sobre isso na faculdade ou relatam que receberam somente noções muito básicas.

Mas o hepatologista João Marcello Araújo Neto, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), não acredita que seria tão diferente entre doutores de gerações mais jovens. "Até porque, em geral seus professores são esses médicos que se formaram há mais tempo", raciocina.

Vale a pena destacar oito pontos aos quais todos — você e, quem sabe, o seu médico — precisam ficar mais atentos.

1. Tudo a ver com o seu coração

No nosso corpo, a maior parte da gordura deveria ter residência fixa no tecido adiposo. Se resolve morar entre as células dos nossos órgãos, cria confusão. Ou melhor, inflamação.

Quando os exames denunciam um fígado gorduroso, pode apostar que o coração também deve estar cercado do que os médicos chamam de gordura ectópica, isto é, fora de lugar.

Ouvi no evento que o coração é feito criança pequena que não quer parar na hora do retrato e termina que não saindo bem na foto, enquanto o fígado está ali, quieto, à espera do clique. Visualizar sua porção gordurosa pode ser mais fácil e dar uma bela noção de como anda o peito.

E não é só isso. A intrusão da gordura no fígado, por si, leva a um derramamento de substâncias inflamatórias, capaz de causar mais mortes por males cardiovasculares do que por problemas nesse órgão, embora a doença gordurosa aumente o risco de câncer hepático.

2. Quem tem diabetes deve ficar de olho

"A doença gordurosa no fígado não só é frequente como tende a ser mais agressiva, progredindo mais depressa para estágios de fibrose e cirrose em quem tem diabetes", afirma Couri.

Isso não ocorre porque a glicemia nas alturas provocaria algum dano extra. O que há é uma causa comum entre diabetes e doença gordurosa hepática. Ela está nos genes, que criam uma maior tendência de um indivíduo acumular gordura no fígado e no pâncreas, ficando com um organismo bem inflamado.

3. Se o ultrassom acusa gordura no fígado, faça uma elastografia

Segundo a pesquisa, 98% dos médicos pedem uma ultrassonografia quando querem descobrir qual o estado do nosso fígado e apenas 32% solicitam a elastografia, exame que também lança mão de ondas sonoras, mas que é capaz de revelar o quanto o órgão está rígido, acusando um eventual grau de fibrose ou mesmo a cirrose.

"O problema do ultrassom é que ele só visualiza a gordura quando o fígado tem mais de 10% dela, enquanto um resultado acima de 5% já indicaria uma esteatose, a qual pode passar batida pelo exame", observa Couri, que prefere pedir direto a elastografia para quem tem diabetes.

O professor João Marcello Araújo Neto acredita que o ultrassom, por ser mais fácil, funciona bem para um primeiro rastreamento. "Podemos deixar a elastografia só para os casos em que ele apontar a gordura", opina. No entanto, lembra o hepatologista, a ultrassonografia deve durar de 15 a 20 minutos, no mínimo. Se foi feita rapidinho, desconfie do laudo que não vê gordura alguma.

4. Nenhum nível de consumo de álcool é 100% seguro

A Organização Mundial da Saúde reforça esse recado, mas apenas 35% dos médicos acertaram na resposta.

"Há a recomendação de beber no máximo 14 gramas de álcool por dia, o que equivaleria a duas latas de cerveja ou a duas taças de vinho ou, ainda, a duas doses de um destilado", diz Araújo Neto. "No entanto, se você fizer isso todo dia, acreditando que tem direito a essa cota, provavelmente irá engordar e acumular mais gordura no fígado. Sem contar que há pessoas sensíveis, com uma tendência maior a isso."

Uma coisa é certa: quem já tem fibrose hepática, que pode ser consequência da inflamação causada pela gordura nesse órgão, deveria ficar longe de qualquer gota de álcool.

5. Tomar café pode ajudar

"Diversos estudos afirmam que o hábito de beber café ajudaria a diminuir a gravidade da doença gordurosa do fígado, embora 66% dos médicos desconheçam isso", conta Couri.

É bem verdade que ninguém chegou em um acordo sobre a quantidade ideal, até porque um trabalho científico olha para as xícaras de espresso, enquanto outro analisa aquela bebida aguada que os americanos chamam de café. Mas, sim, há benefícios, embora longe de blindar o fígado de quem não segue a recomendação de se alimentar bem, fazer exercício e controlar a obesidade.

6. Maneire na gordura saturada

Qualquer gordura, com suas 9 calorias por grama, pode favorecer o ganho de peso — e a deposição de gordura no fígado —, se consumida sem moderação. É fato.

Mas a gordura saturada, aquela dos alimentos de origem animal e do óleo de coco, por exemplo, pode ser a pior de todas: "Ela agrava a inflamação deflagrada pela doença hepática gordurosa", justifica Couri. Quatro em cada dez médicos entrevistados não sabiam desse detalhe.

7. Você sabe se tem hepatite C?

No Brasil, ao fazer uma consulta em qualquer especialidade médica, toda pessoa com mais de 45 anos deve receber a prescrição do exame capaz de dar essa resposta, se ele nunca foi feito antes. Mas apenas quatro em cada dez médicos da pesquisa sabiam disso. O mesmo, diga-se, valeria para a hepatite B.

No caso do vírus por trás do tipo C, ele induz um aumento da gordura no fígado, faz com que ele fique inflamado de vez e, com isso tudo, acelera a progressão de fibroses É é mais frequente em quem passou dos 45 porque, no passado, o risco de contaminação por transfusões era maior, por exemplo.

8. Menos testosterona

"Homens com gordura no fígado tendem a ter níveis mais baixos de hormônios sexuais e vice-versa", aponta, ainda, o doutor Couri. "Daí que, se notamos uma baixa produção de testosterona no paciente, há mais um motivo para rastrear a gordura no fígado. Ou, por outro lado, se encontramos um fígado gorduroso, podemos pedir a dosagem de hormônios sexuais."

Só 65% dos médicos na pesquisa conheciam essa relação, que na certa tem a obesidade como elo em comum. Se soubessem e avisassem os pacientes, quem sabe eles não cuidariam mais da saúde do fígado? Motivação extra é o que não deveria faltar para isso.