Lúcia Helena

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Reportagem

Cuidado! Bebidas energéticas podem desencadear arritmias cardíacas graves

Se a gente for pensar, a quantidade de cafeína em uma latinha de energético, embora alta, nem é tão assustadora assim: a maioria das marcas contém de 80 a 300 miligramas da substância, ou seja, algo entre uma a três xícaras de um cafezinho coado. Tudo bem que a experiência pode ser como engolir essas xícaras uma atrás de outra.

Mas a questão é que a cafeína não está sozinha nesses goles. "A composição de um energético inclui taurina, guaraná e outros ingredientes estimulantes. E parece haver uma boa sinergia entre eles, em que um poderia potencializar a ação de outro", desconfia o doutor Michael Ackerman, cardiologista geneticista da Mayo Clinic, em Rochester, nos Estados Unidos. Ele é o líder de um estudo recém-publicado na revista da Heart Rhythm Society, que reúne os especialistas em arritmias cardíacas americanos.

De acordo com o trabalho, cuidado! Em pessoas geneticamente mais sensíveis, abrir uma dessas latinhas pode desencadear uma arritmia potencialmente grave e até mesmo uma parada cardíaca pouco tempo depois do consumo da bebida.

Fora de compasso

Não é preciso ter idade. Até mesmo jovens em uma balada ou pessoas na faixa dos 30 anos que buscam uns goles de energia para terminar um trabalho na madrugada — quem nunca? — podem desenvolver uma extrassístole depois de sorver uma dose de energético. Ou seja, na hora de se contrair para bombear o sangue para o corpo, é como se, antes de relaxar, o coração desse mais uma pequena contraída. E, daí, festa que segue, tarefa que continua. Nada demais para a maioria de nós.

Porém, em pessoas que por algum motivo genético são mais vulneráveis, o coração pode apressar demais o seu passo. Ou melhor, é capaz de perder o compasso batendo umas 400 vezes por minuto. Aliás, nesse ritmo acelerado, já nem bate — tremelica. Ou fibrila, como preferem dizer os médicos. E, às vezes, de tanto tremer em vez de bater, ele chega a parar.

Sobreviventes de parada cardíaca

Foi justamente para um grupo de 144 pessoas que sofreram uma parada cardíaca do nada que Ackerman e seus colegas de Mayo Clinic resolveram olhar. É claro que eles investigaram outros fatores que poderiam ter colaborado para o piripaque repentino, como o uso de determinados medicamentos, a prática de exercício extenuante, a exposição a substâncias tóxicas, a vivência de uma situação de extremo estresse ou a privação de sono — cá entre nós, difícil separar o consumo de energéticos desta última.

No entanto, o que chamou a atenção do cardiologista foi que sete dessas pessoas, ou 5% do grupo, tinham consumido energéticos pouco tempo antes de passarem mal. Seis precisaram tomar um choque de desfibrilador para o coração voltar a bater e uma delas foi ressuscitada por socorristas com massagem cardíaca manual. A maioria era mulher — seis das vítimas. E a idade média, impressionantemente baixa: 29 anos.

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É cedo para falar de causa e efeito

Ackerman, ao conversar comigo, tinha plena consciência de que poderiam lhe atirar uma latinha no olho ou, sem brincadeira, lhe endereçar um monte de críticas. Afinal, é um número pequeno de pacientes que sofreu parada cardíaca depois de tomar energético e, para completar, ninguém pode falar que esses goles foram causa a direta do problema.

"É mais provável que o consumo de energéticos tenha se combinado a um ou mais daqueles outros fatores desencadeantes de arritmias, criando assim uma tempestade perfeita que culminou na parada cardíaca súbita desses pacientes", pondera.

Mas, para ele, isso não tira a importância de fazer um alerta. "Aliás, diria que é nossa obrigação como médicos", afirma, lembrando que, quando começou a carreira, ouvia dos colegas que pessoas com tendência a arritmias deveriam passar longe do café ou do chocolate.

"Acho que comecei a me interessar por alimentos e bebidas estimulantes por causa disso: não me conformava com a ideia de que esses indivíduos não poderiam comer um bombom, o que me parecia um tanto exagerado", relembra. "E havia algum exagero mesmo. No entanto, em relação aos energéticos, sabemos muito pouco. Nos Estados Unidos, eles não são regulados pela FDA, por exemplo."

Drinque turbinado

Pergunto sobre o combo energético e álcool, servido no mesmo drinque em muitas festas por aí: "Sem dúvida, ele é potencialmente muito pior, porque o álcool também é capaz de levar pessoas suscetíveis a terem uma arritmia", opina o doutor.

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De novo: alguns podem consumir esse tipo de mistura e não sentir nada de estranho no peito. Mas, para outros, a má surpresa pode acontecer mesmo com uma única dose, como aliás foi o caso de mais de metade daqueles indivíduos que sofreram arada cardíaca, envolvidos no estudo da Mayo Clinic. Tomar um energético, dá a entender esse trabalho, é para quem conhece bem a saúde do seu coração e, no mínimo, já fez exames para saber se ele tem essa tendência a bater fora do compasso. Caso contrário, é um risco. Energético não é água, não.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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