Lúcia Helena

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Reportagem

Próstata: será que homens acima de 50 não deveriam fazer o exame de PSA?

Há controvérsias, rapazes, quando o assunto é a detectação precoce do câncer de próstata. Se vocês lerem a nota técnica publicada pelo Ministério da Saúde no final do último mês de outubro, a recomendação ali será clara: "não realizar campanhas para convocar homens assintomáticos para a realização de rastreamento com exame de PSA e/ou toque retal." Independentemente da idade — ou seja, não são apenas os cinquentões que deveriam deixar quieto.

Os exames, diz a tal nota técnica, seriam indicados só para aqueles que já tenham algum sintoma — e, de novo, de qualquer idade. E se, mesmo sem notar algo estranho, alguém se sentir inseguro por uma razão qualquer e pedir para ser examinado, é para o médico, então, lhe avisar sobre os riscos de procurar pelo em ovo, ou melhor, de procurar um câncer. Em resumo, seria isso.

Já se vocês lerem as diretrizes da AUA (American Urological Association) , lançadas também neste ano, no finalzinho de abril, a história é bem diferente. Elas recomendam, sim, um rastreamento, isto é, que o exame do PSA — o antígeno prostático específico, que pode ser dosado no sangue — seja feito por homens que estão aparentemente muito bem, obrigado, sem motivo de queixa. E isso para tentar flagrar uma lesão maligna que ainda mal e mal esteja surgindo na próstata.

A dosagem do PSA até poderia ser feita, dizem os americanos, por aqueles mais jovens, que estão na faixa entre 40 e 45 anos, se, por acaso, eles apresentam algum fator de risco para a doença. Isto é, se têm outros casos na família, se estão com obesidade e se são negros, por exemplo. E — atenção, porque o verbo muda — o exame deveria ser feito nesse mesmo grupo de maior risco entre os 45 e os 50 anos.

A partir dos 50, porém, não teria conversa: o rastreamento seria para todos, com o PSA sendo dosado a cada quatro anos, se os seus valores estiverem normais. Ou com a sua dosagem sendo repetida depois de dois anos, se os valores estiverem limítrofes.

Para não olhar só para o que acontece lá fora, no nosso país a SBU (Sociedade Brasileira de Urologia) também se manifestou depois da nota técnica do Ministério da Saúde. "Como tudo em Medicina hoje em dia, a decisão deve ser compartilhada com o paciente", afirma o seu presidente, o urologista Alfredo Canalini. "Um homem com fatores de risco deve prestar mais atenção na próstata a partir dos 45 anos e conversar com o médico sobre a dosagem do PSA. E, se não tiver fatores de risco, pode aguardar os 50 anos." Mas, sim, nessa idade o exame deveria estar na agenda.

O que não faz sentido, na opinião do médico, é esperar algum sintoma para realizá-lo, tal qual sugere a nota técnica do Ministério — como dificuldade para urinar ou até mesmo sangue na urina. "Quando um sintoma desses aparece, o risco de o paciente ter uma doença avançada, sem possibilidade de cura, é maior do que 90%", informa, lembrando que, quando se formou no final da década de 1970, era infelizmente o que acontecia. "O tumor era flagrado tarde demais e as pessoas morriam, sempre com algum sofrimento."

A virada do jogo foi o exame de PSA, molécula que a próstata produz e libera na corrente sanguínea sempre que algo diferente lhe acontece, por assim dizer. Nem sempre é câncer, é verdade. Mas valores muito elevados acendem o sinal de alerta para o caso ser acompanhado de perto, com mais exames, como os de imagem e, eventualmente, uma biópsia para tirar qualquer dúvida.

A nota da SBU chama a atenção que um dos principais estudos sobre o tema, o European Randomized Study of Screening for Prostate Cancer (ERSPC), que acompanhou homens por 21 anos, apontou uma redução na mortalidade por câncer de próstata de 27% quando é feito o rastreamento baseado no exame do PSA. "Abrir mão disso é como voltar ao tempo", pensa o doutor Canalini.

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Por que não fazer o exame em todo mundo?

O oncologista Roberto de Almeida Gil, diretor-geral do INCA (Instituto Nacional de Câncer) frisa que não há lados diferentes nessa jogada, apesar existir mais de uma visão sobre o tema: "É bom que exista o debate. Afinal, o que todos nós queremos é a saúde dos pacientes", faz questão de frisar.

No entanto, segundo ele, os estudos apontam que a realização de um rastreamento em toda a população masculina acima dos 50 anos — ou menos até, no caso de homens com fatores de risco — não traria benefícios, contrariando o que pensa a maioria dos urologistas.

"A nota do Ministério da Saúde, que está de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), se apoia em estudos mostrando que, quando esse exame é feito amplamente, há um aumento de diagnósticos e, consequentemente, um crescimento no número de cirurgias, mas não há uma diminuição da mortalidade", diz ele. "Para completar, o tratamento do câncer de próstata pode gerar sequelas, como disfunção erétil e incontinência urinária, abalando o bem-estar de homens que, muitas vezes, apresentam tumores que são indolentes, com uma evolução tremendamente lenta. Isso quer dizer que esses homens frequentemente morrem com o tumor, mas não morrem por causa dele", informa.

Vale ressaltar, porém, que a própria nota técnica ministerial registra que estamos falando do segundo tipo de câncer mais incidente na população masculina em todas as regiões do Brasil. Entre este ano e 2025, serão nada menos do que 71.730 novos casos, segundo as estimativas do próprio INCA. E esse tumor é a segunda maior causa de morte entre os homens.

O médico Luís Augusto Seabra Rios, diretor do Serviço de Urologia do Hospital do Servidor Público Estadual/ Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual), em São Paulo, não esconde o estranhamento: "Existem, de fato, tumores que você não precisa operar, mas eles pedem uma observação cuidadosa. Sem contar que representam uns 30% dos casos. E os outros 70% que podem ser mais agressivos?", questiona.

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Para ele, ler a nota técnica é como assistir a um filme que já foi rodado, quando, nos Estados Unidos, a Força-Tarefa — grupo de especialistas consultores que criam as recomendações sobre prevenção nesse país — decidiu abolir o rastreio do câncer de próstata com o exame de PSA. O final dessa fita não foi dos mais felizes. Tanto que teve continuação para tentar salvar o enredo — ou para tentar salvar vidas, melhor dizendo.

O uro-oncologista Mário Bavaresco, também do Hospital do Servidor Público Estadual, na capital paulista, estava pelos Estados Unidos quando a Força-Tarefa soltou essa nota deixando de recomendar o exame de PSA em 2012. "Caiu feito uma bomba entre os urologistas", recorda-se.

A questão é olhar a longo prazo. "O INCA não está faltando com a verdade quando cita grandes estudos que não viram diferença na mortalidade, mas que só acompanharam os pacientes por menos de década", diz. "O problema, capaz de iludir, é que as formas mais graves de câncer de próstata evoluem de maneira mais lenta", explica.

Daí que, quando a Força-Tarefa americana se debruçou sobre o assunto novamente, vendo o que tinha acontecido entre 2012 e 2018, o cenário era outro. Como, na cultura americana, os médicos morrem de medo de processos judiciais e, portanto, de irem minimamente contra uma recomendação, eles deixaram de pedir o PSA. Logo, diminui a quantidade de diagnósticos. Consequentemente, também houve uma redução no número de cirurgias, é claro.

"A idade em que a doença era descoberta também aumentou, o que fazia sentido, porque os homens só desconfiavam de algo errado quando já tinham sintomas", conta o doutor Bavaresco. "E, portanto, houve um salto de diagnósticos de doença avançada, que já tinha se espalhado pelos linfonodos. E, como resultado, aumentaram as mortes também."

Por isso, em 2018, a Força-Tarefa americana voltou atrás. E cinco anos depois, nós ainda estamos alguns capítulos antes, talvez.

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Sobre os homens negros

Os dados — ao menos, a maior parte deles — vêm dos Estados Unidos, mas não poderia fechar este texto sem sublinhá-los. A nota técnica no Ministério da Saúde não cita o fato de ser negro como fator de risco para o câncer de próstata. E parece que é. A própria nota da SBU reconhece que homens negros precisam ficar ainda mais atentos à saúde da próstata.

O doutor Roberto Gil justifica a omissão no texto da nota: "Nos Estados Unidos, não se sabe se isso acontece por causa de algum fator genético ou se teria a ver com uma dificuldade de acesso dos homens negros ao sistema de saúde americano. E, como não há dados da nossa população masculina nesse sentido — que , aliás, seriam bem-vindos —, ao mesmo tempo em que temos o SUS (Sistema Único de Saúde), não dá para extrapolar e dizer que o homem negro brasileiro teria maior probabilidade de desenvolver o tumor de próstata."

Para Mário Bavaresco, não importa se a causa seria biológica, ambiental ou social: "Se há a suspeita de maior risco, temos de tomar maior cuidado com essa população." Ou seja, repensar na hipótese de fazer o exame PSA valeria para todo homem entre 50 e 74 anos. E, se é negro, pode ser ainda mais importante.

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