Lúcia Helena

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Reportagem

Como foi a primeira cirurgia de coluna vertebral do robô Mazor no Brasil

Sua fama, como especialista em cirurgia de coluna vertebral, já corre o mundo, depois de 14 mil casos de sucesso acumulados em países como Estados Unidos, Canadá e Japão. Não à toa, ontem (dia 8), logo cedo, o movimento no corredor do centro cirúrgico do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, parecia acima do normal. Ao menos, diante da sala onde ele estava. Todos queriam vê-lo em ação pela primeira vez no Brasil. Eu também fiquei ali, na maior expectativa.

Só quem permanecia calmo era o médico Luciano Miller, cirurgião de coluna do Einstein. Autor de mais de 130 artigos científicos sobre esse tipo de procedimento, ele opera entre trinta e quarenta vezes por mês no hospital, ao qual se dedica todos os dias. Talvez esse volume tenha contribuído para serenidade de quem, não eram nem 7 horas da manhã, sabia que, adiante, a terceira e última cirurgia da segunda-feira só terminaria à noite.

Ou talvez a tranquilidade, destoando do alvoroço, era porque já conhecia muito bem seu novo "parceiro" de trabalho. Ficou uma temporada em treinamento com ele em Denver, Colorado, nos Estados Unidos. E a dupla treinou mais um bocado em peças anatômicas, quando Mazor chegou ao Brasil, aterrissando direto no Einstein.

Ah, sim, Mazor é o seu nome. Lê-se "mazór" — eu mesma o pronunciava errado, com um sotaque metido a inglês, quando o som de origem é do hebreu. O significado é "cura". E mais simpático do que esse sentido só mesmo a aparência do robô da Medtronic, uma das líderes mundiais em tecnologia em saúde.

Pela foto — veja! —, Mazor até parece ter cabeça e um par de olhinhos. Sem dúvida, hoje em dia ele é o melhor auxiliar que se poderia imaginar para a realização de artrodeses — este nome, já mais difícil e do puro "medicinês", se refere a procedimentos em que se colocam parafusos para fixar vértebras da coluna.

O primeiro caso brasileiro

Enquanto a senhora de 80 anos não chegava para ser sedada, ainda aguardando no corredor, o doutor Luciano Miller me explicava: "A paciente sente muita dor porque tem uma compressão dos nervos e um escorregamento de vértebra na região lombar".

Segundo ele, uma vértebra da coluna pode ficar assim, mais solta, por algumas razões. Naquele caso, era por uma degeneração causada pelo processo de envelhecimento. "Mas o problema também pode ser provocado por uma fratura, quando não apenas a vértebra é quebrada, como há dano nos ligamentos", acrescentou. "E, às vezes, o motivo é um tumor que destruiu um pedaço desse osso, fazendo com que perdesse parte da sustentação", disse, dando mais um exemplo.

Seja como for, a estabilidade das vértebras é um dos critérios no momento de os médicos planejarem uma cirurgia de coluna. "Se uma delas está instável, logicamente ela perde a capacidade de fazer movimentos da forma normal, o que gera sofrimento e compromete demais a qualidade de vida", justificou o doutor Miller. "Então, antes mesmo de descomprimirmos os nervos, precisamos estabilizar esse segmento com parafusos, conectando uma vértebra à outra, até para evitar que o problema retorne".

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No caso específico, seriam implantados seis parafusos, três de cada lado de uma vértebra na região lombar. Em qual ponto exato instalar cada um deles? E, em qual ângulo, se inclinado mais para cima ou mais para baixo, mais para um lado ou para outro? Isso era o Mazor que iria mostrar para o doutor Miller na hora agá.

"Até então, sem essa ajuda, fazíamos tudo a olho nu, contando com imagens de raio X feitas na sala de cirurgia", explicou o médico. Pouco tempo atrás, é bem verdade, o Einstein também trouxe para o país uma tecnologia em 3-D que melhorou bastante a qualidade do que os cirurgiões de coluna conseguiam enxergar em tempo real. Mesmo assim... "Mesmo assim, havia a probabilidade de pequenos posicionamentos incorretos", disse o doutor Miller. Risco praticamente inexistente com a mão, ou melhor, com o braço da nova plataforma robótica.

Está vendo os parafusos (em cor) instalados na vértebras? Esta imagem vale por várias: o monitor do robô funde a tomografia feita dias antes com o raio X da paciente já na mesa de operação e o scanner de suas cinco câmeras
Está vendo os parafusos (em cor) instalados na vértebras? Esta imagem vale por várias: o monitor do robô funde a tomografia feita dias antes com o raio X da paciente já na mesa de operação e o scanner de suas cinco câmeras Imagem: Divulgação Einstein

Desde o planejamento

Perto de 8 horas, começou a cirurgia tão aguardada. Doutor Miller e seus colegas de equipe fizeram uma pequena incisão nas costas da paciente. Levaram um tempo razoável soltando os músculos, com paciência infinita, até a vértebra instável ficar completamente exposta.

Mazor, ali do lado da mesa cirúrgica, estava a postos. Minha fantasia era de que observa tudo. Sua primeira tarefa, porém, já tinha sido cumprida: dias antes da operação, seu programa analisou as imagens de tomografia daquela senhora. "Por isso, ele já tinha apontado o tamanho e o diâmetro correto de cada parafuso", havia me contado o doutor Miller, antes de pegar no bisturi.

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Porém, para o robô começar o seu trabalho naquela manhã, seriam necessárias mais imagens. Primeiro, duas de raio X — uma, tirada de cima da paciente deitada e outra, da lateral.

Mas eis a questão: como o braço de Mazor relacionaria a imagem em seu monitor com aquela paciente, de carne e osso, para indicar em suas costas a localização precisa e o ângulo certo para cirurgião colocar os parafusos? O robô deu um jeito nisso usando as cinco câmeras que carrega, as quais emitem raios infra-vermelho, iguais aos de um controle remoto. Desse modo, bem depressa, fez uma detalhada análise topográfica do corpo ali deitado. Foi o suficiente para calibrá-lo para a sua missão de estreia no Einstein.

Bem menos radiação

"Note que são apenas duas imagens de raio X e mais essas das câmeras da plataforma robótica", chamou a minha atenção o doutor Miller. "Isso diminui bastante a radiação durante o procedimento."

De fato, segundo um estudo publicado no periódico científico The Spine Journal, Mazor é capaz de reduzir 80% do tempo de exposição à radiação de que os médicos normalmente precisam para obter imagens e ver a posição correta dos parafusos durante uma artrodese. Oferece mais essa vantagem.

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Imagem: Divulgação Einstein
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Na hora de parafusar

O melhor estava por vir, logo que todas as imagens se fundiram no monitor. O cirurgião, então, apertou o comando para colocar o primeiro parafuso.

Sem hesitar nem um segundo, o braço robótico de Mazor posicionou uma espécie de tubo preto por onde o doutor Miller introduziu instrumentos. "Desse jeito, ele me ajuda a colocar o parafuso na trajetória correta", explicou o médico que, na sequência, furou a vértebra para parafusá-la. Foi rápido. Pelo monitor, todos na sala acompanhavam o parafuso sendo implantado. No final, ninguém resistiu: no centro cirúrgico, o som era o dos aplausos.

Mazor também deverá entrar na sala de cirurgia para resolver, ao lado dos médicos, mais problemas, como corrigir escolioses graves em crianças, outras deformidades e traumatismos, sempre orientando o cirurgião no instante de implantar os parafusos.

Adeus, cirurgiões?

É inevitável que uma pergunta dessas passe pela cabeça. Mario Lenza, gerente médico de Ortopedia do Einstein, opina: "A união de máquina e ser humano é um fator de segurança e benefício ao paciente. Não haverá substituição e, sim, sinergia."

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Luciano Miller concorda: "O médico continua sendo o maestro e não vejo possibilidade de isso mudar tão cedo". Aliás, quando Mazor pode finalmente descansar, ele continuou firme em uma nova e delicada etapa da cirurgia, a de descomprimir os nervos da paciente, sempre monitorando os seus sinais até lhes devolver, digamos, certa folga. E isso para acabar com a dor que atormentava aquela senhora.

Descomprimir nervos é algo que um robô ainda não faz — é arte de mãos muito humanas. Por enquanto, cabe a Mazor o mérito, que não é pequeno, de atualizar o conceito de precisão cirúrgica. Os aplausos à sua tecnologia e à equipe pioneira no país foram bem merecidos.

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