Infarto: você tem 90 minutos para escapar bem dessa!
Sim, 90 minutos contados a partir do início dos sintomas. Mas poderá ganhar 24 horas extras para socorrer o coração aflito, se você e os médicos fizerem a coisa certa nessa primeira hora e meia.
A dor no peito é um aviso: uma artéria coronária, que abastece o próprio músculo cardíaco de sangue, está obstruída. É o infarto agudo. Tudo bem que alguns sentem coisas diferentes quando estão no mesmo enrosco.
Há quem tenha a impressão de uma queimação ou de um aperto no tórax em vez de dor propriamente dita. E, às vezes, o lugar do sofrimento parece um pouco mais embaixo, na altura do estômago. A má surpresa pode ser, ainda, aquela famosa contração fisgando o braço ou um inusitado espasmo no pescoço. Há, enfim, maneiras diversas de o coração pedir socorro e, seja como for, é bom acudi-lo. Depressa. Não fique enrolando, na dúvida se é ou se não é. O cronômetro dispara no exato instante em que o mal-estar começa — 90 minutos, 89 minutos, 88 minutos...
Enquanto o tempo passa, a porção do miocárdio que seria irrigada pelo trecho obstruído da coronária fica sem receber sangue com oxigênio. É a isquemia. Como esse gás é indispensável à vida, a conclusão é óbvia: se demora muito, essa parte morre e se torna, inclusive, um obstáculo para a circulação alcançar áreas vizinhas. Ou seja, no final das contas, a região infartada vai crescendo feito bola de neve. Tic, tac, tic, tac...
Um pedaço que não volta mais
"Imagine o tamanho da encrenca, ou melhor, da lesão, depois de ficar seis horas sem receber sangue!", diz Andrei Sposito, professor titular de Cardiologia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Se a pessoa sobreviver, ganhará de má lembrança uma insuficiência cardíaca.
O coração, então, não baterá com a eficiência de antes. Ora, terá de se virar com o que sobrou de músculo, já que um pedaço dele morreu. "Quando é assim, a diminuição na expectativa de vida é de dez anos ou mais", comenta Sposito.
Daí ser consenso no mundo inteiro: é primordial restabelecer o fluxo sanguíneo na coronária em uma hora e meia ou, mesmo se continuar a viver, o paciente sairá dessa experiência no prejuízo. Perderá saúde e perderá dinheiro, como mostra o estudo recém-publicado, liderado pelo professor Sposito. O trabalho também é assinado por pesquisadores da Universidade de Brasília, do Hospital de Base e do Instituto Aramari Apo, no Distrito Federal.
O preço do atraso
Restaurar o quanto antes a passagem do sangue onde ela está interrompida é fazer o que os médicos chamam de terapia reperfusão. "Com o estudo, nossa ideia era calcular não só o impacto sobre a saúde, mas o aumento do custo por hora de atraso nesse tratamento", conta o professor Sposito.
Pois bem: o preço é alto, incluindo desde gastos com os cuidados hospitalares até a perda de produtividade do paciente depois do infarto ou morte.
Foram analisados os dados de 2.622 pessoas que infartaram e foram atendidas na rede de saúde pública de Brasília. Entre elas, 36% apenas receberam algum tratamento para reestabelecer o fluxo sanguíneo na coronária entupida nas primeiras três horas; para 43,7% dos indivíduos, porém, isso demorou de três a seis horas para acontecer; outros 13,7% tiveram de aguardar entre seis e nove horas, o que já é tempo demais, e outros 6,6% só receberam a terapia de reperfusão após longas nove horas.
"As despesas com os indivíduos que esperaram tudo isso foram 45% maiores em comparação com aqueles que foram tratados nas primeiras três horas", compara o professor Sposito. Mais triste e preocupante, porém, é o seguinte: cada hora de atraso na terapia de reperfusão significa um risco 6,2% maior de morrer do coração antes mesmo de sair do hospital.
Guarde este nome: trombolítico
Um jeito de fazer a tal reperfusão seria submeter a pessoa que sofreu um infarto a uma angioplastia. Com a ajuda de um cateter que viaja pelos vasos, o médico infla um balão bem no ponto obstruído da coronária, esmagando o trombo e deixando uma espécie de rede, o stent, para manter o caminho livre para a circulação. Isso precisa ser feito, na pior das hipóteses, nas primeiras seis horas. Mas quanto antes — dentro daqueles primeiros 90 minutos —, melhor. Aí, sim, a chance de sucesso será nas alturas.
"Se, porém, a unidade de emergência para onde o paciente foi levado não oferece angioplastia, ele deverá receber um trombolítico na veia antes de ser transferido para um lugar capaz de realizar esse procedimento", informa o professor. E lamenta: "Eu me formei há mais de trinta anos, vejo pessoas sofrendo infarto toda semana desde então e, infelizmente, mais da metade delas chegam ao serviço de Cardiologia sem terem recebido o tal trombolítico, medida reconhecida como necessária por todas as dirertrizes há mais de quarenta anos ".
Trombolítico, o nome, já quer dizer um bocado: algo capaz de quebrar o trombo que está ali, bloqueando a coronária. "Ele não desfaz completamente esse obstáculo, mas reduz o seu tamanho. Com isso, ao menos um pouco de sangue consegue passar e ganhamos um tempo precioso de 24 horas para resolver a situação", explica o cardiologista. Cai como luva o chavão: tempo é vida.
O direito de exigir a medicação
O trombolítico, segundo as diretrizes, deve ser injetado não apenas quando há necessidade de transferência. Se o cardiologista não tem absoluta certeza de que a angioplastia será feita dentro do intervalo de 90 minutos a partir do início dos sintomas por qualquer que seja a razão — porque há outros pacientes ocupando a sala do procedimento naquele momento, porque o plantonista vai demorar mais para chegar ou seja lá o que for —, ele deverá aplicar a medicação sem hesitar um segundo.
"A pessoa ou o seu acompanhante deve relatar os sintomas, informar quando começaram e pedir para o trombolítico ser dado na veia, se for mesmo infarto", opina o cardiologista. "Se o pedido não for atendido , o médico poderá de ser responsabilizado por qualquer problema depois. E se, por acaso, esse profissional alegar que o trombolítico está em falta na unidade, será caso de reclamar com a Prefeitura e acionar o Ministério Público."
Isso porque a norma — preste atenção! — é de que não deveria existir uma única unidade de emergência no país sem estoque dessa medicação, barata e capaz de salvar vidas.
Segundo o professor, no SUS (Sistema Único de Saúde) a mortalidade por infarto é de 15%, praticamente três vezes maior que a de um hospital privado, que gira em torno de 5 a 6%. "E uma boa parte desses mortes ocorrem por quê? Porque não se usou ligeiro um trombolítico", acredita.
Não que essa lerdeza na aplicação não possa ocorrer na rede privada também. "Muitas vezes, o médico erra porque acha que é melhor esperar pela angioplastia. Fica repetindo o eletrocardiograma, enquanto o coração vai perdendo oportunidade", lamenta Sposito.
É bem verdade, vamos reconhecer, que a terapia trombolítica pode envolver, em 0,6 a 0,9% das vezes, o risco de sangramentos — ou seja, pode acontecer, sim, com 1 em cada 200 pacientes. Mas compare: sem ela, 15 em cada 100 poderão morrer, o que parece desvantajoso.
Além disso, enquanto a areia cai na ampulheta, o trombo vai se organizando. "Isso quer dizer: melhoram as ligações entre suas proteínas e plaquetas, de maneira que ele fica mais resistente ao efeito do trombolíco", explica o cardiologista. Ou seja, o sucesso da terapia de reperfusão — e o prazo extra que ela dará para a equipe médica solucionar o caso — já não será o mesmo.
Não tome remédio em casa
Ninguém deveria engolir uma aspirina enquanto a ambulância não chega, ao menos por conta própria. Só o tal trombolítico diminuirá o obstáculo que já foi formado.
O que a aspirina faz é impedir que as plaquetas se juntem. "Elas seriam os ferros da estrutura de um trombo e o coágulo de sangue, o concreto", compara Sposito. Ao lado de drogas anticoagulantes, mais seguro que esse antiplaquetário seja dado no hospital, onde é possível controlar o risco de sangramentos. Aí, a dupla pode evitar novos trombos, ou seja, novos infartos. Sim, o repeteco pode acontecer. É como se o primeiro coágulo chamasse outro.
Vá para a unidade de emergência mais próxima
Se o cronômetro entra em ação a partir dos sintomas, não faz sentido ir para aquele hospital onde está o seu médico de confiança, se ele fica do outro lado da cidade. Infartando, você não deve gastar boa parte daquela hora e meia no trânsito.
Pela mesma razão, chame um serviço de ambulância em vez de ficar esperando o filho, o marido, a mulher ou qualquer outra pessoa. O infarto, já viu, não nos dá muito direito a esperas.
Grave bem o horário em que apareceu o mal-estar para informá-lo com precisão à equipe da unidade de emergência — esse horário é a base de todo cálculo para decidir o que deve ser feito. E, vale reforçar, exija o trombolítico. Sem você se esquecer que o infarto é sempre uma corrida insana contra o tempo, aumentam suas chances de escapar muito bem desse susto e iniciar, em sua vida, um novo tempo.
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