Por que, agora, tanta gente com covid-19 tem teste com falso-negativo?
O brasileiro, hoje, ao sentir a quebradeira no corpo já não sabe se foi picado pelo mosquito da dengue, se pegou o influenza da gripe ou se foi infectado pelo coronavírus da covid-19, que segue em cena. Em algumas regiões do país, as três possibilidades são muito válidas. Não está moleza para ninguém.
E uma história que todo mundo anda ouvindo é a daquela pessoa que, para afastar a hipótese de ser covid-19, resolveu fazer o teste rápido de antígeno — o popular teste de farmácia — e ele deu negativo. Mas, dias depois, ao repeti-lo ressabiada por conta dos sintomas persistentes, viu que estava, sim, infectada pelo Sars-CoV-2.
Por que tanta gente anda apresentando um falso-negativo na primeira testagem? O que mudou? Adianto: o vírus não se modificou a ponto de se tornar irreconhecível pelo teste. Nós é que já não somos os mesmos.
O que está diferente
"Boa parte da população ou adquiriu imunidade porque tomou a vacina ou porque teve covid-19 no passado ou, ainda, as duas coisas, o que chamamos de imunidade híbrida. E isso impacta na curva de ascensão do vírus," explica o professor Evaldo Stanislau Affonso de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
O pico da viremia, isto é, o auge da presença do Sars-CoV-2 no sangue, já não é alcançado com a mesma velocidade de antes. "Por isso, artigos científicos recentes sugerem, que, em vez de fazer o teste de antígeno no início dos sintomas, como era o recomendado, você espere um pouquinho mais, deixando para ver se tem covid-19 ou não em torno do terceiro ou do quarto dia após o aparecimento da febre, da dor de garganta ou de qualquer outro mal-estar."
Antes disso, mesmo sendo sintomático, é relativamente grande o risco de o teste rápido dar negativo. Quero dizer, falso-negativo.
Novas variantes não afetam a eficiência da testagem
"Essencialmente, o que muda no Sars-CoV-2 é o gene que codifica a produção da proteína S, ou spike, que ele usa para entrar nas nossas células", conta o biólogo molecular e virologista José Eduardo Levi, que lidera a área de pesquisa e desenvolvimento da rede de saúde Dasa.
Faz sentido. Quando um vírus se vê cercado por variantes que acabaram de chegar, fazendo-lhe concorrência, e por pessoas imunizadas por tudo quanto é lado, a pressão evolutiva é no sentido de ele encontrar novas estratégias para continuar se espalhando por esse mundo.
Ou seja, ele é pressionado a aprimorar esse pedacinho, feito o espinho de sua coroa, que não só é usado para infectar mais e mais pessoas como é o que acaba sendo reconhecido pelos benditos anticorpos neutralizantes, capazes de segurar a sua onda.
"Por isso, as vacinas focam na proteína S: para o sistema imune produzir esses anticorpos. Mas, do ponto de vista do diagnóstico, não seria inteligente criar testes para uma proteína que se modifica com frequência", explica Levi, "Então, os testes de antígeno miram no núcleo capsídeo", diz ele, referindo-se ao invólucro que envolve o material genético do vírus.
Essa região do Sars-CoV-2 é idêntica desde o início da pandemia. "Ela se mantém conservada. Logo, não há qualquer razão para imaginar que esses testes estejam menos eficientes atualmente", afirma Levi.
O paradoxo da tosse
Mais para o começo da pandemia, quando os testes de antígeno apareceram, ninguém escondia que o seu resultado não era tão certeiro se a doença era assintomática. Ou, como está claro na bula de um deles, o da Abbott, "pode dar negativo antes de você desenvolver os sintomas." No entanto, assim que eles surgiam, tudo bem. A sensibilidade ficava, então, nas alturas.
Isso porque febre, tosse e dor de garganta costumavam dar as caras quando a infecção alcançava o tal pico de viremia — fase, também, em que o teste sempre ofereceu sua maior eficiência. Tudo caminhava lado a lado.
Agora, porém, há um descompasso. "Os sintomas aparecem antes de o resultado dar positivo", observa José Eduardo Levi. "Como você está imunizado, basta o seu organismo entrar em contato com o Sars-CoV-2 para acionar suas defesas. E sintomas, como tossir ou espirrar, têm a ver com essa reação do sistema imune. Onde quero chegar: a resposta das defesas passou a ser mais imediata e, consequentemente, os sintomas aparecem mais cedo, diante uma quantidade muito pequena de vírus para o teste de antígeno flagrar."
Na prática, isso explica por que o início do mal-estar deixou de ser o momento ideal para ir à farmácia atrás de um diagnóstico. De acordo com um estudo americano que analisou a performance do teste rápido em 348 indivíduos comprovadamente infectados pelo Sars-CoV-2 — publicado na revista científica Clinical Infectious Diseases e mencionado pelo professor Evaldo Stanislau de Araújo —, no primeiro dia de sintomas, a sensibilidade ficou entre 30% e 60% apenas.
Isso significa que, na melhor das hipóteses, quase metade das pessoas saiu com um resultado falso-negativo em mãos. Já no quarto dia de sintomas, a sensibilidade foi aquela esperada: de 80% a 93,3%.
"Daí que, se você tem sintomas e, mesmo assim, o teste deu negativo, o certo é esperar 48 horas e repeti-lo", enfatiza o professor Araújo. Isso, aliás, já era falado antes. Mas hoje a situação tende a ser mais corriqueira.
A importância de testar
Para o infectologista, um erro frequente é, diante de um primeiro resultado negativo do teste rápido, descartar de vez a ideia de ser covid-19.
"Aliás, os médicos não deveriam mais aceitar o que chamamos de diagnóstico sindrômico, dizendo que parece uma gripe ou um resfriado. Precisamos dar nome e sobrenome para o que está acontecendo, inclusive para conseguir tratar. Afinal, hoje há tratamentos específicos para muitas dessas infecções respiratórias."
Ou seja, é preciso testar para saber que doença você tem, se pode transmiti-la e que remédio tomar. "Hoje há painéis moleculares rápidos que, em cerca de uma hora, detectam mais de 20 bactérias e vírus respiratórios", conta o médico. "Seria o padrão-ouro, mas o custo é muito elevado."
Se for para saber apenas se tem o Sars-CoV-2, além do teste de antígeno, pode ser feito o teste de biologia molecular, o famoso PCR, que detecta um alvo na proteína spike. "Aliás, como essa proteína mudou, esse teste já sofreu alguns ajustes para não perder sensibilidade", conta o professor. O PCR, no caso, amplia o material do Sars-CoV-2 e, assim, pode detectá-lo bem mais cedo.
Mas confie que, quando há uma grande quantidade de vírus em circulação, ambos — antígeno ou PCR — servem muito bem para você saber o que tem.
Enquanto aguarda o diagnóstico
No caso de quem opta pelo teste de farmácia, a espera até o quarto dia de sintomas para ele ser feito ou repetido deve seguir as normas clássicas. Leia, uso de máscara e, se der, isolamento.
"Todo cuidado é necessário para não passar a infecção respiratória para um idoso que cruzar o seu caminho, por exemplo", opina o professor Araújo.
Quando o resultado é positivo
Aí, o isolamento — além da máscara — continua sendo o mais recomendado. "Flexibilizar essa medida seria um tanto precoce", pensa o médico. "Até porque a gente mal conhece as consequências dessa infecção a longo prazo. Há trabalhos mostrando que ela afeta até mesmo a cognição." É cedo para delinear, com precisão, os prejuízos a longo prazo até mesmo em quem, por ser vacinado, tem quadros bem leves. Melhor não dar oportunidade para o coronavírus disseminar.
Para quem ainda está sintomático, o teste pode ser repetido no quinto ou no sétimo dia. "Se continuar positivo, o isolamento permanecerá", orienta o infectologista. A partir do 11º dia é que você pode abandonar a máscara e sair por aí, sem repetir qualquer teste.
Sim, haja paciência! Mas temos de aprender o básico para evitar a transmissão da covid-19 e de outras doenças. Diria que são quase normas de educação, regras de sobrevivência.
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