Molécula descoberta por brasileiros é a nova promessa contra o Alzheimer
Você imagina o que seria uma quimioteca? Pois bem: quimioteca é uma espécie de "biblioteca" de moléculas. E existe uma assim no Instituto de Química da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), uma coleção de moléculas com diferentes ações farmacológicas, que era cuidada pelo professor Carlos Alberto Manssour Fraga, investigador de fármacos que, infelizmente, morreu há dois meses, sem chegar a ver uma delas virar tema de um artigo que acaba de ser publicado pelo British Journal of Pharmacology. Isso porque a substância parece proteger o cérebro do Alzheimer — ao menos, foi o que se viu em camundongos.
Sabia-se que a LASSBio-1911 — este é o seu nome — era capaz de inibir uma enzima presente em diversos tecidos desses animais, o que se revelava uma promessa interessante para tratar alguns cânceres, como o de próstata. Mas era tudo o que constava em sua ficha até então.
"A LASSBio-1911 foi sintetizada há quase oito anos", conta a neurocientista Flávia Gomes, do Instituto de Ciências Biomédicas da mesma UFRJ. "Só que, de uns tempos para cá, surgiram trabalhos feitos lá fora mostrando que moléculas com características parecidas com as dela seriam capazes de melhorar doenças neurodegenerativas. E isso chamou muito a atenção do professor Fraga, que veio então conversar comigo."
Foi assim que Flávia e seus colegas, com o apoio do Ministério da Saúde e da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), começaram a testar a tal molécula no Alzheimer. Para o espanto de todos, ela agiu diretamente nos astrócitos, células que lembram estrelas e que dão suporte aos famosos neurônios, ajudando até mesmo a nutri-los.
"Com a idade, os astrócitos vão deixando de funcionar tão bem. Isso, aliás, contribui para que as pessoas apresentem sinais de senilidade", diz a neurocientista. "No entanto, no Alzheimer, essas células ficam ainda mais comprometidas, o que piora bastante os sintomas da doença."
A LASSBio-1911, no caso, não só dá a impressão de impedir que o Alzheimer faça muitos estragos aos astrócitos, retardando a evolução da doença, como aparentemente consegue reverter parte dos prejuízos.
De novo: por enquanto, isso foi observado em animais, que é o estágio em que a pesquisa se encontra no momento. O que não arranca o mérito da molécula brasileira de representar uma enorme esperança: afinal, os bichinhos, induzidos em laboratório a desenvolverem o Alzheimer, voltaram a ter um bom desempenho em testes de memória. Sim, foi como se a LASSBio-1911 revertesse o mal instalado em suas cabeças.
Como foi o estudo
Em um grupo de camundongos, os cientistas injetaram uma substância neurotóxica que é capaz de provocar sintomas do Alzheimer. Já um outro grupo recebeu tanto essa neurotoxina quanto a molécula LASSBio-1911. Em seguida, os animais passaram por testes cognitivos e de memória.
Flávia Gomes conta como é um deles: "O camundongo, como todo roedor, cheira tudo o que é novo e diferente. É uma de suas maneiras de identificar o ambiente", começa. "Por isso, colocamos dois cubos de cores diferentes na frente dele. Cronometramos, então, o tempo em que ficou cheirando esses dois objetos. Depois de um período, substituímos um dos cubos por uma bola, por exemplo. E voltamos a marcar o tempo."
O esperado é que o animal capaz de reconhecer que um dos objetos foi trocado passe mais tempo cheirando a bola que o cubo. Foi, aliás, o que fizeram os camundongos medicados com a LASSBio-1911. Mas o mesmo não aconteceu com aqueles que só receberam a neurotoxina. Esses, pelo faro, se esqueceram que já tinham sido apresentados ao cubo na gaiola.
Um segundo passo
Flávia Gomes e seus colegas, na sequência, tentaram descobrir como a molécula agiria. "Primeiro, realizamos um estudo in vitro, isto é, fizemos a cultura de células cerebrais no laboratório. No caso, neurônios e astrócitos."
Não foi surpresa: a substância agrediu ambos. "Mas, quando colocávamos a molécula candidata a fármaco junto, os astrócitos se tornavam mais protetores, conseguindo, inclusive, corrigir os problemas dos neurônios", explica a cientista.
Uma doença mais complexa do que se imaginava
Isso, sem dúvida, abre a possibilidade de um novo tratamento. Mas, mais do que isso, reforça algo de que os cientistas já vêm desconfiando há algum tempo: o Alzheimer é um problema mais complexo.
Ele não surge apenas porque o cérebro passa apresentar placas de proteína beta-amiloide atrapalhando a comunicação entre os neurônios, como já se pensou no passado. Os astrócitos, por exemplo, devem estar tremendamente envolvidos também. E, sendo assim, têm tudo para se tornarem novos alvos terapêuticos para preservar a memória.
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