Brasileiros descobrem uma nova molécula que regula a pressão sanguínea
Em 2012, Robson Augusto Souza dos Santos, um dos cientistas brasileiros mais respeitados mundo afora — já, já, você irá entender que não há exagero nisso — estava com a mulher. Ela enfrentava um trabalho de parto longo e complicado com a ajuda de uma médica que, madrugada adentro, não saiu um instante sequer de perto do casal. A dedicação da colega o comoveu.
Médico de formação ele também, hoje professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Santos tinha sido avisado que, naquele mesmo dia, finalmente acontecia em seu laboratório um experimento que seria crítico para descobrir um peptídeo, isto é, um pedacinho de proteína, cuja existência ele já desconfiava.
Disse, então, para a doutora Alamanda ao seu lado na maternidade: "Vou dar um nome a essa molécula em sua homenagem". Pedro, o bebê, nasceu bem. E nascia também, para a ciência, a alamandina.
Coincidência ou não, o início desse nome — "ala" — remete à alanina, que é o primeiro dos sete aminoácidos, isto é, dos tijolinhos que compõem essa molécula. No entanto, só há duas semanas foi divulgado um estudo que acrescenta uma peça a mais no quebra-cabeça dos mecanismos que regulam a nossa pressão arterial.
Recém-saído do forno, ele descreve uma derivação bastante interessante da tal alamandina, que perdeu dois de seus sete aminoácidos originais. Daí essa versão ser chamada alamandina 1-5. Devemos ler "alamandina um a cinco." Ela, até então, era completamente desconhecida.
O trabalho que revela ao mundo essa nova molécula e suas ações no organismo começou no início do ano passado e, normalmente, levaria uma década para ficar pronto. Mas Robson Santos coordena o INCT-Nanobiofar (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanobiofarmacêutica), na UFMG, um centro de excelência composto por diversos grupos de pesquisa.
"Essa é a vantagem", ele afirma. "Cada grupo fez um pedaço do estudo, gerando rapidamente uma série enorme de dados". Nesse esforço conjunto, usaram o que há de mais moderno em várias frentes — genética, fisiologia, farmacologia e outras —, até entenderem as características da molécula que tinham descoberto.
"Nós a encontramos na circulação tanto do homem quanto de camundongos. Ou seja, ficou claro que a alamandina 1-5 também está presente em outras espécies", explica o professor Santos. "E, o que mais importa, ela tem um potente efeito anti-hipertensivo, agindo aparentemente de uma maneira única para baixar a pressão arterial."
História sem fim
Já faz mais de século: foi em 1898 que dois cientistas finlandeses começaram a desvendar o bailado de moléculas que regula a nossa pressão. É o chamado sistema renina-angiotensina.
"Mas essa é uma história sem fim", diz o professor Robson dos Santos. "Cada vez descobrimos mais coisas e, assim, caminhamos para uma Medicina personalizada. Novas descobertas, como a da alamandina 1-5, podem atender nichos de pacientes que são resistentes aos tratamentos disponíveis", acredita.
Para a pressão subir
Resumindo ao máximo esse sistema complexo, os rins produzem uma proteína, que é a renina. Ela, então, quebra outra proteína — esta produzida pelo fígado —, gerando pedaços proteicos que são as angiotensinas. Delas, por sua vez, a angiotensina 2 acabou se tornando a mais conhecida. Pudera! Ela aumenta a pressão arterial como poucas.
Em princípio, essa ação — que faz parte do que os cientistas chamam de eixo clássico do sistema renina-angiotensina — não é ruim. Imagine alguém com uma diarreia forte. A perda repentina de líquidos faz cair a quantidade de sangue circulando no corpo e, consequentemente, a pressão dentro dos vasos pode despencar de modo perigoso. "Mas, aí, o eixo clássico é ativado. Há uma reabsorção de sódio e água e o volume sanguíneo logo volta ao normal", exemplifica o professor. O mesmo pode acontecer em uma onda de calor, como a que muitas regiões do país encarou nas últimas semanas.
O problema, portanto, não é quando esse mecanismo é acionado de maneira aguda para evitar a queda brusca da pressão arterial. A encrenca surge se ele é ativado cronicamente.
"Aí, a angiotensina 2 irá elevar a pressão arterial de forma constante, como vemos na hipertensão. Isso, especialmente se a pessoa ingere mais sal do que deveria no dia a dia, provoca lesões nos rins, nos vasos, no coração", ensina o professor que, para a tal "história sem fim", contribuiu com um dos trechos mais palpitantes, no final dos anos 1980, quando fazia seu pós-doutorado na Cleveland Clinic Foundation, em Ohio, nos Estados Unidos.
Para a pressão baixar
Em Cleveland, Robson dos Santos foi um dos responsáveis pela descoberta de um outro peptídeo, a angiotensina 1-7, que é uma antagonista daquela outra. Ora, ao contrário do que faz a angiotensina 2, ela provoca um relaxamento dos vasos.
A alamandina 1-5, descoberta em Minas, faz o mesmo. Parece integrar, portanto, o que os especialistas chamam de eixo protetor do sistema renina-angiotensina.
Uma curiosidade: se a ciência tem clareza a respeito de certas condições que levam o sistema renina-angiotensina a provocar a elevação da pressão, como na dor de barriga mencionada como exemplo, o mesmo não acontece com o eixo protetor. "Não sabemos ao certo em que situações ele seria ativado, a não ser quando isso acontece graças a medicamentos."
Para tratar a hipertensão
Hoje, a Medicina lança mão de remédios que bloqueiam os receptores onde aquela angiotensina que faz a pressão arterial ir para as alturas se encaixaria. É uma forma de impedi-la de agir.
Outro caminho é prescrever inibidores da ECA, sigla para enzima conversora da angiotensina. "Ela é essencial para formar o peptídeo que aumenta a pressão", justifica o professor. Portanto, essa drogas evitam seu aparecimento.
Mas a coisa toda é bem mais intricada. Os cientistas mineiros sabem que é a mesmíssima ECA que tira dois dos sete tijolinhos da alamandina, tranformando-a na molécula que investigaram. Aliás, segundo o professor, isso explica por que a alamandina 1-5 é produzida no endotélio, a parede interna dos nossos vasos: é ali que encontramos ECA em abundância.
Algo a mais
No estudo, os cientistas do INCT-Nanobiofar testaram a molécula em ratos que já eram hipertensos. Seu efeito foi espantoso, para dizer o mínimo. Como, no fundo, todos já esperavam, ela relaxou os vasos. Com isso, claro, a pressão do sangue contra suas paredes diminuiu.
"Para nossa surpresa, porém, a alamandina 1-5 também age no coração e isso é muito peculiar", conta o professor Robson dos Santos. Ela, no caso, reduziu a capacidade de contração dos cardiomiócitos, as células do músculo cardíaco. Resultado disso: o volume de sangue ejetado a cada batimento se tornou menor. E a hipótese é que tal efeito também contribuiria, em uma escala mais tímida, para baixar a pressão.
Isso é bom ou isso é ruim?
Boa pergunta, que agora o professor e seus colegas se fazem. "Será que a alamandina 1-5 faz parte do eixo protetor, como intuímos, ou ficaria no meio do caminho?", indagam-se.
Ora, a redução do volume de sangue ejetado, ou débito cardíaco, pode aliviar a sobrecarga em vasos como a aorta, uma das mais importantes artérias do corpo humano. Isso é bem positivo na hipertensão. E pode ser igualmente bem-vindo em condições específicas, como a de quem tem hipertireoidismo. "Mas será que essa ação ajuda ou agrava quadros de quem já apresenta fibroses e uma insuficiência cardíaca após ter sofrido um infarto?", o professor questiona. É uma das respostas que pretende encontrar adiante.
E o que a molécula faz no cérebro?
Essa é outra questão intrigante. Os cientistas notaram que a alamandina 1-5 atua em uma área do cérebro chamada ínsula, envolvida com o controle do apetite e com o autismo. "Essa é uma região cerebral extremamente resistente a drogas", explica Robson dos Santos. "Até mesmo substâncias produzidas pelo sistema nervoso têm dificuldade para chegar nela. Portanto, se essa molécula está ali, é porque tem um papel e ele talvez seja benéfico."
É óbvio que não dá para injetar alamandina 1-5 na ínsula. "Mas talvez a gente consiga criar maneiras para aumentar sua síntese nessa região e ver o que acontece ", pensa o professor.
Como ficaria o tratamento da hipertensão?
No futuro, sabendo mais sobre seus benefícios e para quais pacientes com hipertensão ela seria indicada, a própria alamandina 1-5, quem sabe, possa ser administrada como um remédio. "Ou talvez surja um medicamento que seja derivado dela", imagina o cientista.
Por ser mais específica que outras enzimas, capazes de interferir em mais funções do organismo, a ação de um medicamento contra a hipertensão a partir da nova molécula tende a ser certeira. Mas, lembrando de novo que essa é uma história sem fim, precisamos aguardar seus próximos capítulos.
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