Lúcia Helena

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Reportagem

Enxaqueca: por que é tão importante a chegada de um remédio mais eficaz?

A enxaqueca não é qualquer dor de cabeça — até porque não é só uma dor. Pulsando impiedosa, boa parte das vezes de um lado só, está sempre mal acompanhada por náusea, crises de vômito, intolerância à menor nesga de luz e a cheiros que nem precisam ser fortes. Há quem liste dezenas de sintomas.

Tudo pode vir junto e um pequeno esforço físico é o que basta para a situação piorar de vez. Daí que ficar quieto na cama, longe de tudo e de todos — ou seja, afastado das atividades do dia a dia — não raro é o único jeito de suportar a crise.

Ela, por sua vez, pode ser anunciada pela famosa aura luminosa, geralmente uma meia-lua ziguezagueando por onde o sofredor resolva botar os olhos, feito uma holografia projetada por seus neurônios, que, lógico, apenas ele consegue enxergar e que desaparece depois de uns 60 minutos. Mas o resto do tormento é capaz de permanecer por horas. Ou dias.

"Tirando a epilepsia, não existe doença mais estigmatizante no campo da neurologia", pensa, com sinceridade, o médico Gabriel Kubota. Ele coordena o Centro de Dor justamente do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

Doer por doer

É preciso esclarecer que a enxaqueca é uma doença pra valer. Não é um mal-estar, uma "frescura" — entre aspas, por favor! — de que algumas mulheres reclamam sempre que estão para menstruar.

Dou esse exemplo porque uma em cada seis mulheres tem enxaqueca. São de duas a três pacientes do sexo feminino para cada homem com a mesma queixa e, como ela é influenciada por flutuações hormonais, principalmente do estrógeno, o período em que a menstruação se aproxima é crítico. "Nele, quando a paciente herda a tendência genética a sofrer de enxaqueca, as crises parecem mais intensas e duradouras", nota o neurologista.

Nessa doença, os miolos não explodem como consequência de outro problema, que poderia ser de um resfriado a um aneurisma cerebral. No caso, a dor é primária, ou seja, ela existe por conta própria. Gabriel Kubota faz a analogia com um carro cujo alarme vive disparando: "E, na verdade, nenhum ladrão está tentando levá-lo".

Seguindo com a mesma história, aí é que está a verdade dolorosa: a Medicina ainda não deu um jeito de desligar completamente o "sistema de alarme" quando ele é acionado à toa. No máximo, consegue abaixar o seu volume, reduzindo a intensidade dos sintomas e ampliando o intervalo entre as crises. Mas qualquer ganho nesse sentido já é capaz de fazer uma tremenda diferença. E é o que se espera com a chegada da eletriptana no Brasil.

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A droga está aprovada nos Estados Unidos desde o início dos anos 2000, sendo recomendada em diretrizes internacionais. Mas só aterrissou no país agora, trazida pelo laboratório Viatris.

A mais eficaz da família

"A eletriptana faz parte da classe de medicamentos dos triptanos", conta a doutora Elizabeth Bilevicius, neurologista clínica pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e atual diretora médica do Viatris.

É, portanto, de uma tradicional família de remédios que já são bastante conhecidos por socorrerem quem está em plena crise de enxaqueca. Os triptanos são teoricamente capazes de reduzir em 50% a intensidade da dor.

A questão é que nem todo mundo responde a todos eles da mesma maneira. "Existem pessoas que se dão bem com um, mas não sentem alívio quando usam outro", explica a doutora. "Por isso, quanto maior o número de opções, melhor. E sentíamos falta dessa alternativa a mais, que é a da eletriptana."

Até porque, de acordo com diversos estudos, entre todos os triptanos, essa molécula é a que parece ser a mais eficaz. A dose de 20 miligramas, ao ser comparada com a dosagem de 100 miligramas do sumatriptano, que é o medicamento dessa classe mais usado pelos brasileiros, mostrou um resultado bem parecido. Isso não é ruim: prova que a eletriptana fez o mesmo com menos, diminuindo o risco de efeitos adversos, como a sonolência.

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"Quando a comparação foi com uma dose um pouco maior de eletriptana — no caso, de 40 miligramas —, sua eficácia já se mostrou superior", conta a doutora Elizabeth. Duas horas depois de terem tomado o sumatriptano de 100 miligramas, 54% das pessoas tiveram redução dos sintomas da enxaqueca contra 65% dos que usaram a eletriptana. "E, com a dose máxima dessa medicação, que é de 80 miligramas, a resposta subiu para 77%."

Por fim, o efeito eletriptana também dura mais tempo: de oito a dez horas, contra algo em torno de seis ou oito horas do sumatriptano.

O impacto no dia a dia

O efeito prolongado também conta, quando a gente repara no que diz a doutora Elizabeth: "Essa doença rouba, em média, quatro dias e meio de produtividade por mês".

"Ela também pesa para os serviços de saúde", acrescenta o doutor Gabriel Kubota. "Um estudo recente mostra que, no Brasil, a enxaqueca representa uma despesa na ordem de 67 bilhões de reais por ano, entre gastos diretos e indiretos. Ora, a pessoa falta no trabalho ou, quando vai ao serviço durante a crise, rende bem menos. Fica pipocando no pronto-atendimento. Vive fazendo exames, toma medicações... Tudo isso tem um custo".

Os dois neurologistas observam que, muitas vezes, os pacientes desconhecem que há tratamentos específicos e saem engolindo analgésicos por conta própria. "A automedicação é um perigo, capaz até de agravar o quadro", alerta Elizabeth Bilevicius

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Como a eletriptana age

Como outros integrantes dos triptanos, o medicamento age em dois receptores encontrados nos vasos do sistema nervoso — se quer mesmo saber os nomes, a dupla é conhecida por 5HT1B e 5HT1D. "E uma possível explicação para a maior eficácia da eletriptana é que, ao menos em tubos de ensaio, ela se mostra mais seletiva para esses receptores", diz a médica.

Digamos que não fica perdida e logo se encaixa neles. Isso interrompe a cascata que levaria à dor, a qual começaria com uma vasodilatação. "Mas é importante que a medicação seja usada no início dos sintomas, sem esperar cheguem ao auge. De preferência, ela deve ser tomada antes mesmo da dor, ainda na fase da aura", informa a neurologista. "Isso aumenta as chances de abortar a crise."

Mas vale chamar a atenção para o seguinte: justamente por causar uma vasoconstrição, a eletriptana é contraindicada para pessoas com doença cardiovascular.

Entre uma crise e outra

"Lançar mão de triptanos é importante para aliviar sintomas que estraçalham a qualidade de vida na hora da crise, mas isso sozinho não trata a doença", observa o doutor Gabriel Kubota. "É preciso apelar, também, para medicações com o objetivo de prevenir novas enxaquecas e elas devem ser tomadas todos os dias, a pessoa sentindo dor ou não."

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Segundo ele, exames que ressonância magnética funcional, usados para fins de pesquisa, revelam que a atividade cerebral já fica alterada uns três dias antes de a enxaqueca aparecer. A hipótese é de que o estímulo inicial venha do trigêmeo, o principal nervo da face, que se conecta ao tronco encefálico.

Hiperativado — aliás, algumas pessoas chegam a perceber uma maior sensibilidade na pele ao pentear os cabelos nas vésperas de uma crise —, ele dispararia um processo que, resumindo bastante, culminaria com uma enxurrada de substâncias inflamatórias, inclusive nos músculos da cabeça e do pescoço e nas meninges, as membranas que revestem o cérebro.

Por essa razão, no arsenal preventivo entram anti-inflamatórios, sem contar a velha aspirina em doses maiores e outras medicações, de acordo com a avaliação de um bom neurologista.

Além disso, existem condições que são, nas palavras do médico, "gasolina na fogueira", tornando as crises de enxaqueca mais fortes e diminuindo o intervalo entre elas.

Os distúrbios de sono, com destaque para apneia, e a obesidade são duas delas. A depressão e os transtornos de ansiedade são outras duas. "Há, ainda, o bruxismo. Ele não foi descrito como fator desencadeante, mas é o que a gente vê na prática, talvez pelo impacto do ranger de dentes no nervo trigêmeo", acredita o neurologista. "O fato é que, se a pessoa não cuidar desses problemas paralelamente, eles acabarão comprometendo os resultados do tratamento contra a enxaqueca", avisa.

Por fim, na lista de medidas, o médico inclui espantar o sedentarismo. Sim, pesquisas apontam que, além de engolir velhos e novos remédios, como a eletriptana, é preciso se mexer para se afastar da dor.

Reportagem

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