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Disfunção erétil: um dispositivo com controle remoto resolveria o problema?
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Antes que alguém se entusiasme com a perspectiva de uma solução inovadora para a disfunção erétil, é bom deixar claro que a ideia de implantar uma espécie de plaquinha no assoalho pélvico para estimular a ereção com uma corrente elétrica ativada por controle remoto ainda é experimental. Não adianta querer sair correndo atrás do dispositivo. Por enquanto, ele é apenas objeto de estudo.
Mas dá para entender a animação, inclusive da dupla de urologistas que está à frente dos testes no Brasil — testes que serão conduzidos, paralelamente, na Austrália e nos Estados Unidos. Lá fora, eles serão realizados em americanos e australianos que ficaram às voltas com problemas de ereção após uma cirurgia para tratar o câncer de próstata.
Já aqui, com as devidas aprovações dos comitês de ética e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), os pacientes estudados nos próximos meses serão homens que sofreram uma lesão na medula da espinha, o que interrompeu o caminho que levava a informação do desejo, gerada no córtex cérebral, até o pênis.
O fato é que, por enquanto, a tecnologia registrada como CaverSTIM, desenvolvida pela startup suíça Comphya, não foi colocada à prova pra valer em nenhum canto do mundo. A expectativa, portanto, é nas alturas.
"É uma proposta interessante. Não foi tentado nada semelhante com essa finalidade anteriormente", comenta Luís Augusto Seabra Rios, médico do IAMSPE (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo), um dos dois centros brasileiros que participarão da pesquisa.
Se ele dá esse tom de novidade, confie. Afinal, na Urologia, o doutor Rios é um dos especialistas com maior experiência no país no implante de neuroestimuladores, como podemos chamar os dispositivos que usam eletricidade para sinalizar os nossos nervos. Só que ele vinha fazendo isso para modular o funcionamento da bexiga, algo que a Medicina estuda há um século. Mas disfunção erétil é outro papo...
O médico Tom Lue, professor da Universidade da Califórnia em São Francisco, no Estados Unidos, que em 1983 ganhou uma medalha da American Urological Association por sua busca de tratamentos para a disfunção erétil, chegou a conseguir que cachorros e, depois, macacos tivessem ereções quando ele lhes colocava um transdutor bem em cima do nervo do pênis. Quem lembra essa história é Sidney Glina, professor da Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo, que também lidera os testes no Brasil.
"Aí é que está: esses animais têm um nervo único", diz o urologista, considerado um dos principais nomes da Medicina Sexual. "O homem, porém, é diferente", lembra. Isso porque, em vez de ter um nervo só, que seria fácil de ser localizado para encostar a fonte da eletricidade e acertar em cheio, o macho humano possui uma delicada rede de ramificações nervosas — ou plexo, como preferem falar os médicos.
Algumas dessas ramificações vão inervar a próstata. Outras, a bexiga, Outras, ainda, a uretra. Ou, quem sabe, os testículos. Como localizar as do pênis nesse emaranhado quase invisível? "O dispositivo em forma de placa nos ajudará a fazer isso", explica Glina, que realizará as cirurgias para implantar o CaverSTIM no Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André, na Grande São Paulo. No total, o estudo envolverá 20 brasileiros com lesão medular e com a esperança de voltar a vivenciar ereções.
Problemas de percurso
"No final das contas, a ereção é um mecanismo vascular", resume Luís Rios. Os corpos cavernosos — dois tubos paralelos ao longo de todo o pênis — relaxam, permitindo a entrada do sangue arterial com uma pressão alta. De tão cheio desse líquido, o órgão fica inteiro intumescido e permanecerá assim até o momento do orgasmo.
Mas a ordem que disparou tudo isso, começando pela vasodilatação, veio de longe, isto é, do cérebro estimulado por uma visão, por um som, por uma sensação tátil ou por um pensamento, talvez.
"Seja ele qual for, esse estímulo precisa chegar ao pênis para haver ereção", explica Rios. "Ou seja, precisa percorrer toda a medula espinhal até o finalzinho da região lombar, quando ela se divide feito uma cauda equina — aliás, pela aparência, é assim mesmo que chamamos esse conjunto de raízes nervosas. Na sequência, o estímulo deve seguir pelos nervos que formam aquela rede na pelve até alcançar o tecido cavernoso."
Qualquer problema nesse percurso impede o desejo de virar ereção. "É como um fio interrompido", compara Rios. "A causa mais comum disso é a prostatectomia radical", ensina, referindo-se à cirurgia que retira a próstata inteira, mais as vesículas seminais, quando há um câncer nessa glândula.
Entenda: aquela rede de delicadíssimas ramificações nervosas passa rente à próstata. Fica fácil danificá-la sem querer, até porque não pode ser vista. Segundo o urologista, quando a cirurgia começou a ser feita com frequência na década de 1980 — graças à explosão de diagnósticos proporcionada pela dosagem de PSA no sangue —, mais de metade dos homens acabavam com disfunção erétil. "Hoje, em função da técnica mais refinada e até mesmo da cirurgia robótica, isso acontece com apenas 10% a 30% dos casos", conta. Ainda assim, pense: como se trata de um procedimento comum, é muito homem enfrentando problemas de ereção.
Outra causa de disfunção erétil é quando a medula espinhal é rompida, parcial ou totalmente. Daí, mesmo que a mente sinta com toda a força o desejo, ele fica no meio do caminho, sem nunca alcançar o pênis. É triste, mas no Brasil o número de homens com lesão medular é enorme, principalmente por acidentes de trânsito ou com armas de fogo.
Alternativa aos tratamentos atuais
É o que seria o dispositivo de neuroestimulação. Sua corrente elétrica, disparada bem próxima do local onde os sinais do cérebro deveriam aterrissar, faria o papel deles, sem ficar à mercê de ramificações nervosas danificadas. Claro que, por trás de uma sacada que soa tão simples, há uma tremenda tecnologia.
Hoje, os homens com disfunção erétil até contam com medicamentos que ajudam nos casos mais leves — quando parte da inervação está bem preservada, por exemplo. Também há injeções de substâncias vasodilatadoras potentes, como as prostaglandinas. Os urologistas podem treinar o paciente a aplicá-las instantes antes do sexo, com agulhas pequeninas feito aquelas das canetas de insulina.
Se há remédios, então por que implantar um neuroestimulador? Talvez seja esta a sua pergunta. "Pelo mesmo motivo por que tem homem que prefere implantar uma prótese peniana", responde o professor Sidney Glina. "Porque assim o problema fica resolvido e ele não precisará fazer alguma coisa todas as vezes em que for transar."
Outra boa questão: se a mensagem cerebral que desencadearia a ereção não chega ao pênis, será que, ficando de novo ereto, no sentido inverso o cérebro receberia os sinais de um orgasmo? "Muitas vezes sim, porque o estímulo tátil na glande pega outro caminho de volta, diferente desse que foi prejudicado", explica Luís Rios.
Como será o implante
Em uma cirurgia laparoscópica, os médicos posicionarão a placa retangular de silicone em uma área atrás da próstata, ligeiramente na lateral dessa glândula, onde imaginam que passem aquelas ramificações ligadas à ereção.
"No dispositivo, há diversos pontinhos de titânio que irão estimular eletricamente toda a região", explica o professor Glina. "Faremos testes durante o procedimento até acharmos a posição exata em que essa estimulação fará acontecer uma ereção." Só aí a placa poderá ser fixada.
Um fio irá ligá-la a um gerador de pulsos — uma caixinha que, por sua vez. ficará no abdômen. Esse gerador é que receberá os comandos do controle remoto wireless, sem fio.
Ninguém sabe quanto tempo todo esse sistema irá durar antes de precisar ser trocado "Até porque ninguém tem experiência com essa tecnologia para afirmar qualquer coisa", justifica Sidney Glina.
O fundamental é que médicos, como ele e Luís Rios, acreditam que o dispositivo funcionará muito bem. Na Suíça, durante testes prévios nos quais o CaverSTIM, sem ser implantado, foi simplesmente acionado próximo da próstata de pacientes submetidos a outra cirurgia qualquer, ele fez acontecer: a ereção que se viu naquele instante colocou a aposta nessa tecnologia lá em cima.
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