9 coisas que a gente insiste em ignorar sobre a dengue
O bicho está pegando — ou melhor, está picando. Mal começou e 2024 já promete: o Brasil terá a pior epidemia de dengue de toda a sua história. Chegaremos ao final de fevereiro superando o número de casos do ano passado inteiro.
Uma série de fatores contribuem para isso. As mudanças climáticas, claro, são um deles. "Não é só que estamos enfrentando um calorão", diz o infectologista Alexandre Naime Barbosa. "Houve uma antecipação dos meses quentes, com ondas de calor já no começo de outubro passado."
Como o Aedes aegypti, transmissor do vírus dessa doença, vive muito mal em temperaturas abaixo de 18° Celsius, o verão esticado deu a essa espécie mais tempo para picar um bando de gente e multiplicar sua população.
"Sem contar que temos as chuvas. Clima quente e chuvoso é tudo o que ele mais gosta", observa Naime, que é também coordenador científico da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Botucatu.
O mosquito, ainda por cima, ultrapassou fronteiras. Hoje bate suas asinhas onde você nunca imaginou que ele poderia estar. E nem parece mais o mesmo — está deixando os estudiosos doidos.
Há também mais sorotipos do vírus da dengue circulando por aí do que em anos anteriores, aumentando o risco de casos graves. E pessoas viajando de um lado para o outro, carregando-os para cima e para baixo no país.
Não quero rasgar sua fantasia, mas, se ainda acha que ameaça de pegar dengue não é com você, fique sabendo de nove coisas que podem mudar essa impressão.
1. O mosquito adora o ar que você respira
O Aedes aegypti voa até uma altura equivalente à do 8.º andar de um prédio. "Mas, na verdade, ele pode ir muito mais alto, pegando um elevador", diz Alexandre Naime.
O que o atrai é a concentração do gás carbônico que expiramos. Portanto, para a fêmea — que é quem pica, para obter energia e botar seus ovos —, um elevador com um sujeito dentro é boa pedida. Lotado? Um achado. E uma festa ou qualquer outra aglomeração, um banquete. Daí que não tenha dúvida: este é o Carnaval do Aedes. Algumas cidades já preparam seus hospitais de campanha para o que se seguirá à folia.
2. O Sul também está encrencado
"Ninguém imaginou que, um dia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná teriam muitos casos de dengue", diz Antônio Bandeira, infectologista do Lacen-BA ( Laboratório Central do Estado da Bahia) e coordenador do Comitê de Arboviroses da SBI.
Em 2017, os cientistas notaram uma espécie de corredor do Centro-Oeste do país em direção ao Sul, pelo qual parecia descer outra doença, a febre amarela. Nele, as temperaturas estavam subindo e o volume de chuvas também. Pois, segundo o doutor Bandeira, tudo indica que o Aedes pegou a mesma rota recentemente.
Entre os gaúchos, por exemplo, só em janeiro deste ano foram 1.595 casos da infecção contra apenas 88 no mesmo período de 2023. Não há mais canto do país em que esse mosquito dê sossego.
3. O Aedes anda diferente
"Com o aumento das temperaturas, a sobrevida do mosquito está aumentando, o que significa que ele consegue picar mais pessoas e produzir mais ovos.", informa o professor Kleber Luz, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Consultor da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) para arboviroses e assessor também da OMS (Organização Mundial da Saúde), ele garante: "Temos mais mosquitos da dengue entre nós agora do que em qualquer outro tempo."
Mas o problema não é só quantidade. O bichinho anda duro na queda. "Ele vem se adaptando", conta Alexandre Naime. "Está cada vez mais resistente aos inseticidas comuns. Em um lugar ou outro, como Goiânia, o fumacê já não está funcionando."
Mais esta: antes descrito como um apreciador de água limpa e parada, hoje suas larvas são encontradas em água corrente, como a da beira de rios. E também são flagradas em águas sujas. Para o nosso azar, o mosquito deixou de ser exigente.
4. Não faz zumbido
Discretíssima, a fêmea do Aedes se aproxima sem fazer aquele "zunzum" nos nossos ouvidos. Pica o cidadão duas, três, quatro vezes até se fartar e ele nem repara porque não dói, nem coça.
Geralmente, ela prefere se alimentar do amanhecer até o sol se por — é à luz do dia que todo cuidado é pouco. "Se bem que esse mosquito anda tão destrambelhado que talvez comece a picar de madrugada também", desconfia o professor Alexandre Naime.
5. O maior perigo é o da segunda infecção
"Quando alguém pega dengue pela segunda vez, a primeira infecção até fica parecendo uma doença tola", compara o professor Kleber Luz.
Em quem nunca teve contato com o vírus, surge a febre. Os músculos são torturados pela dor, assim como as articulações e a cabeça. Não se pode dizer que são sintomas parecidos como os de uma gripe, porque não incluem amidalite, por exemplo. "Tudo dura uns quatro ou cinco dias e, então, passa", explica o médico.
Por trás da infecção, está um dos sorotipos do vírus da dengue, numerados de 1 a 4. O organismo produzirá anticorpos contra ele. Por isso, se o indivíduo levar outra picada de Aedes e esse mosquito estiver carregando o mesmo sorotipo, ele não ficará doente.
Mas se, por tremendo azar, o mosquito carregar outro tipinho do vírus da dengue, para 5% a 10% das pessoas infectadas, os anticorpos da primeira infecção não servirão de escudo de defesa. Ao contrário. Eles praticamente abrirão as portas de suas células para o vírus entrar. "E, como ele só se reproduz dentro delas, isso facilita demais uma multiplicação acelerada", ensina o professor.
O maior problema é que o vírus gera moléculas de NS1, que agem feito toxinas. Se a carga viral se torna maior, a NS1 consequentemente aumenta. O estrago, então, é medonho: ela permite que o líquido extravase do interior dos vasos. A pressão cai e o organismo entra em choque.
E agora entenda o drama atual: "Os sorotipos sempre se alternaram", diz o professor Kleber Luz. "Em determinado ano predominava um, depois outro. Mas, hoje, temos os quatro sorotipos presentes. Ou seja, o risco de alguém pegar um e, depois, se contaminar com outro e ter complicações por causa disso é bastante alto".
6. Uma espécie de "dengue longa"
O Sars-CoV-2 da covid-19 não é o único vírus capaz de provocar sintomas persistentes."Mesmo nos quadros mais leves de dengue, uma parcela de pacientes apresenta a chamada astenia", conta o professor Kleber Luz. Leia-se: fadiga crônica, física e intelectual, que se confunde com depressão. Em geral, esse cansaço tem fim, mas só depois de uns seis meses.
7. A vacina não está disponível para todos
O imunizante Qdenga, do laboratório Takeda, é mesmo eficaz: reduz em 61% o risco de a pessoa adoecer, se pegar qualquer um dos sorotipos do vírus.
"Apesar de serem realmente necessárias duas doses para garantir uma proteção duradoura, estudos mostram que, dez dias após a primeira delas, o nível de anticorpos já é muito bom, o que ajudará bastante na situação atual", afirma o doutor Antônio Bandeira, desmistificando a ideia de que, neste altura, seria tarde demais para alguém se imunizar.
A questão é outra. Na última segunda-feira, dia 5, a Takeda divulgou um comunicado: ela se concentrará em atender o Ministério da Saúde, que aplicará a vacina em adolescentes de 10 a 14 anos dos 521 municípios que, ao menos hoje, apresentam maior prevalência da doença. "Assim, o fornecimento da vacina contra a dengue Qdenga no mercado privado brasileiro será limitado", informa o documento. Portanto, será difícil — se é que ainda é possível — encontrar o imunizante em clínicas particulares de vacinação.
O que está ao nosso alcance é colaborar para controlar a proliferação do mosquito, seguindo a cartilha de redobrar os cuidados em casa, como evitar água nos vasos, trocar aquela na vasilha do seu pet algumas vezes ao dia e outras. Aliás, é nos lares que se encontram 75% dos focos das larvas. "E, se na sua cidade estão ocorrendo muitos casos, passe repelente a cada 12 horas", orienta o doutor Antônio Bandeira.
8. Existe um repelente ideal
De acordo com estudos, um deles realizado na Unesp, o melhor repelente para evitar a picada do Aedes aegypti, inclusive em crianças, seria à base de icaridina, na concentração de 25%, podendo chegar a 35% para adultos. Bastaria passá-lo nas áreas descobertas do corpo.
A vantagem da icaridina é o efeito prolongado de cerca de 10 horas. "Outros repelentes também eficazes precisariam ser reaplicados a cada duas horas, o que na prática é inviável", opina o professor Alexandre Naime.
9. Não perca tempo
Encare: a dengue pode matar, se a pessoa não procurar um serviço de saúde nos primeiros dias de sintomas. Lá, após um teste rápido confirmar o diagnóstico, irão fazer exames de sangue e estratificar seu risco de complicações. Será classificado como paciente com dengue A quem apenas tiver sintomas como febre, dores e manchas vermelhas pelo corpo. A classificação "B" é para quem apresenta esses sintomas e pertence a um grupo de risco — crianças, idosos, imunossuprimidos, cardiopatas e portadores de diabetes, por exemplo.
Será "C" quando o hemograma vier alterado, com queda de plaquetas e uma concentração dos glóbulos vermelhos, denunciando a fuga de líquido dos vasos. Isso deixa os médicos em alerta. Finalmente, a classificação "D" é para casos graves, com risco iminente de choque.
Aliás, risque do vocabulário a expressão "dengue hemorrágica", que já não é usada. "A dengue pode matar sem a pessoa ter sangramento algum, provocando uma queda grande e abrupta da pressão arterial", justifica o professor Naime.
O maior segredo é garantir a hidratação do organismo. Conforme a classificação, pode ser o caso de tomar soro na veia e voltar para casa ou, ainda, tomar soro por 48 horas. E, sim, alguns vão direto para a UTI. Mas tudo termina bem quando você não demora para buscar ajuda.
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