Lúcia Helena

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Reportagem

Provavelmente há microplástico no seu pênis e isso pode dificultar a ereção

Chove plástico por aí. Literalmente. De PVC, material de que são feitos muitos canos, a polipropileno, dos canudinhos, passando pelo BPA, de potes e revestimentos internos de latas de alimentos. Sem contar as partículas dos demais oito tipos de plásticos bastante usados neste mundo tão prático, moderno e emporcalho.

A maior parte vai parar em lixões ou termina descartada nas águas de oceanos e rios. E, embora tanto plástico jogado fora pareça resistir ao tempo, o material vai se quebrando continuamente em fragmentos cada vez menores até que, invisíveis de tão minúsculos, se dispersam pelo ambiente.

Calcula-se que, nas grandes cidades, caiam sobre nossas cabeças mais de mil toneladas desses microplásticos por ano. São tragados com a respiração. Mas não param dentro da gente só desse jeito.

A alimentação merece destaque por ser o caminho mais importante para conduzir microplásticos para o interior do corpo humano. Segundo um estudo da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, no intervalo de um único mês, cada pessoa consome sem saber cerca 20 gramas de plástico, o equivalente a uma peça de Lego. Não é o melhor tempero no seu prato, mas está sempre presente na mesa do dia a dia.

Talvez se pergunte o que isso tem a ver com você — isto é, se não sente um gostinho de perigo ao engolir a "poeira" de brinquedos, sacos de lixo, sacolas de supermercado, garrafas de bebida, canudos e daquele pote emprestado que você perdeu e não devolveu à cozinha da sua mãe ou da sua sogra.

Essa história, porém, tem total relação com a sua saúde. Aliás, especialmente aos rapazes, acrescento: uma relação bem íntima. Pois, agora, um grupo de pesquisadores da Universidade de Miami, — ao lado de colegas da Universidade do Colorado, também nos Estados Unidos, e cientistas de instituições alemãs e italianas — encontrou um bocado de partículas de plástico acumuladas no tecido do pênis de homens com disfunção erétil.

Pontos brilhantes

O estudo, publicado há exatamente uma semana (quarta-feira, dia 19) no IJIR, o periódico científico de Medicina Sexual do grupo Nature, achou partículas de microplástico no exame de meia dúzia de amostras de corpos cavernosos, aquele tecido peniano que normalmente se enche de sangue quando o homem se excita, levando a cabeça às alturas.

Mas, como já contei, no caso específico nada acontecia de tão espetacular. Afinal, aquelas amostras só estavam nas mãos da ciência porque todo esse tecido, que recheava o pênis de seus donos, havia sido retirado para a implantação, em seu lugar, de próteses infláveis, capazes de simular uma ereção em noites mais animadas.

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Uns dirão que meia dúzia é um número pequeno de amostras de pacientes com disfunção erétil para sair assustando os homens com a ideia de que os microplásticos podem levá-los, quem sabe, à mesma situação. "Sem dúvida, é um número pequeno", concorda o médico Fernando Facio, coordenador do Departamento de Andrologia, Reprodução e Sexualidade da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia) e presidente da Sociedade Latino-Americana de Medicina Sexual. "Mas o artigo funciona como uma boa chamada de atenção", reconhece.

O objetivo do autores era entender se havia um comprometimento maior ou diferente no tecido do pênis cabisbaixo que não se erguia com a medicação oral prescrita para inflá-lo de sangue na hora do sexo, nem reagia às injeções intracavernosas, aplicadas diretamente nele com a mesma finalidade.

"Esses pacientes, dos quais vieram as amostras, com certeza apresentavam casos mais complexos de disfunção erétil, porque já apelavam para uma terceira tentativa ou linha de tratamento, que é a prótese", comenta Fernando Facio, que é também professor da FAMERP (Faculdade de Medicina da Faculdade de São José do Rio Preto), com pós-doutorado na americana Johns Hopkins University.

Os pedaços de corpos cavernosos trocados pela prótese foram divididos entre algumas investigações. "Em uma delas, os pesquisadores queriam verificar presença de processos inflamatórios. Em outra, eventuais fibroses", exemplifica o urologista. "Só que, sob as lentes do microscópio eletrônico, eles notaram pontos brilhantes. Foi um achado sem intenção. Eles estavam muito mais focados na questão vascular. Isso porque, na maioria das vezes, a disfunção erétil resulta de um distúrbio de circulação causado por um diabetes descontrolado ou por uma hipertensão arterial que não foi tratada ou, ainda, pelo cigarro e pelo excesso de álcool."

Bem, os pontos brilhantes não eram purpurina. Eram microplástico mesmo.

O plástico seria uma das causas da falta de ereção?

A partir do momento em que foram surpreendidos pelo pisca-pisca do plástico refletindo luz no microscópio eletrônico, os pesquisadores lançaram mão de várias tecnologias das mais modernas para investigar direito essas partículas. Assim, viram que maioria delas tinha de 20 a 500 nanômetros, isto é, milionésimos de milímetro. Mas algumas não ultrapassavam 2 nanômetros.

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Vasculhando o tecido masculino, no final foram encontrados sete tipos de microplásticos diferentes: 47,8% eram polietileno tereftalato. Para bom entendedor, PET. Fragmentos daquela garrafinha de água que foram estacionar justo ali, no pênis. Outros 34,7% eram prolipropileno, plástico mais rígido com o qual são feitos, para dar poucos exemplos do cotidiano, baldes de faxina, potes de sorvete, de manteiga e de margarina, até tecido de capa de chuva!

Muitas dessas partículas aproveitavam para se agarrar, como se elas — pobre, pênis — é que quisessem dormir agarradinhas. Mas é cedo para dizer até que ponto isso atrapalharia a circulação do órgão e a exibição de sua potência.

"Será que esses microplásticos que, afinal, não nasceram ali, criaram uma inflamação por serem estranhos, fazendo o pênis não reagir às demandas fisiológicas diante de um estímulo sexual?", questiona o professor Fernando Facio, ecoando uma hipótese levantada pelos próprios autores da pesquisa. "Será, ainda, que esse processo inflamatório levaria àquela resposta fraca dos medicamentos usados para tratar a disfunção erétil?", ele também se pergunta.

Não, não dá para descartar nada disso por enquanto. O ideal, lembra o urologista, seria a realização de novos estudos, comparando amostras de tecido com e sem microplásticos, vindas de homens com dificuldade de ereção. Mas parece que encontrar um organismo sem plástico impregnado neste mundo será missão impossível. Aliás, os microplásticos, em trabalhos anteriores, já foram localizados até em testículos, sendo associados a problemas de fertilidade masculina. É a primeira vez, porém, que recebem a acusação de serem estraga-prazeres.

Pelos homens e pelo planeta

Segundo a economista Gabriela Gugelmin, diretora de inovação e sustentabilidade da ERT Bioplásticos, no Brasil a situação pode ser pior. Isso porque nossa legislação ainda permite a utilização de um oxi-degradante na produção de plástico que já é proibido em boa parte do mundo.

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Formada em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, ela explica: "Por mais estranho que pareça, o uso dessa substância permite às empresas usar aquele símbolo indicando o material é biodegradável. Mas, na verdade, ele apenas se fragmenta mais depressa, formando os tais microplásticos".

Aliás, um capítulo à parte seria a história de reciclar plástico — o que, em primeiro lugar, não é possível para todos os tipos do material e, em segundo, não pode ser feito muitas vezes. Ou seja, chega um momento em que todo plástico convencional vira lixo. Que vira microplástico. Que vai parar no pênis, inclusive.

Biodegradável pra valer seria o bioplástico — "como o que é feito de cana de açúcar, compostável, capaz de virar adubo depois de 180 dias", aponta a economista.

Além de evitar usar muito plástico convencional no dia a dia, seria fundamental não aquecer utensílios feitos desse material, não cortar garrafas PET (isso também deixa partículas no ar) e, atenção, não ficar reutilizando um plástico várias vezes. Sim, a última recomendação parece contraditória, já que queremos diminuir esse lixo. "Infelizmente, às vezes o excesso de reutilização favorece o desprendimento de microplásticos", diz Gabriela.

Nessa questão ambiental em que nos metemos, sem investimento em saídas realmente sustentáveis, se ficar o bicho pega, se correr o bicho come (ou não, rapazes).

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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