Lúcia Helena

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Reportagem

Pressão que sobe na madrugada e outros fenômenos que mascaram a hipertensão

Mais de 30% dos indivíduos adultos têm hipertensão. Por baixo, um em cada três de nós. Escrevo "por baixo" porque, como as pessoas com pressão alta geralmente não sentem nadica de errado, nem sempre elas se preocupam seguir a recomendação de conferir seus valores de tempos em tempos para, então, terem a chance de controlá-la. Acabam ignorando que são hipertensas.

Outros, porém, até medem a pressão de vez em quando em consultas de rotina e, por conta disso, vivem tranquilos, crentes de que ela é normal. Nem desconfiam de uma perigosa ilusão. Ou melhor, de uma hipertensão mascarada, como aprendi com o cardiologista Fernando Nobre, um dos maiores conhecedores desse tema.

Durante muitos anos, ele coordenou o Serviço de Hipertensão da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), em Ribeirão Preto, de onde se aposentou há dois anos. E, em 1996, introduziu no país — ao lado do nefrologista Decio Mion, também professor da USP, mas na capital — a MAPA. "Sim, a MAPA é 'menina''', brinca, para dizer que se trata da sigla de monitorização ambulatorial de pressão arterial.

Você deve conhecer o exame: o aparelho amarrado no braço é programado para checar a pressão arterial em intervalos regulares, geralmente a cada 20 minutos, ao longo de 24 horas. Os resultados dessas medições ficam registrados em outro equipamento, menor que um controle remoto de televisão, preso na altura da cintura com a ajuda de uma cinta. Ele, depois, descarregará as informações em um software para que um especialista possa analisá-las — o que, muitas vezes, gera surpresas.

Muita coisa pode acontecer em 24 horas

Há quem, por exemplo, fique com a pressão nas alturas apenas enquanto dorme o sono dos justos — e como, sem a MAPA, daria para suspeitar?

"Medir a pressão é como tirar a foto de uma corrida de Fórmula 1", costuma comparar o professor Fernando Nobre. "A imagem irá refletir aquele momento específico do clique, em que um carro pode estar na primeira posição. Já a MAPA é como a filmagem de toda a prova. Com ela, podemos ver que o tal carro, no final, não é o vencedor porque foi ultrapassado por outro."

Em outras palavras, só com essa monitorização por 24 horas o médico é capaz de ver uma série de coisas que nunca enxergaria medindo a pressão em determinado instante no consultório. Por isso que, na Inglaterra, conforme me contou o professor, a MAPA é solicitada sempre que alguém tem uma queixa levantando a suspeita de hipertensão. Mas aqui, no Brasil, o exame ainda é menos realizado do que provavelmente deveria.

"A última notícia que obtive é que, no SUS, há uma fila de cerca de 30 mil pessoas aguardando para realizá-lo", informa o cardiologista. O custo é mais alto e faltam aparelhos, entre outras razões para tanta espera. Esse exame é o único que pode revelar o que acontece naqueles horários em que você não costuma lembrar da pressão... Enquanto está adormecido, por exemplo.

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A queda esperada durante sono

"Graças a diversos estudos, hoje se sabe que, ao dormir, a pressão de uma pessoa precisa ser pelo menos 10% menor do que aquela que ela apresentava enquanto estava acordada", ensina o cardiologista. "E isso independentemente do valor da pressão arterial na vigília."

Ou seja, mesmo que os valores sejam absolutamente normais ao longo do dia, se a pressão arterial não cai entre 10% e 20% durante o sono, isso significa um maior risco de AVC, de infarto, de doença renal e de outras complicações da hipertensão. Algo que, óbvio, ninguém saberá sem as medições noturnas.

"O aparelho não fornece essa avaliação pronta", explica o professor Fernando Nobre. "Ele apenas entrega os registros e cabe ao médico interpretá-los. Por exemplo, tem gente em que a pressão não cai nada enquanto dorme e tem gente em que, ao contrário, ela despenca demais, o que também não é bom."

A subida na calada da noite

Às vezes, não é só uma questão de a pressão não cair enquanto estamos adormecidos — ela sobe pra valer em pleno repouso! Existem indivíduos que, durante o dia, parecem normotensos — como os médicos chamam aqueles sujeitos com a pressão normal. Mas tudo pode mudar no meio da madrugada.

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Fisiologicamente, a pressão arterial diminui durante o sono, seguindo a queda de outros parâmetros biológicos, como a temperatura corporal e os batimentos cardíacos. Até porque a gente não precisa de tanto aporte de circulação se está dormindo.

Ora, a tendência é de se movimentar bem menos e a posição costuma ser deitada — o que também facilita a chegada de sangue ao cérebro. Enfim, tudo indica que o sistema circulatório possa, ele próprio, tirar o pé do acelerador. No entanto, existem situações em que ele não tem sossego.

"Nos indivíduos com apneia do sono, a pressão arterial geralmente se eleva em pleno repouso", exemplifica o professor Fernando Nobre. Aliás, fica o recado: quem tem esse problema em que a respiração é interrompida inúmeras vezes ao longo da noite, acompanhado por ruidosos roncos, deve conversar sobre isso com o médico. Provavelmente, a pressão arterial está sendo afetada.

"Ela também pode subir apenas durante o sono se a pessoa que tem doença renal crônica e uma série de outras condições de saúde", explica o cardiologista. Seja como for, se isso acontece noite após noite ou com relativa frequência, ela será considerada hipertensa, por mais que não pareça à luz do dia, quando está bem desperta.

Em quem pratica exercício

É esperado que a pressão arterial suba durante a atividade física: "Sem isso, ninguém conseguiria se exercitar, simples assim", afirma o professor. Portanto, ela se eleva durante o treino. Na sequência, cai gradativamente e deve voltar ao que era antes de iniciar o exercício, no máximo, depois de 10 ou 15 minutos.

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"Mas eu costumo dizer que a atividade física é o oposto do cigarro, que só nos faz mal", comenta o cardiologista. "Porque, no caso dela, sob todos os aspectos que você for ver, encontrará benefícios. Os estudos com a MAPA, por exemplo, mostram que, no dia em que alguém pratica exercícios, a pressão fica menor durante o sono. Isso pode ser ótimo."

Quando você está tenso ou muito concentrado

Certa vez, em um curso para ensinar médicos a interpretarem a monitorização, um dos participantes contou a Fernando Nobre a história de um colega cirurgião. Ao visitar o oftalmologista, esse médico ouviu que tinha características no fundo dos olhos típicas de pessoas hipertensas. Na hora, não acreditou. Ora, tinha o hábito de medir a pressão com frequência e podia assegurar: ela estava sempre boa.

A MAPA, porém, dedurou que, enquanto ele operava, os valores iam parar nas alturas. Sim, porque, além de usar o equipamento por 24 horas, a pessoa examinada anota tudo o que está fazendo a cada momento.

"Esse cirurgião ficava operando durante, pelo menos, oito horas todos os dias", relembra Fernando Nobre. "O exame apontou que, em todo esse período, sua pressão ficava absurdamente elevada, o que justificava os danos encontrados nos olhos. Mas, claro, ele não a media enquanto estava trabalhando, daí que nunca iria saber."

E para muita gente é assim: o organismo reage aumentando exageradamente a pressão arterial em momentos de maior concentração ou até mesmo de tensão.

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Parênteses: segundo o professor, não raro é o oftalmologista que vê bons motivos para alguém fazer a MAPA, quando a retina, no fundo dos olhos, lhe conta uma coisa e a pressão arterial relatada pelo paciente é outra.

A hipertensão do avental branco

Por falar em tensão, o fenômeno é conhecido na Medicina: a pressão de algumas pessoas sobe apenas quando elas se veem diante de um profissional de saúde. Especialmente, dizem os estudos, de um médico. Será que, lá no fundo, é medo que fala?

Por esse motivo, as diretrizes orientam que, se a pressão está alta e se, ainda por cima, a pessoa estranha — alegando que, na academia e em outros momentos, seus valores estão normais —, o indicado é conferi-la outra vez após alguns minutos. Pelo sim, pelo não. E, se continuar alta, pedir a MAPA.

"A monitorização é capaz de entregar quando é mais um caso de hipertensão do avental branco", justifica o professor. Isso evita que alguém seja tratado à toa de pressão alta.

Quando fazer uma MAPA

Não há necessidade de essa monitorização ser pedida a torto e a direito. O médico percebe se deve prescrevê-la durante o exame clínico e, claro, levando em conta a conversa com o paciente. Daí que, por mais que o tempo da consulta ande curto, tente lhe contar tudo o que achar diferente — o fato de acordar já sentindo cansaço, a impressão de ser sortudo por ter pressão normal em uma família de hipertensos e assim por diante.

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Às vezes, é um detalhe no seu relato que fará o clínico desconfiar que, olhando de perto — e por 24 horas —, sua pressão talvez não seja assim tão normal.

Reportagem

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