Hiperplasia benigna da próstata: a polêmica sobre um de seus tratamentos
A próstata é uma glândula metida a ser diferente: enquanto praticamente todos os órgãos do corpo humano atrofiam quando a idade avança, ela resolve bancar a espaçosa, ninguém sabe direito a razão. E, a partir dos 50 anos, quase que inevitavelmente começa a crescer.
Deixa, então, de ter seus cerca de 20 gramas. Fica muitas vezes com o dobro disso ou até três, quatro, cinco vezes esses peso da mocidade. Não que o fato de se tornar graúda prejudique o seu próprio trabalho de produzir parte da composição do sêmen, contribuindo com um líquido capaz de nutrir e manter os espermatozoides.
Esse crescimento, a tal hiperplasia, não afeta essa função e é, como o nome indica, benigno. Mas a vizinhança se ressente. O trato urinário inferior pode dar trabalho, com a urina saindo a conta-gotas e a sensação de aperto para ir ao banheiro surgindo a todo instante.
Tudo é uma questão de endereço: localizada logo abaixo da bexiga, a próstata (que aparece em verde na ilustração desta coluna) envolve a uretra. Daí esse canal, que escoa a urina para fora do corpo, pode ficar comprimido e, consequentemente, estreitado. A estimativa é de que seis em cada dez homens com hiperplasia — de 20% a 40% dos cinquentões e praticamente toda a população masculina com mais de 80 anos — vão acabar reclamando.
"Aliás, não é tanto o tamanho da próstata, mas a queixa do paciente, que levamos em consideração para cogitar um tratamento", explica o urologista Rodrigo Loureiro, que supervisiona justamente a área de hiperplasia prostática na SBU (Sociedade Brasileira de Urologia). Faz sentido o que ele diz: o tecido que cresce é o do miolo da glândula. E ela, às vezes, não parece tão inchada porque sua cápsula externa, mais rígida, não se expande tanto. Mesmo assim, lá dentro, a uretra pode estar no maior sufoco.
Mas, quando Rodrigo Loureiro e seus colegas urologistas se referem a tratamento, eles costumam pensar em remédios — ideia que anda sendo descartada por causa de efeitos colaterais, como queda de pressão e problemas de libido — e em procedimentos como a RTU, que é a ressecção de parte da glândula via uretra, ou como o uso de vapor escaldante para fazê-la retrair ou, ainda, como a aplicação de grampos para dar à uretra alguma folga.
A SBU, no entanto, não recomenda em suas diretrizes um tratamento desenvolvido ainda em 2008 no InRad (Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e que, desde 2013, foi aprovado pelo CFM (Conselho Federal de Medicina). Esse tratamento, diga-se, entrou no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Estamos falando da embolização da próstata.
Para a gente, fica difícil entender onde está a polêmica. Ora, por que existe um tratamento aprovado e que pode ser reembolsado pelo plano de saúde e quase ninguém fala dele? Fique claro que o assunto já rendeu bons debates em outros países, com os urologistas questionando, inclusive, sua segurança.
Por isso, o médico Francisco Carnevale, chefe do Serviço de Radiologia Vascular Intervencionista do InRad e criador da técnica de embolização das artérias da próstata, mostra com entusiasmo o estudo publicado no mês passado na Radiology, a revista da Sociedade Radiológica da América do Norte, do qual foi um dos coordenadores.
Nele, 1.476 pacientes de quatro países — além do Brasil, França, Portugal e Estados Unidos —, todos tratados com embolização das artérias da próstata, foram acompanhados por 90 dias e não se viu, ao menos nesse período, efeitos da radiação usada durante procedimento sobre o tecido, como alterações no DNA. "Um dos medos da AUA (American Urological Association) era justamente esse", conta o médico.
Afinal, como é a embolização da próstata?
"No fundo, não podemos dizer que inventamos uma técnica. O que fizemos foi utilizar a embolização, que já era aplicada em outras doenças, com o objetivo de diminuir o tamanho da próstata e deixá-la, digamos, mais mole", afirma Francisco Carnevale.
Embolizar é interromper de propósito a passagem do sangue em determinada região do corpo humano. "E podemos controlar o quanto iremos obstruir a circulação", informa o doutor. Isso é feito com a ajuda de um cateter, parecido com aqueles usados em procedimentos no coração.
"No caso, o paciente recebe apenas uma anestesia local na virilha ou, às vezes, no braço", conta Carnevale. "É em uma dessas duas regiões que introduzimos um cateter de apenas 2 milímetros de diâmetro. Faremos com que ele viaje pelos vasos, guiados por imagens em tempo real, até alcançar as artérias que alimentam a próstata de sangue." O doutor lembra que tudo no corpo humano, para viver e crescer, precisa do abastecimento sanguíneo.
Ao se aproximar da próstata, o médico começa a trabalhar com outro cateter, este micro, com apenas 1 milímetro de diâmetro, a metade do anterior. "Se a próstata fosse um abacate, é com esse dispositivo que acabo chegando na área que seria a do seu caroço", compara Carnevale. Nessa região, especificamente, o cateter descarregará esferas microscópicas, feito grãos de areia, que farão a oclusão de alguns vasos.
"Sempre vale refletir até que ponto o objetivo obstruir artérias, que eventualmente irrigam outras áreas importantes, pode ser considerado um procedimento minimamente invasivo", pondera Rodrigo Loureiro, da SBU, que há mais de década se dedica ao tratamento da hiperplasia benigna.
Francisco Carnevale, porém, garante que, especialmente de uns cinco anos para cá, a segurança se tornou muito grande. "Hoje, com aquele primeiro cateter, eu consigo injetar um contraste e fazer, durante o procedimento, uma tomografia e uma angiografia, que é o retrato das veias e das artérias, as quais aparecem combinadas, isto é, fundidas.", diz ele. "Fico com uma espécie de mapa em 3D e, nele, enxergo perfeitamente se determinada artéria está seguindo na direção da bexiga, do reto ou do pênis, por exemplo. Assim, tenho condições de prever quando há risco."
Não é só isso: a imagem em 3D é obtida em uma única tomada, sem a necessidade de os médicos fazerem várias radiografias durante a embolização. Resultado: a exposição à radiação caiu praticamente pela metade.
Um lugar na berlinda
Aprovada em 2017 pelo FDA, a agência que regula tratamentos nos Estados Unidos, a embolização das artérias da próstata só foi mencionada nas diretrizes da AUA, a associação dos urologistas americanos, em agosto do ano passado. Elas apontam, porém, um nível de evidência e recomendação "C". O nível mais alto, quando há acordo entre os médicos e provas contundentes, seria o "A". Já o pior, quando não há motivo para recomendar, é o "D". O documento sugere que sejam realizados novos estudos. Já as diretrizes europeias chamam a atenção para a necessidade de a embolização das artérias da próstata ser realizada apenas em centros especializados em radiologia intervencionista.
Defendendo sua disseminação, Francisco Carnevale vê na embolização vantagens nítidas. "Ela pode ser indicada para qualquer tamanho de próstata, inclusive aquelas acima de 100, 200 e 300 gramas, como já tratei, com excelentes resultados", diz ele. "Os demais procedimentos minimamente invasivos só podem ser realizados em próstatas que não cresceram tanto."
Outra vantagem, segundo o doutor, é que, passados seis anos, a recorrência de sintomas só acontece em 25% dos pacientes. Ele afirma que a técnica que utiliza grampos — chamada Uro Lift — "parece ter índices de recorrência maiores que isso".
O urologista Rodrigo Loureiro reconhece que a embolização anda mais falada. "Os pacientes chegam no consultório fazendo perguntas, já ouviram a seu respeito", nota. "Mas acho que ela seguirá sendo encarada em vários países como um tratamento com caráter quase experimental até existirem mais dados. O fato de um procedimento ser seguro, como mostra esse trabalho recente, não quer dizer que ele seja o mais eficiente", acredita.
Aproveitando: a ressecção transuretral da próstata ainda é considerada o tratamento padrão-ouro para a hiperplasia benigna, O urologista vai tirando lascas da glândula, abrindo uma espécie de túnel para a uretra ficar de boa. "Ela, aliás, deve ser a técnica usada como parâmetro de comparação quando surge uma opção de tratamento", informa o doutor Loureiro.
De todo modo, quando há mais alternativas — e isso, óbvio, vale para qualquer assunto médico — , a saída é ouvir, também, mais de uma opinião, discutindo todas as possibilidades.
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