Lúcia Helena

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Esqueça os 10 mil passos por dia: para o coração, basta caminhar bem menos

Tudo bem que aquela meta de 10 mil passos por dia para ser saudável não surgiu de um estudo feito como manda o figurino da ciência: foi apenas a sacada de marketing de empresários japoneses para propagandear o primeiro pedômetro de que se tem notícia, aquele velho contador de passos, aproveitando o clima dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964. Mas os "10 mil" colaram. Viraram um número mágico.

Justamente porque todo mundo encasquetou com ele, vira e volta aparece um trabalho para checar se é isso mesmo, se precisamos andar tanto ou se deveríamos caminhar ainda mais. E, de uns tempos para cá, de vez em quando grupos de pesquisadores juntam alguns desses estudos para comparar seus resultados, fazendo a tal da metanálise.

Nessa ideia fixa de tentar cravar quantos passos deveríamos dar diariamente para afastar problemas de saúde, os tais 10 mil já viraram 8 mil. Depois, 6 mil. Ainda neste ano, um pessoal da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, falou em 4 mil e... Bem, agora, equipes de dez universidades de cinco países — Holanda, Espanha, Finlândia, Estados Unidos e Inglaterra — garantem que, se você der 2.517 passinhos, já terá reduzido significativamente o risco de morrer por todas as causas. E, caso se anime a caminhar uns 200 passos a mais — precisamente, se der 2.735 boas passadas — já estará conquistando benefícios para o coração.

Noutro dia, o médico Eduardo Lima, líder de cardiologia do Hospital Nove de Julho e professor colaborador da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), caiu no riso ao ouvir de um colega o seguinte desabafo, depois de ler a nova metanálise, publicada há três semanas no Journal of the American College of Cardiology: "Fica parecendo que a gente até desistiu de incentivar o paciente a fazer exercício e está se contentando com qualquer coisa, desde que a pessoa se mexa".

Para Eduardo Lima, porém, a grande mensagem de todos esses trabalhos, que transformaram aqueles 10 mil passos em uma caminhada bem mais curta, é que essa história de caminhar nunca é pão, pão e queijo, queijo. Ou melhor, é uma variável contínua, pegando emprestado um conceito matemático. "Quer dizer, não existe isso de 'se você fizer tantos mil passos sua saúde irá bem e, se fizer menos do que isso, ela irá mal", explica o doutor. "Antes, até havia aquele pensamento de que, se alguém andasse 9.900 passos, nada de tão bom lhe aconteceria. Agora sabemos que fazer qualquer movimento na rotina é muito melhor do que ficar parado."

Então, cá entre nós, o seu colega não estava totalmente errado. Aliás, a Sociedade Europeia de Cardiologia, bateu nessa tecla. Segundo a sua nova diretriz de diabetes e doença vascular, por exemplo, qualquer duração de atividade física está valendo, mesmo que não passe de 10 minutos.

O estudo que baixou (ainda mais) a meta

Os cientistas que assinam esse artigo recente compararam o que diziam 12 estudos sobre a quantidade ideal de passos por dia. Juntos, eles somavam mais de 111 mil participantes.

Além de chegarem àquelas 2,5 mil a 2,7 mil passadas diárias, que seriam o mínimo para alguém diminuir o risco de morrer e ter problemas cardiovasculares, eles também buscaram saber qual seria o "número ótimo", isto é, o número que traria o melhor resultado, mas a partir do qual já não se veria tanta diferença entre continuar caminhando ou parar. A conclusão foi de que, para evitar morte por todas as causas, o maior benefício é alcançado quando a pessoa dá 8.763 passos. Já para prevenir doença cardiovascular seriam 7.126.

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Não se notou, diga-se de passagem, nada muito diferente entre homens e mulher. A recomendação, portanto, é a mesma para ambos.

O ritmo, sim, importa

A análise conclui, no entanto, que a cadência das passadas é um detalhe importante. "Ela é um fator independente, por assim dizer, ao se analisar a diminuição de riscos para saúde", destaca o doutor Eduardo Lima.

Em bom português: é claro que é bom bater a meta de 2,5 mil passos ao longo do dia, andando até a sala ao lado no escritório, indo à cozinha para pegar um copo de água e fazendo compras no shopping, por exemplo. Mas, para a saúde, parece ser muito melhor quando você dá 2,5 mil passos intencionalmente, no mesmo ritmo, querendo se exercitar e acelerando.

"Ou seja, é bem diferente andar parando, aqui e ali, para conversar com as pessoas ou ver vitrines e andar com o propósito de transformar aquele momento em exercício, como eu fiz durante muitos anos, quando me deslocava a pé do Hospital Nove de Julho ao InCor (Instituto do Coração).", lembra. O cardiologista cumpria os quase 2 quilômetros em passos rápidos. "Não era pressa, mas o propósito de me movimentar", assegura.

"Massagem nos vasos"

É assim que os cardiologistas descrevem o efeito da atividade física quando você aperta o passo e, com isso, aumenta a frequência cardíaca. "Há um maior gasto energético e outras alterações, mas, principalmente, o estresse que o fluxo sanguíneo acelerado provoca na parede dos vasos, como se os massageasse, faz com que eles produzam uma substância chamada óxido nítrico", explica Eduardo Lima. "Ela é um potente vasodilatador. É por isso que, ao terminarmos uma sessão de atividade física, estamos vermelhos."

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Na verdade, enquanto você caminha mais rápido ou faz qualquer outra atividade física em um ritmo de moderado a vigoroso, a pressão até sobe — "a lembrança do que acontece no teste ergométrico é a prova disso", aponta Eduardo Lima.

No entanto, na sequência, a pressão sanguínea de repouso tende a ficar menor do que estava antes de iniciar o exercício. "Isso porque a produção de substâncias vasodilatadoras faz com que ela fique mais regulada." Portanto, para prevenir ou controlar hipertensão, os 2 mil e poucos passos diários já ajudam um bocado.

Atividade física e colesterol

Já em relação ao LDL, o famigerado colesterol ruim que se deposita nas artérias, não espere ver grandes alterações nos exames de sangue. "As pessoas têm a impressão de que, fazendo atividade física, elas irão reduzir os seus níveis. O efeito dos exercícios no LDL, porém, é muito modesto."

E tem outra questão: nos estudos, é muito difícil dimensioná-lo porque quem começa a praticar uma atividade física dificilmente deixar de mudar outros hábitos. "O indivíduo acaba comendo menos alimentos gordurosos e, então, fica difícil separar o que é benefício do exercício e o que é resultado da dieta mais equilibrada", exemplifica o médico.

Ele, porém, lembra que o valor de LDL que parece nos exames não é tudo. "O tamanho da partícula desse colesterol também importa", afirma. Verdade: existem aquelas que são grandalhonas e aquelas que são pequeninas. Estas têm um potencial danado para fazer estragos. "A gente não vê, nos exames de rotina, qual a sua proporção", diz o médico.

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Ela faz a seguinte pergunta para a gente entender o que acontece: "É mais fácil furar um colchão se você dá um soco com a mão ou se espeta uma agulha? É a mesma coisa: quanto menor a partícula, mais densa e pesada ela, é mais fácil entrar na parede do vaso para iniciar uma placa." Não se sabe se as caminhadas diárias podem afetar na questão do tamanho.

E os triglicérides?

Essa gordura no sangue que vem do consumo de carboidratos de fato cai quando você começa a dar suas passadas todos os dias, especialmente se maneirar um pouco no consumo de pães, massas e doces. E esse efeito, em geral, aparece ligeiro, segundo o doutor Eduardo Lima. "Para a formação de placas de aterosclerose, o pior cenário é ter triglicérides altos e um HDL, o colesterol bom, baixo", diz. Mas o exercício incorporado no cotidiano muda essa relação, fazendo a primeira partícula despencar e a outra, que varre o colesterol ruim da circulação, subir um pouco.

Todo esse pacote de benefícios — a pressão mais controlada, menos triglicérides, um pouco mais de HDL, sem contar a liberação de uma série de substâncias antiinflamatórias que afastam o câncer, doença que alavanca a tal da "mortalidade por todas as causas" — já deveria nos animar a sair caminhando. E nem será preciso, parece, caminhar tanto.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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