Por que os idosos são um dos principais focos na busca por novas vacinas?
Wavre aparece como um ponto bem no meio do mapa da Bélgica e, de perto, lembra um cartão postal com 32 mil habitantes. Para você ter noção, Boituva e Batatais, no interior paulista, ou ainda Mariana, em Minas Gerais, têm duas vezes o seu tamanho.
Mas ali, na cidadezinha belga, reside aquela que é apontada como a maior indústria de vacinas do mundo. Maior, quero dizer, ao pé da letra: ocupa uma área equivalente a 70 campos de futebol e foi erguida ainda em 1995 pela GSK, farmacêutica britânica que, só no ano passado, entregou 500 milhões de doses de mais de 20 imunizantes diferentes ao redor do globo. E, dizem, há outras vinte candidatas a vacinas em estudo em seus laboratórios.
Fui até lá para ver de perto essa magnífica linha de produção. E, acima de tudo, para entender um pouco mais sobre o que o futuro nos reserva. E uma coisa é certa: ele nos reserva uma população cada vez mais idosa.
"A expectativa de vida das pessoas deve aumentar cerca de 4 anos até 2040. E, em 2050, a quantidade de gente acima de 60 anos no planeta irá superar a de jovens entre 10 e 24 anos de idade", ouvi do microbiologista e imunologista canadense Yan Sergerie, atual vice-presidente global de portfólio médico da GSK e especialista na área de imunização de adultos.
Pois guarde o seguinte: se as vacinas sempre foram mais associadas à infância, essa história tende a mudar. Os cientistas estimam que vamos precisar tomar mais doses de imunizantes contra diversas infecções — e quem sabe até contra alguns cânceres — a partir dos 60 anos do que uma criança do seu nascimento até os 8 anos de idade.
Necessidade de reforços
"Ao chegar aos 60, um indivíduo tem mais 20, 30, 40 anos pela frente. E, claro, vacinação é algo para mantermos em dia ao longo da vida inteira", observa a médica Maisa Kairalla, presidente da Comissão de Imunização da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).
A doutora pega como exemplo a nova vacina da própria GSK contra o herpes zóster. "Estamos acompanhando há 12 anos pacientes que a tomaram ainda na fase de desenvolvimento e, nesse período, sua efetividade se mantém", conta. "Mas será que, passados vinte anos, ela continuará a mesma? Provavelmente não. E será que, ao cair, poderei tomar outra dose? É possível que sim. É esse o tipo de pergunta que começamos a nos fazer agora."
Yan Sergerie vai por essa mesma linha: "A vacinação de adultos é desafiadora por diversas razões. Uma delas é a falta de dados, de que estamos correndo atrás. Outra é a falta de impacto, eu diria. Isso porque as vacinas precisam vencer o fenômeno da imunossenescência, isto é, a resposta menor do sistema de defesa a partir de certa idade. Finalmente, faltam vacinas. Por enquanto, só existem umas seis ou sete para essa faixa etária. Às vezes escuto: 'Isso é muito!' Mas não é. Ao contrário! Precisamos desenvolver mais imunizantes para essa população."
Evitar que doenças crônicas saiam do controle
Por que tomar ainda mais vacinas com o passar do tempo? Bem, prevenir infecções que, nos mais velhos, complicam é uma dedução um tanto lógica. No Brasil, ainda ontem, dia 5, foi aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) uma vacina contra o vírus sincicial humano para quem tem 60 anos ou mais.
O causador da bronquiolite é sempre citado — e com razão — quando se fala do risco de infecções respiratórias em bebês. "Mas, apesar de a frequência da doença ser maior neles, a mortalidade é muito mais elevada nos idosos, assim como a quantidade de internações em UTIs", avisa a doutora Maísa Kairalla. Só nos países desenvolvidos, esse vírus causa a hospitalização de mais de 470 mil idosos ao ano — e, deles, infelizmente 33 mil acabaram morrendo.
Mas há outros motivos — vamos dizer que indiretos — para não se vacilar com as vacinas indicadas para a terceira idade. "Quando alguém contrai uma doença infecciosa e ela não é muito leve — se está tossindo, com mal-estar, perda de apetite, palidez, febre — , pode apostar que há uma avalanche de citocinas, moléculas por trás de uma inflamação. E essa inflamação irá descompensar doenças preexistentes, como diabetes e problemas cardiovasculares", explica a geriatra.
"Estudos indicam que, ao se imunizar contra o influenza e evitar quadros mais graves de gripe, há uma redução de 13% no risco de acidente vascular cerebral isquêmico", exemplificou o doutor Sergerie em sua apresentação, quando estive na Bélgica. "Já a vacina contra o herpes zóster, ao evitar essa doença, pode diminuir risco de infartos em 14%." Se for para resumir o que vi com ele em Wavre, essa inflamação forte da cabeça aos pés culmina na ruptura de placas nas artérias e favorece a formação de coágulos.
Sim, vacinas — mesmo quando não evitam que alguém pegue determinada doença —, seriam feito uma "muleta", capaz de ajudar o organismo a se levantar e se defender sem a necessidade de todo esse escarcéu inflamatório. E de um jeito mais rápido, um seja, sem dar tanto prazo para que bactérias tirem proveito da situação, causando uma pneumonia, por exemplo.
O entrave da imunossenescência
Bom deixar claro que imunossenescência não é imunodeficiência. É um processo natural e esperado, que começa devagar perto dos 30 anos. Mas que novos imunizantes precisam vencer, protegendo mais — isto é, apresentando uma taxa de efetividade próxima daquelas das vacinas em crianças e adultos jovens — e por mais tempo.
"As vacinas de RNA-mensageiro são promissoras para muitas doenças além da covid-19 porque, até onde sabemos, são bastante imunogênicas em idosos", diz o doutor Sergerie. Ele quer dizer que elas capazes de despertar uma boa resposta do sistema imunológico. "E também estamos evoluindo muito no sistema de adjuvantes".
Um adjuvante é uma molécula que, adicionada à vacina, atiça as células de defesa, mas de um jeito certo. "Vírus e bactérias têm uma série de moléculas diferentes em sua superfície que expressam papéis importantes durante uma infecção", começa a explica o líder de imunologia da GSK na Bélgica, Yannick Vanloubbeeck. "Algumas delas disparam a reação de proteção do nosso organismo. Outras, porém, só incitam mais e mais inflamação. Hoje, o que conseguimos fazer é filtrar essas moléculas e separar só as que nos interessam, isto é, aquelas que induzem a proteção."
Desse modo, segundo ele, o adjuvate não agrava o processo inflamatório. "Injetado junto com o agente que causa uma doença, ele logo se encaixa no receptor de determinadas células imunológicas e, então, é como se dissessem: 'Estão vendo aquele ali, que está comigo? E é um estranho, reajam depressa!'"
Contra velhas e novas doenças
Na Bélgica, os pesquisadores estão avançando no estudo de adjuvantes assim para aprimorar vacinas já existentes e para desenvolver outras contra infecções que, até hoje, não têm proteção: "Herpes simples é uma delas", antecipa Yan Sergerie. "E infecção por estafilococo é outra."
A estafilococo é uma bactéria presente na pele e na mucosa do nariz de muita gente. O problema é quando cai na corrente sanguínea através um machucado — ou de um procedimento médico, se a pessoa está internada. Aí, se o sistema imunológico não está a mil, pode ser tornar uma grande causadora de sepse, a terrível infecção generalizada.
No caso de infecções hospitalares, aliás, Yannick Vanloubbeeck aposta que, no futuro, vacinas com essas novas tecnologias poderão se sair muito melhor que antibióticos. Primeiro, pelo motivo óbvio de que serão dadas antes de a pessoa adoecer e ficar debilitada. Além disso, o antibiótico geralmente mira em uma única molécula das bactérias. Só que, no organismo doente, existem milhões de suas cópias e, se uma delas escapa, logo se torna resistente e se multiplica. A infecção, então, volta a se agravar e o remédio não irá funcionar como antes.
"Já as vacinas podem ser feitas com múltiplos componentes das bactérias", compara Vanloubbeeck. "Se as nossas defesas não reconhecerem um deles, acabarão reconhecendo outro." Ou seja, o imunizante é capaz de ensinar o sistema imunológico a fazer um cerco.
Desse modo, chegará o dia em que, antes de você se internar para um procedimento qualquer, irão lhe pedir para se proteger contra infecções hospitalares passando um posto de vacinação. Ainda mais se tiver certa idade. Porque vacinar-se, cada vez mais, será atitude para gente madura.
Nota: esta colunista jornalista viajou para a Bélgica a convite da GSK.
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