Parkinson: estudo introduz neurônios que liberam dopamina no cérebro
Já faz mais de ano que 12 pacientes, que apresentavam sintomas moderados da doença de Parkinson, foram encaminhados a um centro cirúrgico, como o do Memorial Sloan Kettering, em Nova York, EUA, que foi um dos grandes centros envolvidos na fase 1 de um estudo que está dando no que falar.
O resultado da proeza, porém, só foi anunciado no final de agosto, em um congresso realizado em Copenhague, na Dinamarca, que juntou especialistas em distúrbios do movimento do mundo todo.
Bem no topo da cabeça de cada paciente, o neurocirurgião fez dois furos —um, mais à esquerda, e outro, mais à direita. Por esses orifícios, passou um par de cânulas, feito agulhas, só que um pouco mais grossas e, talvez —ao menos, para olhos leigos—, impressionantemente compridas.
Aquele comprimento todo era, de fato, necessário. Afinal, guiado por imagens, o médico faria essa dupla ir fundo, até alcançar uma região no miolinho do cérebro, onde ficam o que os anatomistas chamam de núcleos de base. O endereço certo era um deles mais especificamente, o chamado putâmen, que lembra um rim em miniatura. Ali, seria feita uma entrega pra lá de especial.
Em cinco dos 12 pacientes, foram despejadas cerca de 900 mil células em cada lado do putâmen para substituir neurônios perdidos. Não quaisquer neurônios, mas aqueles capazes de produzir uma molécula chamada dopamina, mensageira nervosa que é fundamental para a articulação dos nossos movimentos.
Nos outros sete indivíduos, o batalhão de células injetadas à esquerda e à direita do putâmen foi bem maior: 2,7 milhões de neurônios dopaminérgicos, criados a partir de células-tronco de embriões nos laboratórios da BlueRock Therapeutics, em Boston, EUA.
A empresa é inteiramente dedicada ao desenvolvimento de terapias celulares —isto é, terapias capazes de repor células que, por algum motivo, foram completamente arrasadas. Em 2019, ela foi comprada pela Bayer, tornando-se subsidiária da farmacêutica alemã, embora seja operada de forma independente.
A partir de células-tronco
"Células-tronco embrionárias são feito uma tela em branco", compara o biólogo molecular Seth Ettenberg, presidente e CEO da BlueRock. "Lembre-se que, no início da vida, o embrião é apenas um punhado delas, todas idênticas entre si. Mas, então, elas se diferenciam para formar cada tipo celular existente no nosso corpo. Na verdade, elas podem ser tudo! E aqui, no nosso laboratório, fazemos com que se tornem exatamente a célula que desejamos para, depois, produzi-las em uma enorme quantidade."
Os neurônios produtores de dopamina criados desse jeito, ou melhor, a terapia celular feita com eles é chamada de bemdaneprocel. Não reclame do nome difícil, porque ela também atende pela sigla BRT-DA01, que soa bem mais complicada.
"Em outras doenças degenerativas, existe da mesma forma a destruição de certos neurônios. No futuro, quem sabe, conseguiremos substituí-los também", diz Ettenberg, animado.
A vontade de buscar a cura para doenças complexas surgiu precocemente em sua vida. "Eu tinha 11 anos quando meu irmão, Andy, que estava com 13, morreu de leucemia. A partir desse momento, fui dominado pela ideia de descobrir maneiras de beneficiar pacientes e suas famílias."
A experiência pessoal foi determinante para que iniciasse a carreira pesquisando tratamentos oncológicos. Mas, hoje, não fala da terapia celular para o Parkinson com menos paixão.
"Quando o indivíduo procura um médico porque sente que não está dormindo bem —a dopamina também está envolvida no sono, bom lembrar— ou porque nota um leve tremor nas mãos ou, ainda, porque percebe que já não consegue se levantar da cama ou do sofá com facilidade, ele em geral já perdeu de 50% a 80% dos neurônios dopaminérgicos", conta.
O diagnóstico da doença costuma acontecer na faixa que vai dos 60 aos 75 anos, segundo ele. Mas sempre há exceções. A mais famosa delas é o ator americano Michael J. Fox, astro da franquia "De Volta para o Futuro", que hoje tem 62 anos. Ele descobriu o Parkinson quando tinha apenas 29.
Seja qual for a idade, a dopamina que deixa de ser produzida faz uma falta danada. "A gente precisa dela para os mais diversos movimentos —para andar, para pegar algo, para se sentar, para comer, para falar e até para respirar", justifica Ettenberg.
Segundo ele, o objetivo da bemdaneprocel não é curar o Parkinson.
Veja que as pessoas que receberam essa terapia celular no nosso estudo continuaram com a doença. O que pretendemos é que esse tratamento possa devolver em parte essas funções, que são essenciais no dia a dia. Seth Ettenberg, presidente e CEO da BlueRock
E, nesse aspecto, os primeiros resultados são bastante encorajadores.
O que aconteceu com os pacientes
O objetivo da fase 1 de qualquer estudo é ver se um tratamento experimental, como o bemdaneprocel, é bem tolerado e se não causa danos à saúde. Em outras palavras, serve para mostrar se é seguro. E, por essa razão, o número de participantes é pequeno. Afinal, vai que acontece algum problema?
Não foi —ainda bem!— o caso da terapia celular para o Parkinson. Nenhum dos 12 participantes relatou um efeito adverso importante. Quer dizer, na verdade, dois deles apresentaram problemas durante o estudo, mas nada que tivesse sido causado pelas células que passaram a povoar o putâmen, no meio do seu cérebro.
"Um deles teve uma convulsão no dia seguinte ao do procedimento", conta Ettenberg. "Infelizmente, essa é uma reação que ocorre com cerca de 1% dos pacientes submetidos a uma neurocirurgia qualquer."
O outro participante que teve um percalço deu um azar danado porque, logo no começo, pegou a maldita covid-19. Mas, calma, porque os dois sujeitos ficaram bem e sem sequelas.
Aliás, todos os pacientes apresentaram melhora nos sintomas do Parkinson. Embora avaliá-los não fosse o principal objetivo do estudo nesse momento —repetindo que, na fase 1, o que interessa mesmo é conferir a segurança—, os participantes foram submetidos a testes e, ainda, preencheram um diário, depois de ficarem 24 horas sem qualquer medicação para a doença.
No caso daqueles que receberam uma alta dose de bemdaneprocel —ou seja, o grupo que ganhou 2,7 milhões de neurônios criados em laboratório de cada lado—, registrou-se, em média, 2,6 horas a mais sem discinesia em relação ao que acontecia antes da terapia celular.
Discinesia são aqueles movimentos involuntários, exagerados e intensos. Já na turma que recebeu uma baixa dose, o tempo sem esses sintomas também aumentou, só que menos —0,7 hora.
Os pesquisadores fizeram ainda um exame, o PET 18F DOPA. "Com a ajuda de um radiofármaco, ele consegue nos mostrar como anda a produção de dopamina no cérebro", explica Ettenberg. E o ótimo resultado: ela continuava firme e forte, sinal de que as células enxertadas permaneceram intactas e funcionando.
Qual o próximo passo?
Os cientistas da BlueRock pretendem iniciar o estudo de fase 2 com o bemdaneprocel no primeiro semestre do ano que vem. Nele, o número de pacientes será maior e, já sabendo que essa terapia celular é segura, o principal foco será analisar a eficácia e chegar à dose ideal.
Os voluntários da fase 1 continuarão sendo acompanhados por, pelo menos, mais dois anos. Até para ver se os neurônios produtores de dopamina seguirão resistindo —tomara!
Como ninguém conhece a causa de sua destruição no Parkinson, fica difícil prever se, passado um tempo, as novas células também não acabariam eliminadas. Ainda não dá para estimar se irão durar alguns anos ou longas décadas. Mas, se tudo der certo, elas significarão uma nova era para os 10 milhões de indivíduos com Parkinson ao redor do mundo.
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