Como e por que manter a hidratação é fundamental se você está com dengue
Papo direto e reto: dengue mata. E mata por causa de uma queda brusca do volume de sangue.
Mas, atenção, geralmente ele não despenca porque a pessoa está sangrando sem parar. Apesar de a infecção ser associada à ameaça de hemorragia, antes de chegar a esse ponto, o mais comum é os vasos perderem líquido. Apenas líquido. Só que muito, muito líquido. Daí que repô-lo é o jeito de evitar um desastre fatal.
E, como os casos dengue grave no país mais que dobraram no primeiro bimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado — 2024 já soma 7.771 pacientes com agravamento da infecção —, é natural que todo mundo esteja de cabelos em pé e tentando se proteger da melhor maneira possível. Nesse cenário, além da troca de dicas sobre repelentes e outras barreiras ao Aedes aegypti, o mosquito transmissor do vírus, circulam por aí mensagens ensinando quem tiver dengue a tomar muita água para a situação não sair do controle.
Totalmente errado, cá entre nós, esse tipo de recado não está. Mas também não é tão simples assim.
"No contexto da dengue, sair tomando água sem orientação do médico é o equivalente, por assim dizer, à automedicação", pensa o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Botucatu, e coordenador científico da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). "Não é só uma questão de o profissional calcular com precisão a quantidade de líquido necessária para cada indivíduo, mas ver se a reposição deverá ser feita por via oral ou endovenosa", justifica.
Às vezes, ficar em casa confiando nos goles d'água só atrasa perigosamente a ida ao serviço de saúde para tomar soro na veia. Alguns sinais de alarme indicam quando é melhor, em vez de esperar o líquido ser absorvido no intestino, pegar um atalho e entregá-lo diretamente nos vasos.
É assim quando alguém apresenta uma palidez repentina, percebe o corpo esfriando, vomita várias vezes ou sente uma dor abdominal intensa que é difícil ignorar. Mas também são alarmantes alterações no exame de sangue que, no início, não geram sintoma algum, mas que apontam o risco de o volume na circulação diminuir em velocidade estonteante, mostrando a necessidade do soro. E rápido!
Quando os vasos parecem puídos
Em um adulto, circulam de 4,5 a 6 litros de sangue, que é composto 85% de água. Esse volume sanguíneo — o termo médico é volemia — mantém certa pressão dentro dos vasos e nas câmaras do coração. Isso é importante para que cada batimento cardíaco bombeie o sangue de maneira adequada, fazendo-o circular direito da cabeça aos pés.
Quando alguém faz a sua estreia na dengue, pegando pela primeira vez um dos quatro sorotipos do vírus causador da doença, nada disso costuma ficar comprometido. Até pode surgir um febrão dos infernos. Os músculos provavelmente irão chiar como se tivessem sido esmagados por um trator. A pele ganhará uma estampa cheia de manchas vermelhas. Os miolos, talvez, causem a impressão de que estão saindo pelas órbitas, pois a dor no fundo dos olhos é um clássico dessa infecção. Chato demais, mas passa.
No final, o organismo terá desenvolvido anticorpos para o sorotipo que contraiu. Esse aí nunca mais lhe causará dores de cabeça — inclusive, ao pé da letra. Mas esses anticorpos não ajudarão em nada, se o indivíduo for picado pelo Aedes aegypti outra vez e se, por azar, pegar um dos outros três tipinhos do vírus da dengue com os quais ainda não teve contato.
Aliás, para cerca de 10% das pessoas surpreendidas por esse bis da infecção, na segunda vez os anticorpos até atrapalham. Eles acabam facilitando a entrada dos vírus nas células, onde irão se replicar.
A carga viral vai para as alturas depressa e, paralelamente, sobe a quantidade de uma molécula produzida pelo vírus, a NS1, capaz de prejudicar pra valer a parede dos vasos. "Não é só ela que faz isso, mas toda uma reação inflamatória desencadeada pela doença", esclarece o professor Naime Barbosa.
O fato é que a parede de veias e artérias se torna permeável como um tecido puído. A água da composição sangue, então, vai saindo por sua trama, que talvez nem se esgarce ou se rompa para as células sanguíneas vazarem junto, provocando a hemorragia. Mas só isso já basta para ameaçar a vida.
"Um dos principais fenômenos que provocam o agravamento da dengue é justamente o escape de líquido para o que chamamos de terceiro espaço", diz o infectologista, referindo-se ao interstício, formado pelos vãos entre um tecido e outro.
A ameaça de choque
A água, ali fora, não é tanto o problema. O organismo, depois, cuidará de escoá-la, de boa. Mas, como resta pouco líquido enchendo o interior dos vasos, eles perdem pressão. Então, o coração já não consegue bombear o sangue para que ele circule direito. Os mais diversos órgãos e tecidos deixam de receber oxigênio a contento. É uma verdadeira pane. Ou, para dar o nome correto, é o que os médicos chamam de choque hipovolêmico.
"Uma das alterações nos exames laboratoriais em que ficamos atentos é justamente a maior concentração de glóbulos vermelhos no sangue, sugerindo que há o extravasamento de líquido", explica o professor Kleber Luz, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte). "Por isso, a primeira coisa a fazer, ao sentir sintomas suspeitos, é procurar atendimento médico para, antes de mais nada, confirmar o diagnóstico de dengue. E, na sequência, saber como se classifica o seu quadro."
Ou seja, de fato, não vale só ficar bebendo água sem ter essa informação essencial: é dengue A, B, C ou D? A letra aponta o que deverá ser feito, inclusive em termos de hidratação.
A classificação da dengue
Quem só tem aqueles sintomas pra lá de desagradáveis, como febre alta e muita dor no corpo, mas sem qualquer alteração nos exames, será classificado como um caso de dengue A.
A dengue B seria a quase a mesma coisa. A diferença é que a pessoa pertence a um grupo de risco para complicações — é idosa, criança ou uma mulher grávida, por exemplo. Ou tem determinadas doenças crônicas, como uma cardiopatia ou um diabetes. Nessa turma, é preciso ficar ainda mais de olho. A situação pode se agravar sem muito aviso prévio.
A dengue é C — merecendo soro na veia, sem dúvida — quando já há sinais de alarme, como queda da pressão e exames alterados. Por fim, na dengue D, a tal volemia já caiu. É caso de internação em UTI.
Quando é para beber água e quanto
Segundo o professor Kleber Luz, que é também consultor da OPAS (Organização Pan-americana de Saúde) para arboviroses como a dengue, se não há qualquer sinal de alarme, o paciente pode permanecer em casa, caprichando na hidratação para manter o volume do sangue. Mas vale frisar: só é possível garantir a ausência de sinais de alarme fazendo exames. Não dá para encher o copo ou a garrafinha de água e dispensar o atendimento médico.
"Se não encontrarmos sinais de alarme, enquanto durar a febre, o cálculo é, ao longo do dia, tomar 60 mililitros de água por quilo de peso corporal", orienta o infectologista. "Ou seja, um indivíduo de 70 quilos deverá beber 4,2 litros de líquido durante o dia, quase o dobro do que precisaria ingerir normalmente", exemplifica.
Dica: não adianta virar mais de um copo de só uma vez. Primeiro, porque isso pode até piorar quadros de enjoo. Segundo, porque seus vasos precisam que, digamos, pingue líquido de reposição ali o tempo todo, continuamente. Daí que o certo é distribuir bem os goles ao longo da jornada.
"E, claro, essa orientação pode mudar se surgir algum sintoma diferente, exigindo que a pessoa passe em consulta de novo, porque a dengue pode ter se agravado e a classificação, mudado", avisa Kleber Luz.
E quando tudo começa a melhorar?
"Passou a fase de ataque, que costuma durar umas 48 horas, a hidratação deve voltar ao normal", diz o professor Alexandre Naime Barbosa. Ou seja, enquanto seus vasos se recuperam do baque, é para seguir a recomendação de sempre, de ingerir de 2 a 3 litros diários de água, se você é saudável.
E tome cuidado com isso também. Afinal, sem se dar conta, muita gente bebe menos água do que deveria no dia a dia. Mas, especialmente na recuperação da dengue, não é bom vacilar.
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