Lúcia Helena

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Reportagem

Diabetes tipo 1: por que ele, agora, deu para aparecer em bebês e idosos?

Vou começar pelo fim: por enquanto, ninguém sabe a resposta da pergunta no título. Trata-se de um dos mais recentes mistérios da Medicina.

A imagem que ilustra esta coluna, porém, não tem segredo para os médicos. É a de uma molécula de insulina, hormônio que, feito chave, permite que a glicose presente na circulação entre para abastecer de energia cada uma de nossas células.

No entanto, existem pessoas em que esse açúcar fica dando sopa no sangue, sem entrar em célula alguma, simplesmente porque o organismo perdeu a sua chave. Nelas, o sistema imunológico cisma que as células beta do pâncreas, encarregadas de fabricar a tal da insulina, são inimigas mortais e, por isso, as destrói sem dó, nem piedade. É esse, basicamente, o mecanismo do diabetes tipo 1.

Só que essa doença, que, salvo raríssima exceção, era diagnosticada sempre no final da infância e na adolescência, cada vez mais aparece nos extremos de idade. Isto é, aumentam a olhos vistos os diagnósticos em bebês entre 6 meses e 2 anos e em senhores e senhoras sexagenários ou até mais velhos.

Aliás, um estudo publicado na revista The Lancet, assinado por cientistas australianos, canadenses e americanos, deixa claro que, atualmente, há mais novos casos em adultos do que em crianças. E boa parte desses adultos são maduros pra valer, com seus 65, 70, 80 anos até.

Os autores ainda usaram modelos matemáticos para projetar quantos casos de diabetes tipo 1 teremos no mundo até 2040 e, para espanto geral, essa é a faixa etária em que ele apresenta maior tendência a crescer. Outros artigos científicos, diga-se, apontam na mesma direção.

"O que chama a atenção é que, hoje, a faixa acima de 60 anos já tem uma incidência igual à da criança e, até bem pouco tempo atrás, ninguém imaginava flagrar o diabetes 1 em alguém com essa idade", comenta a endocrinologista pediátrica Monica Gabbay, que é professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde também coordena o Ambulatório de Bomba de Infusão de Insulina.

O flagrante nos idosos

No início, quando centros do mundo inteiro passaram a encontrar gente com diabetes tipo 1 na terceira idade, até houve um questionamento: "Será que eram pessoas que já tinham uma doença que passou despercebida esse tempo todo ou será que ela realmente tinha surgido mais tarde? A prática vem reforçando a aposta na segunda opção", afirma a professora.

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Segundo ela, agora é relativamente comum um endocrinologista receber indivíduos com sintomas de diabetes por volta dos 65 anos e as dosagens no sangue confirmarem uma glicemia nas alturas. Então, a primeira suspeita é que seria mais um paciente com diabetes tipo 2 ou até mesmo com LADA (sigla em inglês para "diabetes autoimune latente do adulto"). Mas, na hora do vamos ver, nota-se que é um diabetes tipo 1 legítimo.

Diferente do tipo 2 e do LADA

O tipo 1 de diabetes é um exemplo bem acabado de doença autoimune. "Quanto mais jovem é a criança no momento do diagnóstico, mais agressiva costuma ser a destruição provocada pelas células de defesa", ensina Monica Gabbay. Parênteses: para se ter ideia, em bebês, em que também estão aparecendo inesperadamente mais casos, há uma dependência total de repor insulina desde o primeiro instante.

"No tipo 2, as defesas não interferem e o indivíduo tem insulina", diferencia a endocrinologista. "Mas, por causa de uma condição desfavorável — em geral, o sobrepeso e a obesidade —, esse hormônio não é suficiente para a demanda do organismo. Ele precisa de muito mais insulina para fazer o serviço de colocar o açúcar para dentro das células. Até que a produção se torna deficiente. Nessa fase, será necessário tomar medicamentos antidiabéticos ou até mesmo repor o hormônio, como no diabetes tipo 1."

Já o LADA seria uma versão mais suave do diabetes tipo 1. "Sua característica imunológica é mais dócil. Por isso, ainda vamos encontrar uma reserva de peptídeo C no sangue", diz a professora. Sinal de que restaram algumas células beta intactas, apesar do ataque autoimune.

A prova final: o peptídeo C

Imagine a molécula de insulina como uma corrente. O tal peptídeo C seria comparável aos elos, unindo suas contas. "E só o hormônio que o próprio corpo produz tem esses elos. Daí que, se eu dosasse apenas a insulina no sangue — e não o peptídeo C também — , não conseguiria distinguir a produção do organismo da injeção foi aplicada no pronto-socorro quando o paciente passou mal", explica a médica.

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De acordo com ela, um idoso que apresenta LADA pode levar uns seis meses até precisar aplicar hormônio. Mas muitos dos que chegam agora não têm mais peptídeo C. Ou seja, não produzem nem sequer um nadica de insulina. Precisam repô-la na mesma hora. Prova de que têm um diabetes tipo 1 clássico. E o mesmo vem ocorrendo com os bebezinhos.

O que está acontecendo com os bebês?

Monica Gabbay tem 39 anos de formada e conta que, no início de carreira, era difícil ver criança pequena com diabetes tipo 1. "Aliás, quando dizíamos que era um paciente muito pequenininho, ele tinha uns 6 anos", relembra.

Mas, de uma década para cá, ela passou a ver mais casos em bebês. "Quando o diagnóstico é feito antes dos 6 meses, costuma ser diabetes neonatal e, em geral, ele tem a ver com uma única mutação genética", diz a professora. "Por causa dela, as células podem não ter receptores para a insulina", exemplifica.

Para saber a mutação que está por trás, os médicos pedem o chamado painel genético. E foi o que Monica Gabbay fez, ao receber um bebê com diabetes aos 5 meses de idade. Mas, como soube que o irmão tinha doença celíaca, resolveu solicitar a dosagem de anticorpos envolvidos no diabetes tipo 1 também.

Resultado dos exames: nenhuma mutação nos genes. Aquele, portanto, não era um diabetes neonatal. Mas os anticorpos do diabetes tipo 1 estavam presentes e, em apenas cinco meses, já tinham feito um estrago danado.

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Perguntei para a endocrinologista por que razão a doença autoimune do irmão a deixou com uma pulga atrás da orelha. "Porque pode haver uma tendência familiar a doenças autoimunes", justifica. "Naquela família, além do irmão com doença celíaca, a mãe tinha tireoidite de Hashimoto."

Ainda assim, o fato é que doenças autoimunes sempre existiram. Diabetes tipo 1 em bebês de poucos meses, não. O que estaria diferente agora?

Várias teorias para explicar

Ninguém, como já disse, sabe ao certo o que está acontecendo. Seriam os vírus a que essas crianças estão expostas? — indagam-se alguns cientistas. Na lista de suspeitos entrou até mesmo o Sars-CoV-2 da covid-19. "Mas o crescimento do diabetes tipo 1 em bebês e idosos começou antes da pandemia", observa Monica Gabbay.

E é curioso pensarem em viroses, porque antes, ao contrário, prevalecia a "teoria higiênica". Os médicos achavam que havia um maior número de pacientes com diabetes tipo 1 nos países do norte europeu, por exemplo, porque, lá, é tudo muito limpinho, há menos micro-organismos causadores de doenças circulando e, consequentemente, as crianças ficam sem a famosa "vitamina S" (uma dose de sujeira). O organismo infantil, então, não treinaria seu sistema imunológico. Mas talvez a eclosão de novos vírus e parasitas seja igualmente ruim.

Além de novas infecções, os poluentes estão na berlinda, bem como outras substâncias capazes de desregular o sistema endócrino e o imunológico, por tabela. E é até possível, pensando nos idosos, que algumas pessoas tenham desde moças anticorpos capazes de atacar o pâncreas e que eles, no entanto, nunca tenham comprado essa briga. Até serem atiçados décadas depois — resta saber pelo quê.

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Examinar os bebês

A Itália, recentemente, seguindo o exemplo da Finlândia, resolveu determinar o rastreamento do diabetes tipo 1 e da doença celíaca em todos os bebês. "A Inglaterra, parece, cogita fazer o mesmo", informa a professora Monica.

A motivação é o avanço de medicamentos que podem, se esse diabetes for flagrado antes de o pâncreas ser muito atacado, retardar a necessidade do uso de insulina, modulando o sistema imunológico. Sem contar a esperança de, mais dia, menos dia, despontarem tratamentos envolvendo células-tronco e pâncreas artificiais.

Atenção, idosos

Quando a glicose sanguínea sobe demais, a primeira providência do organismo é abrir as torneiras dos rins para descarregá-la. Logo, a pessoa vai mais ao banheiro para urinar. E, como nosso corpo é composto 70% de água, ele logo se ressentirá da medida e terá mais sede. As células, por sua vez, com a falta de glicose ficam sem energia. Perde-se peso. Vem o cansaço.

"No idoso, não é comum aumentar a fome, o que vemos em crianças com diabetes tipo 1", nota a médica. Mas o problema é que, se ele vai mais ao banheiro, dizem que é o normal da idade. Se emagrece ou se sente desânimo, idem. O ideal seria nunca ignorar essas pistas e, de agora em diante, sempre suspeitar de diabetes — incluindo, quem diria, o tipo 1.

Reportagem

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