Lúcia Helena

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Reportagem

7 motivos inusitados que fazem da mudança do clima uma ameaça à sua saúde

Você decidiu ler um texto incomum. Não por uma questão de estilo, nem de qualidade, mas porque apenas 0,6% de tudo o que sai na mídia, aproximadamente, aborda a crise do meio ambiente e como ela já afeta a nossa saúde.

Quem deu esse número foi a professora Eliseth Leão, durante sua palestra no 8º Fórum Latino-Americano de Qualidade e Segurança na Saúde, em Santiago, no Chile, promovido pelo Hospital Israelita Albert Einstein, pela Clínica Alemana, uma das principais instituições de saúde chilenas, e pelo IHI (Institute for Healthcare Improvement).

"Se eu desconheço um problema porque nunca ouço falar a seu respeito, ele é feito um unicórnio para mim. E unicórnios simplesmente não existem", observou ela, na ocasião. Enfermeira e pesquisadora sênior do Einstein, em São Paulo, Eliseth Leão investiga como a conexão com a natureza é capaz de promover bem-estar.

Ao esboçar as possíveis causas da falta de engajamento, ela lembrou que, embora não faltem evidências de que as mudanças climáticas estão aí, há um certo negacionismo. De fato, quem aposta que a Terra é plana nunca acreditou que a chapa, então, esteja esquentando.

E há uma lentidão ilusória. Tirando quando ocorre um evento climático extremo — fenômeno que deve ser tornar mais e mais frequente —, os efeitos na saúde parecem, mas só parecem, se acumular em câmera lenta, tornando-se imperceptíveis aos nossos olhos. Quer dizer, agora nem tão imperceptíveis assim.

"A Terra é feito uma caixa fechada que absorve parte da radiação solar. Ao mesmo tempo, vomitamos nela 162 milhões de toneladas de poluição todos os dias — fumaça de indústrias, queimadas, transporte terrestre ou aéreo... Nossa atmosfera é um esgoto a céu aberto", comparou, sem medir as palavras, o biólogo Alex Godoy-Faúndez, professor associado da Universidad del Desarrollo, no Chile, onde dirige o Centro de Pesquisa em Sustentabilidade.

Ele também é pesquisador associado na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, e integra o comitê de especialistas da FAO (Food and Agriculture Organization) das Nações Unidas. Mas, em sua apresentação no fórum, Godoy-Faúndez não focou apenas nos problemas respiratórios causados por tanta sujeira no ar ou na dificuldade de andar por aí com a impressão de existirem sete sóis para cada cabeça.

Há outros motivos para a gente entender que se trata uma emergência — climática e de saúde. Aqui estão apenas sete deles de que, talvez, as pessoas falem menos ainda.

1. Áreas inabitáveis mudarão a prevalência de doenças

Em 1950, apenas 0,1% da área de terra do nosso planeta era atingida por eventos climáticos extremos — de secas deixando tudo desértico a inundações depois de o céu desabar em água. "Hoje, 22,1% dos lugares onde o homem poderia habitar estão sujeitos a isso", ensinou Godoy-Faúndez. Boa parte, diga-se, concentra-se no Hemisfério Sul.

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Isso deverá causar movimentos migratórios. E, com a mudança de endereço, mudarão também o perfil da população dos países e a prevalência dessa ou daquela doença neles.

2. Mais violência, depressão, suicídio

Seu corpo funciona a uma temperatura de 37 °C. Ponto. Se o calor do ambiente é maior que isso — para dar um exemplo brasileiro, Cuiabá chegou a 50 °C no ano passado —, o organismo faz o que pode para se resfriar. Produz suor em bicas. Mas isso tem limite. E, antes de você desidratar ou, pior, sofrer uma internação — uma resposta inflamatória à temperatura corporal elevada, capaz de causar uma série de disfunções pelos órgãos e até morte —, é o cérebro que irá se ressentir.

A expressão "no calor das emoções" tem um quê de fisiologia. "Estudos apontam que há, claramente, um aumento da violência durante as ondas de calor, com muito mais brigas e homicídios", apontou o professor Godoy-Faúndez. De cabeça quente, as pessoas perdem o discernimento.

Aliás, na lista dos mais vulneráveis às mudanças climáticas estão bebês, idosos, indivíduos com doenças físicas crônicas, moradores de rua, trabalhadores rurais e— não menos importante — quem tem transtornos mentais.

"Já está muito bem descrito que, nas ondas de calor, todos tendem a dormir mal e ficam não apenas mais irritados, como mais ansiosos e depressivos. Há um aumento até das taxas de suicídio", conta o pneumologista, especialista em terapia intensiva, Guilherme Schettino.

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A questão preocupa o médico: no Einstein, ele é o diretor-superintendente de responsabilidade social. "Não há dúvida de que o impacto disso será mais sentido nas populações economicamente vulneráveis, com piores condições de moradia, sem qualquer climatização", diz ele.

3. Maior risco de infecções

A Organização Mundial de Saúde já soou o alarme de que as mudanças climáticas devem aumentar a incidência de uma série de doenças infecciosas. Godoy-Faúndez chamou a atenção para aquelas transmitidas pela água após inundações. "Em algumas regiões, os casos de hepatite A e de cólera aumentam barbaramente após chuvas torrenciais", ele conta.

4. Dificuldade para chegar ao hospital

É como se, após um período de chuvas fortes, a água acumulada sob o solo em volumes desproporcionais forçasse as áreas onde não há vegetação, causando rombos em ruas e estradas. "Eles podem ser o obstáculo no caminho até o hospital mais próximo", lembrou Godoy-Faúndez.

Também pode haver desabamento, como vimos no Litoral Norte de São Paulo no início deste ano — e, em meio à lama, fica mais difícil para o socorro chegar e para as pessoas se deslocarem a postos, em busca de remédios e atendimento.

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5. Comida menos nutritiva

O cálculo é este: a cada 1 °C a mais em determinada estação, a safra de milho cai, em média 7,4%. A de trigo, 6%. As de arroz e de soja diminuem cerca de 3%. Pense que esses quatro alimentos representam boa parte das calorias que mantêm a humanidade viva.

Isso acontece não só porque a planta não tem mais aquele clima ideal para se desenvolver. "Com o calor, as pestes aumentam", informou Gogoy-Faúndez. O que, claro, pode servir de argumento para o uso de mais agrotóxicos, fazendo da situação uma bola de neve (se alguém ainda se lembrar o que é neve).

"Além disso, o aumento de gás carbônico no ar poluído reduz o nível de nutrientes dos vegetais", comentou o biólogo. "Logo que são colhidos, esses grãos já apresentam menores teores de zinco, ferro, cobre, magnésio e cálcio", exemplifica. Algo parecido ocorre com frutas e hortaliças.

Ao mesmo tempo, o calorão e as secas fazem todo vegetal acumular moléculas que seriam para a sua própria defesa diante do clima inclemente, mas que são toxinas para a saúde humana e a animal, segundo o professor.

6. Agravamento de pandemias

Um estudo realizado na China revelou um número de 15% a 22% maior de casos de covid-19 em áreas com ar mais poluído, cheio de material particulado. Já nos Estados Unidos, a mortalidade provocada pelo Sars-CoV-2 foi, em média, 11% mais alta nas regiões com maior poluição, de acordo com os dados que Godoy-Faúndez apresentou no fórum.

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Não deveria ser surpreendente: na pandemia de gripe espanhola, em 1918, também notou-se mais mortes onde havia maior poluição por carvão. E como, infelizmente, é bem provável que teremos novas pandemias por vírus respiratórios, a situação do ar se torna um agravante perigoso.

7. Piora no atendimento

"Para cada grau a mais na temperatura média de certa época do ano, há um aumento de 5% no risco de você morrer por todas as causas", informa Guilherme Schettino. "No verão passado, na Europa, aproximadamente 70 mil pessoas morreram por efeito direto do aquecimento global."

A poluição do ar também faz suas vítimas fatais: anualmente, 8 milhões de pessoas têm sua morte antecipada por causa dela, segundo o médico. "É mais do que o número de indivíduos que morreu a cada ano de covid-19 no auge da pandemia", compara.

Para o sistema de saúde, sem dúvida, os males provocados pelas mudanças no clima aumentam a demanda. "Em países como o Brasil, que já trabalham com sobrecarga no atendimento, a situação é arriscada. Por isso, precisa haver uma aproximação entre meteorologistas, climatologistas, defesa civil e profissionais de saúde", acredita Schettino.

O que fazer?

Mapear a população para saber onde estão os grupos mais vulneráveis — de novo, crianças pequenas, idosos, portadores de doenças crônicas e transtornos mentais — é fundamental. "Com isso, diante do alerta de uma onda de calor, posso mandar mensagens, lembrando que todos devem beber mais água e tomar seus remédios. Ou pedir ao agente de saúde para fazer visitas com maior frequência nesse período", diz ele.

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A professora Eliseth Leão complementa: "Acima de tudo, precisamos abandonar o pensamento mágico de que surgirá uma tecnologia para nos salvar, o que nos leva à inação. Ou de que aquilo que eu faço não é capaz de causar diferença. Se cada um agir no seu 'metro quadrado', isso já terá um impacto." O que não dá é para fechar os olhos. Esse "unicórnio" não tem nada de saudável.

Observação: A colunista viajou ao Chile para cobrir 8.º Fórum Latino-Americano de Qualidade e Segurança na Saúde a convite do Hospital Israelita Albert Einstein e da Clínica Alemana.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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