Dengue e gestação: o que muda e os cuidados que é preciso tomar
O Brasil já ultrapassa meio milhão de casos confirmados de dengue neste ano que mal engatinha. E, com o Aedes aegypti voando por aí, um grupo precisa ser observado de perto: o das gestantes. Não dá para empurrar com a barriga o menor sintoma suspeito.
Muitas grávidas, aliás, já andam apreensivas. Isso porque guardam na memória outro arbovírus — classificação dos vírus transmitidos por artrópodes, como os mosquitos. A lembrança traumática é a do zika, que causou uma epidemia em 2015, levando ao nascimento de bebês com microencefalia.
Mas, nesse ponto, bom dar de cara uma acalmada: "Entre as arboviroses, o impacto da zika sobre o feto é incomparável. Na verdade, são raríssimos os casos de malformações relacionadas à dengue", tranquiliza a infectologista Rosana Richtmann, do Grupo Santa Joana, formado por três maternidades paulistas, a Pro Matre, a Santa Joana e a Santa Maria.
Os desafios da dengue para quem espera um bebê são outros. De acordo com uma revisão publicada na revista científica Tropical Medicine and Infectious Disease e realizada no sudeste asiático — "a região do globo com maior número de casos e experiência em dengue", informa a doutora Rosana —, na gravidez a doença pode elevar o risco de pré-eclâmpsia, abortamento, sofrimento fetal, parto prematuro, mortalidade materna e outras complicações.
Quem está prestes a aumentar a família precisa entender direito essa história — não para entrar em pânico, mas para evitar tudo isso.
Por que é mais grave
Toda e qualquer virose é capaz complicar a vida de uma gestante e, consequentemente, a do bebê que ela carrega — até uma gripe serve de ameaça, se a febre for alta e houver desidratação.
Só que, quando é dengue, para piorar as confusões são frequentes. "Algumas modificações fisiológicas típicas da gravidez são parecidas com os sintomas que nos deixariam preocupados com essa infecção", explica a ginecologista Rosiane Mattar, coordenadora científica da SOGESP (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo).
A SOGESP, por sinal, divulgou orientações sobre o tema na quinta-feira passada, dia 15. Segundo o texto, assinado pela própria professora Rosiane e colegas, uma em cada quatro grávidas com dengue sintomática apresenta sinais de alarme que seriam motivo para ficar em observação no hospital. Mas nem sempre isso acontece.
Um exemplo: um desses sinais seria o aumento da concentração de glóbulos vermelhos no sangue. Ele ocorre porque uma molécula produzida pelo vírus da dengue permite que o líquido saia dos vasos. O sangue perde volume e suas células, então, ficam mesmo mais concentradas. "A questão é que as grávidas também costumam apresentar essa característica, uma maior hemoconcentração, como dizemos em Medicina", conta a professora.
Ou seja, o sinal alerta — indicando a iminência de a pressão arterial despencar e, com isso, o organismo entrar em choque — é capaz de passar como algo absolutamente normal em uma gestante. Um engano perigoso.
"Ora, a dengue não mataria, nem causaria tantos danos, se todo mundo fosse tratado da maneira ideal, recebendo soro ou até mesmo sangue no tempo certo", nota Rosana Richtmann. "Mas, inclusive por causa desse tipo de confusão, às vezes a doença é identificada tarde demais nas grávidas."
Quando a mulher tem pré-eclâmpsia
A ginecologista Rosiane Mattar também chama a atenção para uma situação delicada: "Algumas gestantes precisam, de fato, tomar ácido acetilsalicílico porque têm pré-eclâmpsia. Só que, se por azar pegam dengue, esse medicamento é totalmente contraindicado, aumentando a probabilidade de hemorragias."
Claro que ninguém está dizendo para interromper a medicação por medo de pegar dengue. Afinal, pré-eclâmpsia é coisa seríssima. Mas é para, mais do que nunca, buscar ajuda médica imediatamente, se suspeitar que está com o vírus.
Nestes tempos dominados pelo Aedes aegypti, febre, manchas vermelhas, dores pelo corpo e na cabeça, especialmente atrás dos olhos, são motivos de sobra para ligar para o obstetra e ir ao serviço de saúde.
Em caso de sangramentos
Perder sangue sempre foi razão para a gestante buscar atendimento. "E, como estamos vivendo uma epidemia de dengue, não importa o período da gestação, o médico deveria questionar se ela está com febre ou se teve febre e outros sintomas nos últimos sete dias", diz a professora Rosiane.
Isso porque, por trás do menor escape de sangue, também pode estar a dengue. Essa hipótese, hoje, não pode ser descartada. De novo, para não se perder tempo.
Se a dengue é confirmada
Após o teste de diagnóstico dar positivo, exames como o da concentração de glóbulos vermelhos estratificam as pessoas com dengue conforme o seu risco.
Desse modo, têm dengue "A" aqueles indivíduos com os sintomas clássicos da doença e nada mais. No entanto, as grávidas já vão direto para a classificação "B", que é a de quem corre um maior risco de encrenca, mesmo sem qualquer sinal de alarme.
Na "C", um ou mais dos tais sinais alarme estão presentes: além das alterações nos exames e sangramentos, a mulher pode urinar menos, sofrer queda de pressão, sentir uma dor abdominal intensa e contínua, diminuição da temperatura corporal, sonolência extrema e desconforto respiratório. E, finalmente, a classificação "D" é a dos casos graves.
"Na prática, o fato de a grávida ser logo classificada como 'B' significa que, ao dar entrada no pronto-atendimento, ela precisa ficar em um leito, em observação, até saírem os resultados de todos os exames", explica Rosana Richtmann. "Se eles mostrarem que está tudo bem, será o caso de hidratá-la e mandá-la para casa, mas com a orientação de voltar para ser examinada outra vez."
Não dá para dar alta e esquecer. "Os sinais de alerta em geral surgem entre o quinto e o sétimo dia de infeccção", avisa a infectologista. "Nesse período crítico, os exames devem ser repetidos diariamente. E, claro, se houver sangramento antes disso, a gestante deverá correr ao hospital."
Na hora do parto
A revisão científica realizada no sudeste da Ásia confirma o risco aumentando de parto prematuro desencadeado pela dengue materna.
Mesmo quando vêm ao mundo na hora certa, os bebês de mulheres que tiveram dengue durante a gestação podem ser de baixo peso. A probabilidade de isso acontecer chega ser 20% maior, porque durante a infecção os vasos capilares da placenta não seriam poupados, entregando menos oxigênio e nutrientes ao feto.
Por sua vez, de acordo com o texto da SOGESP, não há indicação para cesárea só porque a mãe está com dengue no dia de dar à luz. O parto pode ser normal. Mas deve-se procurar uma maternidade de referência, preparada para casos de alto risco."Se a parturiente está com dengue, o perigo de ter uma hemorragia é maior", justifica Rosiane Mattar.
A dengue congênita
A transmissão do vírus da mãe para o filho pode acontecer, se ela for picada pelo Aedes nos dez dias que antecederem o parto.
"Aí, então, precisaremos ficar de olho nesse bebê", diz a infectologista Rosana Richtmann. "Ele deverá ser muito bem monitorado, porque a dengue congênita é enganadora, não apresenta sinais nos primeiríssimos dias de vida. Entre o quinto e o décimo, porém, ela tem uma evolução rápida, provoca hemorragias e, às vezes, se já está em casa, nem dá tempo de o bebê chegar ao hospital."
Vale, portanto, reforçar: a grávida com dengue precisa ter seu filho em uma maternidade com UTI neonatal para casos assim. E tudo, então, poderá ficar sob controle. Recebendo sangue e outros cuidados, o bebê com dengue congênita tem boa chance de sair dessa.
Pode amamentar!
A dengue não passa pelo leite. Nem de uma pessoa para outra — no caso, da mulher infectada para o filho que já nasceu. O que é fundamental nessa história? O repelente. A mãe deve passá-lo em todas as áreas descobertas do corpo. Isso porque o risco, se ela está com o vírus, é o Aedes picá-la e, depois, picar a criança. Aí, sim, ocorrerá a transmissão.
"Pelo mesmo motivo, o pai ou qualquer pessoa com dengue que viver sob o mesmo teto de uma grávida ou de um bebê deverá se besuntar de repelente", ensina a doutora Rosana.
Melhor prevenir
A vacina da dengue, como todo imunizante feito com vírus vivo atenuado, não pode ser aplicada em gestantes. Por isso, o ideal seria que as mulheres, ao planejarem filhos, se vacinassem.
Para as que não tomaram a vacina e já estão grávidas, a saída é usar repelente sempre, à base de icaridina. Essa dica, pensando bem, anda valendo para qualquer um.
Para os bebês, hoje em dia existem repelentes aprovados para uso a partir dos 3 meses de idade. Antes disso, a sugestão de Rosana Richtmann é o velho mosquiteiro, aquele véu sobre o berço, que o Aedes faz voltar à moda.
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